quinta-feira, 29 de janeiro de 2009

Separação de poderes?!

Denunciam -- pasme-se -- os magistrados portugueses:
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O novo sistema informático Citius permite o acesso em tempo real do poder político a todos os processos judiciais, mesmo os que estão sob segredo de justiça, permitindo mesmo introduzir alterações nos despachos de um juiz ou nas acusações de um advogado.
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Os magistrados acrescentam que qualquer funcionário da Direcção-geral ou do Ministério tem a possibilidade real de ter acesso a todo e qualquer processo judicial inserido electronicamente no sistema, o que consideram perigoso.
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Depois, é também dito que qualquer funcionário pode ler o que qualquer magistrado está a digitar em qualquer momento relativamente a processos que poderão mesmo estar em segredo de justiça.
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Os juízes assinalam ainda que qualquer pessoa desta direcção-geral ou do ministério tem o chamado acesso de escrita, ou seja, o poder de alterar uma decisão de um juiz ou uma acusação elaborada por um procurador, sendo para isso apenas preciso aceder ao sistema com uma password de administrador.
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Afinal, não há segredo nenhum; quer dizer, já sabemos como é violado o segredo de justiça! Eis o big brother; eis a decadência do Estado bem ordenado, que se estrutura em torno do princípio dos pesos e contrapesos ditados pela separação de poderes e em que se governa by the rule of law, tal como foi cuidadosamente concebido pelos maiores pensadores políticos da tradição democrática ocidental, como John Locke ou Montesquieu... Como um instrumento de mera utilidade se pode tornar, infantil e irresponsavelmente, num perigoso instrumento de manipulação e subversão total de valores civilizacionais inquestionáveis!

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Tudo está bem quando acaba bem!

Uma comissão de inquérito composta (pelo menos liderada, directa ou indirectamente!) por "amigos políticos" de José Sócrates averiguou da legalidade dos polémicos projectos de habitações assinados pelo actual PM, José Sócrates, e aprovados em tempo "record". Os "amigos políticos" de José Sócrates concluíram agora não ter havido qualquer ilegalidade (veja-se notícia no Público).
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Moral da história: quando há rigor, isenção e transparência política, aumenta a confiança dos cidadãos nas instituições, incandesce a generosidade do contribuinte, cresce a vontade de trabalhar arduamente neste país e espraia-se, edílica e serenamente, a paz social.

Não basta ser; é preciso também parecer!

O prestigiado administrativista e histórica figura política de proa, Diogo Freitas do Amaral, vem a terreiro afirmar que, do ponto de vista do direito administrativo, não há qualquer ilegalidade nos apressados despachos de licenciamento do então Ministro do Ambiente, José Sócrates, e, portanto, todo este diabólico processo de suspeitas de uso de roupagem invernosa em cálidas mãos é tudo fruto de um primário e simples sentimento de raiva e desespero dos seus adversários.
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Ora, o Senhor Professor Doutor Freitas do Amaral, como simples mortal, também pode cometer erros de raciocínio, como foi o caso, pois não convence com o argumento falacioso de que, a haver "luvas", então também teria que ter havido para o PR Jorge Sampaio e para o PM Durão Barroso... Este erro de raciocínio é conhecido pelo "argumento da derrapagem": vendo bem, cada uma das condicionais evocadas é ligeiramente improvável e, exagerando um pouco, talvez no final da cadeia houvesse, digamos, centenas de individualidades a receber "luvas", o que nos situaria num ponto muito para além da mais elementar razoabilidade e sensata aceitabilidade.
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E não sendo também, tanto quanto se saiba, Diogo Freitas do Amaral um especialista em Psicologia Humana, mesmo apesar da sua veia literária, talvez não suponha ele que tal sentimento de raiva possa alicerçar-se num habitual raciocínio, que, inevitavel e legitimamente, todos fazemos, nas mais variadas situações do nosso dia-a-dia: se há indícios e se já aconteceu no passado, é bem provável que também possa ter acontecido desta vez! Independentemente da verdade dos factos, que deve, naturalmente, ser apurada, o que é certo é que os "raivosos" dos portugueses não contraíram, certamente, qualquer doença com tais sintomas. A explicação racional mais plausível talvez seja a de que estarão já a perder a paciência de tanto esperar por políticos verdadeiramente impolutos, sérios, incorruptíveis e que, verdadeiramente, pareçam servir os interesses do país. Como disse o insuspeito ex-Presidente da República, Dr. Jorge Sampaio, ainda no exercício das suas funções (e vá-se lá saber porquê ou por quem!), «há coisas em que não basta ser; é preciso também parecer»!

domingo, 25 de janeiro de 2009

Sócrates fugiu para o Brasil!

Jacques-Louis David "A Morte de Sócrates" (1787)

Apesar de injustamente condenado à morte, acusado de corromper a juventude ateniense, Sócrates rejeitou o plano de fuga trazido por Críton e outros fieis amigos na última visita ao cárcere, na véspera de beber a cicuta. Argumentou, entre outros e para desalento dos seus amigos, que tendo sido uma decisão do soberano Tribunal da cidade de Atenas, ele, como mero cidadão, tinha o dever ético de cumprir superior decisão, até porque “é melhor sofrer uma injustiça do que praticá-la”. O bom cidadão é aquele que, acima de tudo, obedece às leis do Estado.

E se Sócrates tivesse fugido? Toda a história do Ocidente teria sido empobrecedoramente outra, já que a vida boa, defendida dramática e paradigmaticamente por Sócrates, é aquela que é vivida em busca e prática do bem e da justiça, ou seja, aquela que é vivida com base em princípios éticos libertadores do mero interesse, que corrompe o pensamento e a acção e nos afasta da humanidade, que há em nós como possibilidade.

Por muito discutível que seja a posição socrática, o que é certo é que a sua exemplar obediência a princípios universais em detrimento de interesses pessoais, a sua verticalidade, sentido de justiça e impoluta acção são – e não me refiro ao seu extremismo –, desafortunadamente, virtudes raras entre o comum dos mortais, tanto de ontem como de hoje. E, pior, quando se trata de homens públicos – de quem, legitimamente, mais se esperariam tais virtualidades – o que o povo, que ignora o valor da vida boa, parece gostar é dos que… “fogem para o Brasil” e depois regressam, triunfantes na sua vitimização arquitectada para/pelos média, para ganhar eleições. Cúmulo é que até os haverá que nem precisarão de fugir!

quinta-feira, 22 de janeiro de 2009

O meu e-mail a um deputado do PS do ciclo de Bragança

Senhor deputado Mota Andrade

O senhor deputado não sente na pele a confusão e o Inferno que o seu partido criou nas escolas. Mas não pode alegar desconhecimento dessa realidade. Apesar de conhecer o que se passa nas escolas, o senhor deputado votou contra todas as propostas de lei de suspensão do modelo burocrático de avaliação.

Pretende, com esse comportamento, garantir um lugar de deputado nas eleições legislativas de Outubro. É bem capaz de apanhar uma desilusão. Milhares de professores do distrito de Bragança, que votaram no seu partido em 2005, não voltarão a fazê-lo em 2009. Sabe porquê? Porque não confiam em si nem nos restantes deputados do PS que votaram contra os professores, que, querendo ser avaliados, não o querem com certeza por este sistema incompetente e maquiavelicamente mal feito, que, querendo respeitar a lei, jamais respeitarão dirigentes políticos que ocupam altos cargos da República que iniciaram o seu múnus público a vilipendiar, deprimir e denegrir a imagem pública de uma das classes profissionais mais fulcrais para um país, sobretudo para um país numa fase desenvolvimental decisiva (leia-se: onde não há lugar/tempo para brincadeiras de crianças!).

Mas o que mais me preocupa é a falta de capacidade de livre pensamento e decisão, de recolha e tratamento de informação, no caso, sobre carreiras docentes diversas e sistemas alternativos de avaliação de professores (mais justos, menos pesados, menos punitivos e mais formativos e efectivamente competentes e estimulantes), de que os deputados da nação mostram padecer nesta e noutras questão tão fulcrais para a república.

Deixo-lhe uma proposta, que, por retórica que possa parecer, não deixaria de ter a minha séria assumpção: trata-se de uma permuta - venha leccionar filosofia para a minha escola do distrito profundo e eu ocuparei o seu lugar no parlamento lisboeta; estou convicto que seria eu mais bem avaliado como deputado que o senhor como professor!

Em desespero... até se suspende a democracia!

Numa democracia representativa os deputados devem respeito pelos seus princípios, ideais e, em última análise, deveriam responder perante os seus eleitores. Afinal, os deputados são eleitos integrados numa lista de um partido político, mas para servir, inteligente, sensata, ponderada, mas justamente os interesse dos seus eleitores-representados e não para servir os interesses estratégico-partidários, a todo o custo, apenas com o fito de manter o dilacerante poder. O partido é apenas um meio, que utiliza as melhores pessoas, para servir o maior interesse nacional.
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O PS está a viver uma situação dramática. Para tal, joga tão forte como nunca jogou até José Sócrates, utilizando uma retórica agressiva e pressionante para com os seus próprios deputados, até porque são sempre candidatos a figurarem nas próximas listas... por isso, não façam a asneira de persarem por si próprios! Em desespero: pressão, pressão... e até suspender a democracia no seio do grupo parlamentar também vale.

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

Nobre forma de manifestação contra um governo de teimosias musculadas

O professor Paulo Guinote e mais meia centena de professores solicitaram a Garcia Pereira -- especialista em direito do trabalho -- um parecer jurídico sobre a legalidade da atabalhoada legislação produzida pelo Ministério da Educação acerca da avaliação do desempenho e do Estatuto da Carreira Docente. Trata-se de ver, como refere Paulo Guinote «até que ponto a legislação produzida pelo Ministério está de acordo com a Lei de Base da Educação»; o documento que Garcia Pereira irá produzir «pode depois ser usado em acções judiciais quer contra o Ministério, quer ao nível das escolas»..
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Da contestação política à contestação jurídica, está-se a subir o nível, já que ao nível legal não haveria teimosias! No entanto, a solicitar tal parecer -- sem menosprezo, naturalmente, por Garcia Pereira -- deveria ser a eminentes jurístas, doutores em Direito, autores dos nossos códigos laborais e, com certeza, autores da mais excelsa jurisprudência actualmente produzida nesta área, como sejam os senhores Prof. Doutor Pedro Romano Martinez, Prof. Doutor João Leal Amado e Prof. Doutor Júlio Gomes. (Este último manifestou-se já, por exemplo, favoravelmente à greve dos professores avaliadores como não tendo nada de ilegal, argumentando que nada impede que, sendo a greve uma ausência reivindicativa ao trabalho, não o possa ser ao trabalho parcial.)
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Haveria que fazê-lo realmente a sério, pois a ocasião assim o exige. A ser solicitado parecer a algum destes jurístas de proa e se tal fosse por eles aceite, a qualidade do parecer seria inexcedível e, portanto, de maior confiança para suporte de futuras acções judiciais e o impacto jurídico-político, obviamente, também maior (e para este parecer, as contribuições não iriam, certamente, faltar, mesmo que de um valor necessariamente mais avultado).
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Para este peditório dou eu, com muito gosto e convicção!

terça-feira, 20 de janeiro de 2009

PS preocupado... apela ao medo!

Uma falácia é, não apenas um mau argumento, mas um mau argumento que parece, ilusoriamente, bom. Há várias. Uma das mais comuns no discurso político é a que os lógicos latinos imortalizaram como Ad Baculum (de "bastão" ou "pau"), que em bom vernáculo se conhece como "apelo ao medo". Todo o argumento que, ao invés de oferecer boas razões para aceitar determinada tese, se limita a fazer ameaças é um mau argumento, pois a intenção é manipular, através das emoções e sentimentos. Convencer os outros a mudar de ideias, oferecendo-lhes razões, apelando à sua inteligência e respeitando a sua liberdade de aderir a elas ou de as recusar é uma boa prática argumentativa, da qual resulta a persuasão racional. Já recorrer a modos irracionais de persuadir, recorrendo a subterfúgios argumentativos (como são as falácias) que impedem as pessoas de pensar, apelando às suas emoções ou a motivos é altamente reprovável, pois ao invés de abrir o debate, tal estratégia sofística fecha-o; ao invés de procurar a verdade, limita-se à básica, quase simiesca, vitória no debate.
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A propósito da votação da próxima sexta-feira do projecto de lei do CDS, para suspender a avaliação de desempenho docente, e em plena tentativa desesperada do PS para arregimentar cabeças que não faltem à votação, Augusto Santos Silva recusou-se a admitir que o Governo esteja a dramatizar tal votação, mas lá foi arguindo que o executivo considera a avaliação dos professores «uma reforma emblemática» e uma «questão crítica» para o cumprimento do programa do Governo. E prossegue com o "apelo ao medo" (aliás, já costumeiro nas hostes socialistas):
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«Caso o Governo não tivesse condições para prosseguir com a avaliação dos professores, também não teria condições para prosseguir com um dos eixos fundamentais da sua agenda reformista. Mas não antecipo nada para sexta-feira que não seja o Parlamento continuar a acompanhar o Governo nesta reforma que para nós é decisiva».
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Quando não há boas razões... assustam-se os "paus mandados", isto é, aqueles que nobre e autonomamente servem os interesses superiores da República, independentemente do lugar em que se sentem na Casa da Democracia representativa! O "contrato" que fizeram, ao serem eleitos, foi com o PS, não com os eleitores! Portanto, respeitinho...! Claro que fica sempre bem dizer que o PS é um partido pluralista, onde cabem todos as opiniões e, sobretudo, a livre-opinião.
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Sim, senhor Augusto Santos Silva, recebido! Esteja descansado! Sem pestanejar!

segunda-feira, 19 de janeiro de 2009

É tão fácil refutar Valter Lemos e Jorge Pedreira!

A tese dos SEs Jorge Pedreira e Valter Lemos é a de que esta greve dos professores não faz sentido, porquanto está agendado um processo negocial e, portanto, o diálogo é muito melhor que a greve. A estratégia continua a ser intoxicar a opinião pública portuguesa no sentido de criar a falsa ideia de que os professores são (todos!) uns imbecis, que não querem é trabalhar e que, agora, até andam todos contentes a brincar às greves e manifestações, pelas quais não têm quaisquer boas razões!
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Mas o argumento de Jorge Pedreira é fácil de refutar. É verdade que está agengado um processo negocial. Mas é verdade também que o próprio ME já arredou unilateralmente das negociações e, portanto, do tão querido diálogo, uma das reivindicações dos professores -- o sistema de avaliação. Além disso, quem actua de forma subterrânea, intoxicando a opinião pública, batendo o pé, jogando com ressentimentos básicos de uma opinião pública ainda não suficientemente bem informada, tentando levar por diante, teimosamente e a todo o custo, uma decisão política, ao invés de recorrer ao bom senso de aceitar um erro, não tem, porque não pode ter, a confiança de pessoas profundamente preocupadas com o caos vergonhoso em que este ME colocou as escolas e a educação em Portugal e o inacreditável estado de indignidade pública a que atirou os mestres-escola. E depois o Estatuto da Carreira Docente, quiçá, também pudesse ser melhor, não havendo qualquer vantagem organizacional, pedagógica ou outra (a não ser estrita e irresponsavelmente economicista) em cindir a carreira em duas e em avaliar e classificar sob o artificialismo das quotas. Mas quem é que acredita nas boas intenções negociais ou dialogantes deste governo e deste ME? É para todos claro que o governo está unicamente preocupado, neste momento, com a sua sobrevivência política, já que em Portugal seria um crime hediondo se os políticos... se enganassem!

Sobejam, pois, razões para, mais uma vez (!), pressionar o governo a admitir que talvez se tenha enganado e que é imperioso acabar com esta vergonhosa "fantochada", a que a sra. dra. Maria de Lurdes Rodrigues, bem acolchoada pelo omnisciente e omnipotente eng. José Sócrates, teimam em chamar avaliação de desempenho docente e estatuto da carreira docente. A avaliação deste ME, avaliará ainda alguma coisa? E a carreira docente deste ME, será ainda decente?!

sábado, 17 de janeiro de 2009

Literatura fantástica e perda de referências literárias

A literatura do fantástico tem aumentado as suas edições a nível mundial. As editoras têm apostado em fortes campanhas de lançamento, com o Partenon ou a Catedral do Sacré Coeur como pano de fundo de lançamento de novos títulos. Também as muralhas do Castelo de São Jorge serviram recentemente de palco ao lançamento da tradução de “Brisingr”, do jovem autor Christopher Paolini. Portugal não fica, pois, atrás deste movimento comercial, que tem permitido a muitas editoras uma sobrevivência económica atractiva, mesmo que, todavia, nem todos os bons títulos deste género literário estejam ainda disponíveis em português.
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Séries de sucesso como “O Senhor dos Anéis”, de Tolkien, e “Harry Potter”, de J. K. Rowling, deram o mote para que tivesse florescido um género literário, que de menor consideração, se elevou ao sucesso comercial, contando hoje com um amplo mercado mundial e nacional. (Não é despicienda a projecção de algumas obras no grande ecrán!). O público-alvo é, sem dúvida, a camada jovem, que vai devorando títulos, sem que muitos tenham, contudo, a possibilidade de detectar, em grande parte dessas obras, quase-plágios, tornando-as obras derivativas, mas que, por muito iletradas que sejam, com imitações claras dos mais conhecidos tropos do género, vão deliciando a juventude.
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Apesar de género literário com obras de proa bastante respeitáveis, a sua proliferação comercialmente abrangente traz alguns problemas. Antes de mais, inundou o mercado, das livrarias aos hipermercados, levando à extinção das principais colecções de “ficção científica” das principais editoras portuguesas. Não é, pois, nada fácil encontrar hoje os grandes autores canónicos, como Philip K. Dick, Robert A. Heinlein, Stanislaw Lem, Robert Silverberg ou mesmo Asimov.
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Depois, açambarcou o tempo de leitura dos mais jovens. Diríamos: por que não?! Afinal, os mais jovens lêem pouco, em geral e particularmente em Portugal, e a leitura deve ser uma actividade livre. Com certeza. Mas estes jovens, apesar de estarem a ler mais, não estão a ler o melhor. Corremos o risco das novas gerações de leitores crescerem num castrante vazio de referências literárias.
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E o que é isto de referências literárias? São as melhores obras de arte literária que jamais alguém conseguiu escrever, desde os clássicos gregos à actualidade, na sua magnânima intemporalidade. São incontornáveis – apenas no género da ficção científica ou da literatura fantástica – H. G. Wells (“Guerra dos Mundos”, de 1898, problemática da existência de extraterrestres e conflito com os terráquios, obra recentemente honrada com um filme), Aldous Huxley (“Admirável Mundo Novo”, de 1932, problemática, actualíssima, do controlo do comportamento humano através de manipulação genética), George Orwell (“1984”, de 1949, problemática do controlo político do indivíduo pelo Big Brother Estado) ou mesmo Humberto Eco (sobretudo, no fascinantemente hermético “O Pêndulo de Foucault”, de 1988, sapiencial incursão no ocultismo das sociedades secretas medievais).
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Por que é importante ler estas obras de proa? O tempo disponível para ler não é infinito – não se pode ler tudo! Por isso, seria muito mais proveitoso, sobretudo para o neófito, que lhe fosse proporcionada leitura (pelo menos, também) dos autores que melhor dominam a linguagem escrita ou determinada língua em particular, que mais criativos são na forma como escrevem, na forma como nos transmitem sentimentos, emoções, ideias, na forma como nos transportam para novos mundos possíveis, que mais corajosos, informados e inteligentes são na forma como abordam os temas-problemas mais fundamentais, que entretecem a nossa existência, e, no fundo, pela mestria com que nos permitem o acesso à compreensão do mundo e de nós mesmos.
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Assim, na questão da literacia da leitura em geral, urge uma política educativa séria, corajosa e libertadora, que fugisse à tentação populista da novela fácil ou do perigo, eminente, do pragmatismo instrumentalizador da língua, que pode transformar a sua aprendizagem simplesmente num empobrecedor aprender a ler um contrato ou a escrever uma mensagem de correio electrónico! “Planos de leitura” sim (uma das poucas boas medidas educativas deste governo); mas com graus de evolução para patamares mais elevados, com estimuladoras consequências para a avaliação dos alunos e com concertada participação e envolvimento de todos (pais, professores e sociedade civil).
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(In: Terra Quente, 15-01-2009)

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

A paciência (mesmo de juíz) tem limites!

Também os juíses portugueses parecem estar a perder a paciência, desta feita com o claro desinvestimento do Estado na segurança dos Tribunais, por força de mais uma teimosia deste governo, cuja orientação política parece passar por uma musculada e populista imposição de decisões, mesmo que extravasem o limite do mais elementar bom senso e razoabilidade e mesmo ferindo, inclusivamente, princípios fundamentais de um estado de direito, como seja a segurança básica de um orgão de soberania. Afinal, para o PS de José Sócrates, não faz parte da função do Estado zelar para que os juízes possam julgar... em segurança -- justamente, nas respectivas Domus Justitiae!
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Estar-se-á a "renovar" a ciência política, numa redefinição "modernaça" das funções do Estado? Com certeza que não. É apenas uma infeliz e demolidora estratégia político-eleitoral. E tal como acontece, por exemplo, com os professores, também aqui o governo manipulará sabiamente a desinformação, a ignorância de aspectos técnico-funcionais imprescindíveis para bem julgar, bem como o sempre natural e consequente espírito pseudo-crítico da população em geral. Afinal, os juízes, como os professores, devem ser castigados!
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«Terminámos com a fase em que achámos que os nossos alertas poderiam ter eco. Agora, teremos que passar para uma atitude mais forte» (António Martins, ASJP, TSF). Compreende-se. Afinal de contas, as propostas de instaurar pórticos, detectores de metais e serviços públicos de segurança, pelo menos nos horários de funcionamento e, nas outras horas, no mínimo, a videovigilância são sugestões bastante razoáveis.
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Os sectores centrais de um Estado bem ordenado -- Justiça, Educação e Saúde -- também estão em crise. Será por causa da crise financeira internacional?!

Um naco de boa educação linguística!

Como é nobre a sapiência doutoral de quem ascende a lugares de direcção, condução, fiscalização e liderança de... professores!
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Degustemos:
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«O pagamento dos Magalhães, nos casos em que a isso os pais sejam obrigados, estão a receber informação por sms devendo, em todas, constar a entidade 11023.»
(Directora Regional de Educação do Norte, em ofício enviado às escolas. Daqui.)
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Afinal, não são importantes e muito menos passíveis de avaliação, as competências linguísticas de quem assim dirige professores, que, apesar de leccionarem Matemática ou Educação Física, não deixam de (dever) ser professores de Língua Portuguesa e, evidentemente, devem deter um domínio suficientemente seguro da língua, já que dele fazem uso paradigmático no seu superior múnus de ensinar. Não, tais competências não necessitam de grande nível... ou não necessitam de nível nenhum! Desde que cumpram zelosamente, ainda que acritica e abruptamente, as ordens (explícitas ou até presumidas) dos seus superiores...!

quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

Guia para acéfalos?! (2)

O guia da avaliação do desempenho dos docentes mostra mais. Mostra alguma (infelizmente, já habitual) incompetência de quem trabalha nos prestabilíssimos serviços deste Ministério de excelência, no que toca a redigir textos (que tal um exame de acesso para candidatos a receber dinheiro dos contribuintes, nos vários institutos estatais?), a interpretar leis (ou seria mesmo isso que a sra. Ministra queria que lá se escrevesse?) e a manipular conceitos.
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Senão, vejamos (entre outros):
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«Fica concluído, desta forma, o processo de avaliação de desempenho docente, que, neste ciclo avaliativo, só terá efeitos positivos para a carreira dos docentes, uma vez que:
(…)
• os professores que são classificados com Muito Bom e Excelente têm um ritmo de progressão mais rápido e, no caso de obterem tais classificações em dois ciclos avaliativos consecutivos, terão direito a um prémio de desempenho.»
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Agora, compare-se esta pérola da redacção ministerial, em auxílio dos ignorantes professores, com aquilo que define um governo democrático, que é o facto de governar by the rule of law:
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«1 - A atribuição da menção qualitativa de Excelente durante dois períodos consecutivos de avaliação do desempenho determina a redução de quatro anos no tempo de serviço docente exigido para efeitos de acesso à categoria de professor titular.
2 - A atribuição da menção qualitativa de Excelente e Muito Bom durante dois períodos consecutivos reduz em três anos o tempo mínimo de serviço docente exigido para efeitos de acesso à categoria de professor titular.
3 - A atribuição da menção qualitativa de Muito Bom durante dois períodos consecutivos reduz em 2 anos o tempo mínimo de serviço docente exigido para efeitos de acesso à categoria de professor titular.»
(art.º 48.º "Efeitos da avaliação", do Estatuto da Carreira Docente)
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No entanto:
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«4 - O número de lugares a prover nos termos do n.º 1 não pode ultrapassar a dotação a fixar anualmente por despacho do membro do governo responsável pela área da educação, ponderados os resultados da avaliação externa do estabelecimento escolar e ainda as perspectivas de desenvolvimento da carreira docente.»
(art.º 38.º "Acesso", do ECD)
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E até porque (mais importante ainda):
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«1 - A progressão na carreira docente consiste na mudança de escalão dentro de cada categoria.
2 - O reconhecimento do direito à progressão ao escalão seguinte da categoria depende da verificação cumulativa dos seguintes requisitos:
a) Na categoria de professor, da permanência de um período mínimo de serviço docente efectivo no escalão imediatamente anterior, com, pelo menos, dois períodos de avaliação de desempenho em que seja atribuída a menção qualitativa mínima de "Bom"
(...)».
(art.º 37.º "Progressão", do ECD) .
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Quer dizer:
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1. Quanto ao "ritmo de progressão mais rápido", segundo a legislação em vigor, tal constitui uma errada interpretação da lei e um uso falaciosamente ambíguo e inconsistente do conceito de "progressão na carreira", pois, mesmo com aquelas classificações, o ritmo de progressão na carreira não é alterado; o que existe, como se pode ler, é a possibilidade de antecipar o concurso a professor titular; mas até lá, o professor progredirá sempre com o mesmo ritmo e, caso não seja admitido ao lugar de professor titular, o seu precurso teve e continuará a ter exactamente o mesmo ritmo do professor que sempre foi classificado com Bom!
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2. A expressão "no caso de obterem tais classificações em dois ciclos avaliativos consecutivos" encontra-se erradamente colocada na frase, já que é condição mínima para o suposto (mas indevidamente usado) "ritmo de progressão mais rápido" e não apenas para o "prémio de desempenho" e, por isso, deveria ter, logicamente, antecedido a primeira das consequências e não apenas a última -- erro de sintaxe, portanto, que inviabiliza a correcta e fácil compreensão do enunciado.
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3. Não parece eticamente correcto acenar com um prémio de desempenho que, apesar de previsto no art.º 63.º do ECD, não está ainda regulamentado, designadamente quanto ao seu montante. Mesmo que deplorável, porque desrespeitadora da dignidade pessoal, intelectual e profissional dos professores, será pura propaganda?
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É, pois, mesmo aliciante para os professores procurarem ser muito bons ou excelentes! (O aliciante pecuniário, talvez o único verdadeiro incentivo actualmente "esboçado", embora não necessariamente o mais importante para quem cumpre tão nobre missão, ainda não está definido. É supresa?! Que bom... brincar às surpresas!) Mais uma vez: nota máxima para toda a equipa ministerial... que não precisa de ser avaliada, claro.

Guia para acéfalos?!

O ME – na sua peregrinação pelo absurdo político – continua a produzir peças de uma confrangedora fragilidade intelectual e política, mas também ungidas por uma despudorada malícia, fazendo dos professores (todos) uns autênticos imbecis. Há professores que têm uma fraca consciência política, muitos não conhecerão minimamente a legislação que baliza a sua profissão e até haverá outros que nem têm a devida presciência da decisiva missão que (não) cumprem. Mas atirar, insistentemente, com falácias, inverdades e erradas interpretações abusivas, ao dispor da propaganda, para as faces de todos é altamente reprovável e completamente anti-democrático.

Refiro-me, desta feita, ao guia para aplicação do modelo simplificado e transitório de avaliação de desempenho, que chegou esta semana às escolas e que enferma ainda, sobretudo, de alguns dos males do sistema (o "completo", sem simplex!), que vigorará a partir do próximo ano:
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- continua a tornar facultativa a avaliação da componente científico-pedagógica, valorizando muito mais os aspectos burocráticos (afinal, o que o ME é capaz de fazer é dizer, com este simplex, que avaliar o desempenho docente não é avaliar o mais importante do desempenho docente!);
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- continua a pressupor uma divisão artificiosa da carreira, com um primeiro concurso para professor titular, que foi uma vergonhosa mostra do que a incompetência letrada (e bem paga!) do ME é capaz;
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- e continua a pressupor a existência das artificiais quotas para as classificações de Muito Bom e Excelente.

Jobs for the family!

Um grupo de trabalho composto por boys do PS, liderado por João Pedroso, recebeu um balúrdio para efectuar um trabalho de harmonização de legislação para o Ministério da Educação e não o fez. Coitado do Mestre João Pedroso, que vai ser despedido e, sacrilégio, obrigado a restituir parte (só parte, claro, a crise obriga a perdoar o resto) do dinheiro recebido pelo trabalho que não realizou!

Tratou-se de uma contratação directa efectuada pela sra. Ministra da Educação, com base num curriculum tão ilustre que tem que ser oculto (não vá outros quererem seguir-lhes o exemplo). Mas não faz mal. Fica tudo em família! Sim, não se pense -- agora com esta moda das avaliações -- em avaliar a sra. Ministra pela incompetente escolha de pessoas contratadas para gastar o erário público... sem cumprirem a sua parte do contrato! Demissão? Não. Proponho, pelo contrário, que se atribua à sra. dra. Maria de Lurdes Rodrigues... uma indemnização (digamos: por ter perdido o seu tempo? Quiçá, nem será preciso apresentar qualquer razão!)

De facto, é preciso poupar na educação, na saúde e na justiça. O dinheiro não chega para tudo e ele há coisas para as quais tem que haver dinheirinho!

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Prémios para professores

Portuguesa é professora do ano na... Austrália Ocidental! Rosinda Seabra, professora de História e Geografia há 20 anos na Austrália, desvenda o segredo (conhecido, diga-se): «Eu envolvo-me com os alunos. Quero que façam o melhor que possam. Quem quer ser alguém, eu faço tudo para que alcance os seus sonhos». Duas notas.
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1. É claro que é de envolvimento que se trata, quando se trata de bons profissionais, em qualquer lado e em qualquer profissão. Em Portugal é preciso mais envolvimento, mas não só de alguns professores, como também de governantes, pais e encarregados de educação e sociedade em geral. Mas já querer que os alunos façam o seu melhor e fazer tudo para que quem quer ser alguém alcance os seus louváveis objectivos, isso é, entre nós, outra coisa! Em Portugal, fazer com que os alunos dêem o seu melhor é ainda mal visto e pior compreendido -- coitadinhos dos meninos (que podem ter um esgotamento), obrigam-nos a fazer cada coisa e depois não ficariam com tempo para mais nada...! E, sacrilégio dos sacrilégios, nem pensar em dedicarmo-nos àqueles cuja vontade os impele para o melhor, já que a função do professor (reza a cartilha do nosso ME) é ensinar tudo a todos... principalmente aos que não querem aprender... nem que isso seja, não só impossível, como, pior, inviabilize, tantas vezes, a aprendizagem dos que querem aprender (repare-se que não nos referimos aqui a capacidades, mas a vontade!). Mas quem é que quer ser como os australianos?! Estamos tão bem, na nossa "santa ignorância"!
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2. Premiar o desempenho docente não tem, em si mesmo, qualquer mal e até pode ser bom, excepto se aparecer como uma medida desgarrada, descontextualizada, inoportuna e, portanto, que apenas se pode compreender como propaganda política. Em Portugal, diferentemente de outros países desenvolvidos, há ainda muito a fazer pela educação (e pelos professores), antes de começar a premiar os protagonistas.

Assim, ao contrário, por exemplo da Austrália (e de outros países desenvolvidos), em Portugal não há um ensino de verdade, mas de ilusão; não há uma valorização da escola, porque não há uma valorização do saber, sendo a escola cada vez mais encarada como um quase-depósito de crianças e jovens, para professor educar (subversão completa de uma das mais importantes instituições da humanidade, cuja função é ensinar!); não há uma cultura de verdadeira avaliação de conhecimentos e competências aprendidas, mas apenas o fardo de uma ideologia ministerial da "criança selvagem", que, a par de alguma inoperância e atitudes incoerentes de muitos encarregados de educação, tem vindo a arredar do ensino o valor do esforço, da dedicação e do empenho do aluno em aprender, tão necessários ao seu desenvolvimento como ser humano carente de cultura.

Com uma carreira docente justa e adequada às necessidades do múnus de ensinar (e não, simplista e irresponsavelmente, pensada apenas para poupar dinheiro ao Estado; é que há mais onde poupar!), com uma avaliação de desempenho docente séria e justa, com uma avaliação das aprendizagens dos alunos naturalmente consequente, com condições infra-estruturais básicas nas escolas, com um modelo de gestão escolar verdadeiramente autónomo e corresponsabilizador e com um verdadeiro espírito nacional pela educação (conseguido através de uma reiterada campanha nacional de verdadeiro empenho de todos na edificação de cada criança e jovem em adulto verdadeiramente preparado para o mundo real povoado de pessoas), então, sim, faz sentido premiar os melhores.
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(P.S.: Curiosa é a notável importância que a profissão de professor está a ter, de repente, nos nossos órgãos de comunicação social. Assim atinja a consciência colectiva de um povo à espera de ser maior!)

Fotografias...


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“Branco sobre verde”
(Mirandela, 12-1-2009)
© Miguel Portugal

“À varanda”
(Mirandela, 12-1-2009)

© Miguel Portugal


“Branco sobre azul”
(Mirandela, 12-1-2009)

© Miguel Portugal


“Arco sobre gelo”
(Mirandela, 12-1-2009)
© Miguel Portugal


“Poças de água sobre o rio”

(Mirandela, 12-1-2009)
© Miguel Portugal

sábado, 10 de janeiro de 2009

Parabéns Tintin!

Há 80 anos saia a primeira prancha que Hergé consagrou a um dos mais famosos repórteres do mundo – "Tintin no país dos Sovietes". Pela mão de Hergé, toda a série Tintin é uma muito interessante introdução à história da Europa do séc. XX, soberbamente suportada por um sempre cativante espírito de aventura, banhada de uma mística pictórica, que ainda flameja, e mesmo apesar de poder plasmar, nalguns álbuns, preconceitos comuns na sociedade belga e, em geral, europeia de meados do século, como é o caso do racismo. Ainda assim, incontornável.

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Pior a emenda que o soneto (2)

Como era de esperar, o projecto de lei do PSD para suspender a avaliação de desempenho docente foi chumbado. Refira-se que todos os projectos de lei (PSD, BE e PEV) proponham não só a suspensão deste processo de avaliação, mas também legislariam no sentido de um novo sistema do mesmo vir a ser erigido pelas partes (governo e professores).
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Para além das peripécias acontecidas durante a tarde parlamentar, curioso (ou não tanto) foi que o projecto do PSD foi "mais chumbado" do que os outros projectos de lei igualmente votados ontem. Projecto do PSD: 109 votos a favor, 114 contra e 5 abstenções (dos deputados "crítico-autónomos" do PS). Projectos do BE e PEV: 113 votos a favor, 114 votos contra e 1 abstenção.

Como os resultados da votação dos outros projectos espelham, a falta de princípios éticos e de competência parlamentar dos deputados faltosos do PSD no passado dia 5 de Dezembro (sexta-feira!), não se emendam com meras manobras de retórica e jogos partidários. A solução para esse grave problema (que existe, com certeza, relativamente a outros importantes momentos da vida parlamentar, que não apenas o da votação da suspensão da avaliação de desempenho), passa, necessariamente, por uma "limpeza" nas listas de candidatos.

Apresentem-se (outras) pessoas idóneas, realmente capazes, com firmadas competências cognitivas, comunicacionais e capacidade de envolvimento e de trabalho e, então sim, haverá crédito numa verdadeira alternativa a este PS interessado em manter o poder a todo o custo.

quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Pior a emenda que o soneto!

O grupo parlamentar do PSD agendou para amanhã a votação de um projecto de lei que propõe a suspensão da avaliação de professores. O resultado é mais do que óbvio: será chumbado. Pessoas que já votaram favoravelmente outros projectos de lei neste sentido e que parecem actuar sob a orientação de princípios éticos, como Manuel Alegre (por muito que não se concorde com as suas ideias políticas), não embarcarão em joguetes partidários para resolver problemas partidários.

É completamente inadmissível que o maior partido da oposição, depois de 40% dos seus deputados terem faltado a uma votação que poderia ter sido histórica (um governo maioritário teria visto suspenso um diploma legal por si aprovado anteriormente, por deputados do partido que a asseguram votarem a favor de um projecto de lei crítico da política do governo), venha agora querer emendar a mão, propondo outro projecto de suspensão da avaliação dos professores.

Infeliz foi também o líder da bancada parlamentar, Paulo Rangel, com o argumento de que «agora é que vamos perceber quem é que está preocupado com as escolas», como se em Dezembro não fosse altura para preocupações! É que o assunto é demasiado sério para servir de grotesca arma política, para servir os interesses partidários de tentar emendar a mão, para ocultar a completa ausência de competência política e vazio de princípios éticos de alguns (muitos?!) dos nossos representantes no fórum das decisões políticas democráticas. Os partidos e as pessoas que os compõem não se devem servir dos problemas das pessoas; devem servir para resolver os problemas das pessoas!

É muito difícil – para pessoas esclarecidas, minimamente críticas e realmente preocupadas (como, felizmente, acontece já com muitos professores) – levar a sério estas acções de pseudo-política! Há, com certeza, quem saiba e esteja realmente interessado em fazer melhor. Os deputados, em geral e os faltosos do PSD em particular, precisam de ser avaliados – “refresquem-se” as listas nas próximas eleições. E depois, sim, haverá condições para dizer (e agir em conformidade): "do mal, o menos!"

Porque se manifestam os professores: 2. Por uma avaliação séria e de alto nível

A Escola pode ser vista, enquanto organização, como se fosse uma empresa. À partida, parece ser boa ideia. Mas dizem os gestores que para fazer mudanças e, designadamente, implementar um sistema de avaliação eficaz é preciso ganhar a confiança dos colaboradores da empresa, convencê-los dessa necessidade, evoluir por pequenos e seguros passos, persuadir de que a avaliação serve para melhorar o desempenho e só depois para premiar e diferenciar. Este governo fez exactamente o contrário. Começou por acusar os professores de serem a causa do insucesso educativo, de não saberem lidar com problemas de indisciplina (quando admitia a sua existência!) e até que os professores nem sequer sabem interpretar a legislação produzida pelo ME (se foi o ME que a fez, é porque está bem feita – qualquer aluno do 11.º ano sabe que isto é um mau argumento!). Na perspectiva da Gestão moderna, o governo está chumbado: não conseguiu implementar as reformas que defende serem fundamentais para o futuro do sistema educativo.
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Os modernos sistemas de avaliação de professores – da Nova Zelândia ao Canadá, passando pela Europa – pretendem avaliar o profissionalismo, a qualidade científico-pedagógica, a formação contínua e o envolvimento do professor. Mas nenhum deles – à excepção do nosso e do Chile (cujos professores já se manifestam também!) – tem esta concretização excessivamente burocratizada e que desvia o professor do seu trabalho de ensinar, cheia de falhas técnicas graves, com falta de rigor, excessivamente punitiva e ilusoriamente premiadora da excelência. As finalidades de uma avaliação moderna, rigorosa e exigente são detectar falhas no desempenho docente, fazer cessar essas falhas, mas, sobretudo, estimular o aperfeiçoamento e a excelência, para que assim se enriqueçam os processos de ensino e aprendizagem. A forma de concretização desenhada por este governo é, quando muito, punitiva das más práticas, mas não proporciona rigor suficiente para aperfeiçoamentos, nem é nada estimulante da excelência. A única motivação que um professor tem para ter um desempenho Muito Bom ou Excelente é antecipar o concurso à carreira de professor titular. Ora, como apenas menos de 1/3 dos professores tem acesso a tal carreira, é muito pouco estimulante trabalhar durante, pelo menos, quinze anos para um desempenho de topo… para depois não ser promovido, quando os critérios de avaliação do concurso para professor titular acabam por nem sequer ter em conta parâmetros de excelência!
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Assim, das duas, uma: ou o governo não tem competência político-técnica para desenhar uma concretização desta exigente avaliação ou não é essa a sua verdadeira intenção. Como não é muito crível essa hipotética falta de competência (bastava olhar para outros sistemas, que não o do Chile!), só nos resta concluir que a intenção do governo nunca foi criar rigorosas e justas condições de aperfeiçoamento do desempenho docente. A verdadeira intenção sempre foi cortar, pura e simplesmente, nas despesas com vencimentos de professores. Mas dizer isto às pessoas (a verdade!) seria bem menos eficaz política e eleitoralmente. Mais fácil foi a estratégia maquiavélica de fazer ressurgir o sempre natural (embora, por vezes, com algumas boas razões) ressentimento popular geral contra “o mau do professor” (que nos disse, em tempos, que não sabíamos…) e fazer de conta que se implementou uma avaliação modernaça!
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Mas há nisto três problemas. 1. É uma estratégia política muito pouco ética, por subjugar o interesse público ao interesse pessoal e partidário, abanando um pilar fulcral de toda uma sociedade, colocando em cheque o seu futuro. 2. Não é verdade que os professores hoje, em geral, sejam “uns mauzões”, que só sabem dizer que o aluno não sabe, pois, em geral, fazem, isso sim, o possível e o impossível para o aluno aprender, num contexto motivacional e sócio-cultural, tantas vezes, paupérrimo, onde quase ninguém quer, a não ser o próprio professor, que o aluno aprenda! 3. E, por último, o problema desta estratégia é que, segundo os economistas, um dos mais eficazes investimentos que existe é, a par da investigação, justamente a educação; ora, tal como não é possível investir eficientemente na investigação desinvestindo nos investigadores, desencorajando-os e deprimindo-os publicamente, assim também não é possível investir na educação limitando-se a pintar as escolas por fora, atirando alguns salvíficos computadores e alguma outra tecnologia atractiva para as escolas e, ao mesmo tempo, denegrindo a imagem pública dos professores (qual “bode expiatório”), responsabilizando-os por todos os males do atoleiro político-organizativo em que está o nosso sistema educativo, punindo-os e assim deprimindo esta função sócio-cultural de proa, que é ensinar. Este quadro desolador, da responsabilidade de um governo democrático, protagonizado por um Ministério da EDUCAÇÃO – coisa apenas vista em Portugal… e no Chile (serão os outros governos todos “imbecis”, como os professores portugueses?!) – está a deixar marcas profundas de instabilidade profissional docente, de crescentes dúvidas na sociedade sobre o real desempenho de profissionais tão importantes para o futuro das crianças e jovens e, assim, está a ser responsável por uma grave e duradoura quebra na confiança e paz social, com consequências trágicas para um país com desafios imensos pela frente.
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Os professores querem um sistema de avaliação moderno, sério, exigente e rigoroso, mas que não seja de tal modo pesadamente burocrático e injustamente punitivo, que ponha em risco precisamente aquilo que pretende melhorar – o desempenho docente, com melhorias para as aprendizagens dos alunos. O governo teima em querer experimentar este modelo; eventualmente, até pode substituí-lo, mas só lá mais para o Verão! Esta crise na educação – de proporções e intensidade inéditas – deve ter um fim urgente. Para isso, os professores dizem “presente!” Assim outros o façam.
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P.S.: Não estou aqui mandatado por qualquer grupo de professores. Trata-se de posições pessoais, embora partilhadas, no essencial, por muitos professores em todo o país.
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(In: Terra Quente 1-1-2009)