segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

Será preciso queimar Platão?!

A propósito do homicida finlandês, que era um jovem apaixonado (talvez em demasia!) pela filosofia (via telegrapho de hermes), discute-se a pertinência da leitura d'A República de Platão. Alega-se que alguns dos seus leitores contemporâneos defendem um neoconservadorismo agressivo, munindo-se das fortes críticas platónicas à democracia para transpor para o presente a concepção hierarquizada de ordem e justiça da cidade ideal platónica.
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Paul Ricoeur chamou "filósofos da suspeita" a Marx, Nietzsche e Freud por terem radicalmente criticado o iluminismo (embora tais críticas só puderam ter surgido justamente numa cultura da racionalidade e da liberdade!). Ora, Platão talvez possa também ser apelidado de "filósofo da suspeita", uma vez que fez uma crítica profunda e séria da organização democrática ateniense do seu tempo, críticas essas ainda hoje fortes objecções à democracia. A queimar Platão, teríamos, pois, por maioria de razão, de aniquilar Marx, Nietzsche e Freud!
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Por esta ordem de razões, A República de Platão deve continuar a ser lida e as suas ideias reflectidas, pelo menos no intuito de alimentar uma constante análise contrapontística dos argumentos que sustentam outras teorias políticas actualmente actuantes, como o socialismo e o liberalismo. Não há teoria política séria que envolva uma reflexão sobre os temas centrais d'A República, como o da justiça distributiva, e a teoria da democracia não se pode furtar à análise das fortes objecções platónicas à organização democrática do Estado, sob pena da democracia não passar de um infundado dado adquirido, obnubilada por aparências enganadoras e castradoras do pensamento livre e racional, que possa, esse sim, encontrar justificações válidas para tal.
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Defender a leitura d'A República de Platão não é, necessariamente, defender o conservadorismo; é tão-só defender a continuidade da filosofia política.

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