quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Dar a pensar...

[Sobre avaliação]

«Se a qualidade da educação fosse plenamente assumida como um desígnio colectivo, de há muito estaria interiorizada uma cultura de avaliação dos desempenhos: dos alunos, dos professores, das escolas, mas também das políticas educativas. A avaliação é um requisito da qualidade.

Sempre houve a avaliação dos alunos feita pelos professores durante o processo de ensino e aprendizagem. Trata-se do que muitos designam por “avaliação formativa”, tendo por objectivo monitorizar o que se aprende de forma a identificar deficiências e a permitir reorientar o esforço de aprendizagem para a sua superação. É uma avaliação de carácter interno e da responsabilidade exclusiva do professor, que de forma contínua compara os desempenhos do aluno com os objectivos previamente definidos. Utiliza para o efeito diferentes instrumentos de avaliação directa ou indirecta: observação diária, exercícios, trabalhos escritos ou exposições orais, testes regulares, etc.

O facto de se tratar de uma avaliação extremamente personalizada na relação professor-aluno e susceptível de grande subjectividade relativamente às exigências e aos objectivos da aprendizagem conduziu à introdução das chamadas “avaliações externas”, visando aferir os níveis de desempenho, não só entre vários alunos, mas também entre várias escolas. Estas avaliações externas são por natureza sumativas e restritivas, ou seja, realizam-se num determinado momento do trajecto educativo e cobrem apenas uma parte dos conhecimentos e competências adquiridos, de forma a avaliar se o nível de desempenho está de acordo com os objectivos da aprendizagem, podendo então ser ou não certificadas.
(…)
Porém, para além de aferir, as avaliações externas assumem outros efeitos. Em primeiro lugar, expressam um referencial a atingir que poderá funcionar como elemento adicional de motivação. Em segundo lugar, são um instrumento de regulação, especialmente quando estamos perante sistemas de ensino massificados que visam impor determinados padrões de qualidade de ensino.

Quando, após a Revolução do 25 de Abril de 1974, se suspenderam os exames nacionais, poucos pensaram de acordo com o que é um sistema de avaliação educacional em qualquer país do mundo. Os exames nacionais eram, aos olhos de muitos portugueses, um símbolo e um instrumento repressivo e selectivo do regime totalitário que acabara de ser derrubado. Tudo o que era avaliação externa ou de carácter sumativo foi sacrificado ao primado da “avaliação contínua”. Este foi um erro de consequências dramáticas para o sistema de ensino em Portugal, só equiparável à extinção dos cursos técnico-profissionais, porque pretensamente discriminavam socialmente os alunos.

Mas o mais grave foi ter-se prolongado o erro por quase duas décadas, mantendo-se ainda no presente algumas marcas desse erro. (…)

Trinta e cinco anos de indecisões e de debates ideológicos em torno de aspectos tão decisivos para a educação é tempo perdido em excesso.

Como é compreensível, os exames e testes não estão desprovidos de inconvenientes: a excessiva orientação das aprendizagens para “passar” no exame, o facto de incidirem apenas sobre uma parte das matérias e das competências ensinadas e desenvolvidas, a forma como são elaborados os testes não ser a mais adequada são argumentos atendíveis. Mas qualquer instrumento de avaliação não está isento de limitações que apenas se superam se tivermos uma visão integrada do processo de avaliação. Esses vários instrumentos completam-se e esclarecem-se mutuamente. Haja quem os queira utilizar de forma ponderada e sistemática.»

David Justino, Difícil é Educá-los (Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2010) 84-6.

Fotografias

“Fugas”
(WC no Museu Guggenheim, Bilbau, Abril 2009)
© Miguel Portugal

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Dar a pensar...

[Novas tecnologias e qualidade do ensino]

«De há muito que o fascínio pelas tecnologias influenciou as políticas educativas e as práticas pedagógicas. Basta lembrar o papel que a televisão teve no ensino à distância, a importância do vídeo no alargamento dos conteúdos didácticos, a máquina de calcular para a matemática e mais recentemente a importância do ensino assistido por computador, os projectores de imagem, os quadros interactivos ou a Internet para a diversificação dos instrumentos de trabalho e para o acesso a uma informação abundante susceptível de enriquecer qualquer aula em qualquer domínio do saber.

Esse fascínio, porém, raramente correspondeu aos resultados alcançados, especialmente no domínio da qualidade do ensino.

A investigação científica neste domínio não tem sido conclusiva relativamente aos ganhos de qualidade expressos em resultados de testes de avaliação. Reconhece-se que os alunos aprendem mais em menos tempo, demonstram atitudes mais favoráveis à aprendizagem, em especial nas experiências que exigem um elevado nível de raciocínio e de resolução de problemas, tendem a desenvolver práticas mais cooperativas, mas em todas estas situações verificou-se ser decisivo o papel do professor, especialmente o que beneficiou de formação ajustada ao tipo de ensino que praticava.

Há um ganho evidente na familiarização dessas novas tecnologias com as quais vai ter de lidar na sua vida futura. Contudo, as tecnologias não passam de instrumentos, sofisticados e atraentes, sem dúvida, mas tão-só instrumentos. Se o aluno não sabe estruturar um texto argumentativo, não há nenhum processador de texto que o ajude. Se não sabe interpretar o enunciado de um problema, não será a folha de cálculo que o fará. Se não sabe formular um problema, nenhum programa o ajudará a encontrar a melhor solução.

Quer isto dizer que o fascínio pela tecnologia pode rapidamente transformar-se numa ilusão, esta sim extremamente negativa para o processo educativo, se conduzir à desvalorização do que é fundamental, ou seja, o desenvolvimento de competências cognitivas, capacidade de raciocínio lógico, domínio das maneiras de pensar cientificamente conduzidas. Em síntese, saber pensar.
(…)
De pouco vale a tecnologia se ela não for utilizada para o desenvolvimento de processos educativos cada vez mais complexos. É pela educação que se chega à tecnologia e não o contrário. Por isso, torna-se decisivo pensar primeiro naquela e só depois nesta, sob risco de estarmos a criar novas ilusões, tão frustrantes quanto tantas que a antecederam.»

David Justino, Difícil é Educá-los (Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2010) 83-4.

quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

Acontece

Morreu Carlos Pinto Coelho. Vetusto e dinâmico jornalista, amante das artes e da cultura. Da informação. O seu ícone - Acontece -, foi talvez um dos mais importantes programas culturais de sempre da televisão em Portugal. Aconteceu.

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Dar a pensar...

[Sobre o lúdico no ensino]

«Hacerles creer que el trabajo es un juego es tan grave como hablarles de la cigüeña cuando preguntan de dónde vienen los niños. Si toda persona de sentido común sostiene que hay que informar sinceramente a un niño cuando se interesa por el sexo, o por el problema del alcohol, o por el de las drogas, no se entiende por qué se les ha de mentir cuando se les habla del trabajo, del estudio y del esfuerzo. Si es importante que sean conscientes lo más tempranamente posible de que son buenos los hábitos de hacer ejercicio cotidianamente, de tomar alimentos saludables, de prescindir del tabaco y de disfrutar moderadamente del alcohol, también es importante que sepan que el estudiar regularmente, estén o no motivados, es un hábito imprescindible. Un profesor que hurta a los alumnos esta información y que les habla de aprendizaje lúdico es tan irresponsable como si les dijera que el vino y el tabaco son buenos para el desarrollo de un adolescente. Unos harán caso a las buenas recomendaciones y otros no, del mismo modo que unos fumarán y otros no, pero es indispensable que quien se deteriora la salud fumando no pueda después quejarse de que no estaba informado. Todo el mundo tiene derecho a jugar con la salud propia, si quiere, y también con su propio futuro, pero los jóvenes han de saber a lo que están jugando y lo que se están jugando.

Es cierto que las materias se les pueden presentar a los alumnos de forma más o menos amena, pero esto es hacerles la disciplina más llevadera, no eximirles de la disciplina. Por otra parte, no hay más remedio que resignarse a que hay conocimientos indispensables, cuya utilidad es difícil de entender y cuyo atractivo es casi nulo. Es imposible que un niño comprenda la necesidad de comer verduras cuando existen los caramelos y las chocolatinas. Si le dejamos comer lo que quiera y a la hora que quiera, y esperamos a que entienda lo importante de una alimentación sana y regular para que coma saludable y regularmente, ya se habrá estropeado el estómago irreversiblemente. La comparación es pertinente: la inteligencia para aprender es muy temprana, pero la madurez necesaria para comprender lo importante que es aprender es muy tardía. Si esperamos a que tenga esta madurez para enseñarle, los mecanismos de aprendizaje se habrán deteriorado tanto como el estómago de un niño a quien se ha dejado comer lo que le apetecía cuando le apetecía. Por eso siempre es difícil enseñar. Si los alumnos son adultos quieren aprender (digamos, en la jerga a la moda, que están motivados), porque son maduros, pero les cuesta mucho hacerlo porque su capacidad de aprender ya no es lo que era. Si son niños, pueden aprender, pero no quieren porque su inmadurez les impide entender la necesidad de hacerlo.»

Ricardo Moreno Castillo, Panfleto Antipedagógico, pp. 10-11 in:
http://www.lsi.upc.edu/~conrado/docencia/panfleto-antipedagogico.pdf

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Leituras...

…de Dia Internacional dos Direitos Humanos, com Thomas Paine, Rights of Man (New York: Dover Publ., 1999), para recordar um momento crucial da história americana e do Ocidente democrático e um importante texto sobre os direitos humanos. A obra – de 1791 (parte um) e 1792 (parte dois) – colige alguns dos mais importantes panfletos na construção do que viria a ser uma das mais consolidadas e prósperas democracias do mundo – os Estados Unidos da América. Paine, num estilo escorreito e simples, aponta a razão contra aquilo que está mal – política, ética e pragmaticamente – no controlo inglês das colónias americanas.

No seu todo, a obra é uma resposta a todos quantos tentaram denegrir a Revolução Francesa – como foi o caso proeminente de Edmund Burke – e, por antonomásia, toda a revolução libertadora dos regimes monárquicos ditatoriais, bem como se apresenta como uma modular defesa da democracia («the vanity and presumption of governing beyond the grave is the most ridiculous and insolent of all tyrannies. Man has no property in man…»).

Sobretudo apelando aos direitos políticos, a obra não deixa de ser, porém, uma defesa coesa dos direitos humanos em geral, contra todo o tipo de coerção ilegítima, pois é o humano o critério último de toda a organização ética, moral e política – «society is in every state a blessing, but government, even in its best state, is but a necessary evil.»

(Nota em tempo de crise económica: preço - £3,00 U.K.; €3,68 na FNAC!)

Dar a pensar...

«Reason and Ignorance, the opposites of each others, influence the great bulk of mankind. If either of those can be rendered sufficiently extensive in a country, the machinery of Government goes easily on. Reason obeys itself; and Ignorance submits to whatever is dictated to it.

The modes of Government which prevail in the world, are, first, Government by election and representation; secondly, Government by hereditary succession. The former is generally known by the name of republic; the latter by that of monarchy and aristocracy.

Those two distinct and opposite forms, erects themselves on the two distinct and opposite bases of Reason and Ignorance. – As the exercise of Government requires talents and abilities, and as talents and abilities cannot have hereditary descent, it is evident that hereditary succession requires a belief from man, to wich his reason cannot subscribe, and wich can only be established upon his ignorance; and the more ignorant any country is, te better it is fitted for this species of Government.

On the contrary, Government in a well-constituted republic, requires no belief from man beyond what his reason can give. He sees the rationale of the whole system, its origin and its operation; and as it is best supported when best understood, the human faculties act with boldness, and acquire, under this form of Government, a gigantic manliness.»

Thomas Paine, The Rights of Man (New York: Dover Publ., 1999) 89.

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Os bons resultados do PISA

Os resultados do PISA 2009 foram ontem divulgados. Portugal subiu a prestação dos seus alunos na leitura, o principal item avaliado, relativamente a 2000. Isso é bom. Já não foi tão boa a reacção política do governo. A ME, Isabel Alçada, ainda procurou o politicamente correcto elogio aos professores, procurando cumprir a, agora impossível, missão de recuperação das boas relações entre governo e professores. José Sócrates não gosta de professores. É natural: os bons professores ensinam e fazem aprender, isto é, mobilizam para o esforço de verdadeira apreensão do saber e desenvolvimento de competências necessárias a usá-lo; os bons professores julgam, para avaliar, e avaliam para melhorar e aumentar o saber adquirido. (Não será por acaso que algumas das medidas educativas dos governos de Sócrates vão no sentido de desvalorizar o saber, a avaliação e a autoridade benigna dos professores e de promover a obtenção de diplomas obviando ao esforço de verdadeiramente saber!)

Para Sócrates, os factores que verdadeiramente terão determinado aqueles “excepcionais” resultados são as políticas educativas.

O cúmulo é colocar pelo meio do discurso a ideia tão contestada dos agrupamentos de escolas, como exemplo de uma medida que tenha contribuído para aquele sucesso. Impossível: os testes do PISA foram realizados em 2009 e a esmagadora maioria dos agrupamentos realizaram-se em Agosto/Setembro de 2010!

Depois, Sócrates comete um erro lógico-argumentativo mais subtil: como foram tomadas algumas medidas de política educativa antes da realização dos testes, então essas medidas são a causa dos bons resultados. Trata-se de um argumento que parece bom, mas não é. Os lógicos medievais chamaram-lhe argumento post hoc, ergo propter hoc, “depois disto, logo por causa disto”: já que isto aconteceu antes, então é a causa para o que aconteceu depois. Mas isto é uma falácia: pode ter acontecido antes, mas não ter necessariamente determinado o que aconteceu depois; uma sequência temporal não é necessariamente uma sequência causal.

É claro que foram tomadas medidas educativas positivas, designadamente o plano nacional de leitura, que podem estar por detrás destes bons resultados. Mas não podemos saber se foi esta, necessariamente, a medida determinante ou o único factor determinante; é mais plausível pensar num conjunto de factores que contribuíram e noutros (outras medidas educativas) que poderiam ter contribuído para resultados efectivamente bons. No próprio programa PISA se chama a atenção para os cuidados a ter quando se retiram conclusões: de facto, a partir dos dados fornecidos pelo PISA podem analisar-se as «potenciais influências» nas performances dos estudantes nos vários países. Mas, o próprio memorando afirma textualmente que o PISA «não pode delinear o trajecto individual de um estudante e não pode, portanto, estabelecer relações causais»; o que pode é comparar o grau de associação de vários factores em diferentes países com os sucessos educacionais (PISA brochure, p. 9, sublinhados meus).

Além das políticas educativas, outros factores podem ter sido determinantes ou até mais determinantes. O que de facto acontece é que, houve uma catadupa de medidas educativas pseudo-reformistas, nada enquadradas com um rumo, necessário, e muito menos explicadas e devidamente fundamentadas junto dos professores. Estes, tantas vezes, trabalham apesar do ME e do desnorte evidenciado nas medidas avulsas e a la carte, que ora vão num sentido ora noutro, ora avançam ora recuam. Os bons professores têm feito, nos últimos anos, entre outros, um esforço para continuarem a utilizar estratégias de ensino motivadoras, mas eficazes, para continuarem a fazer aprender uma população escolar que, no entanto, vive sob uma sociedade que reconhece muito pouco a determinante mais-valia da educação e que, portanto, actua de forma muito pouco eficaz para que os esforços de aprendizagem dêem resultados.

Por isso, o esforço dos professores (muito pouco articulado por políticas educativas produzidas de forma autista, pouco coerentes e pouco eficazes) é um factor a ter em conta, como sublinhou Isabel Alçada, na explicação destes bons resultados dos alunos portugueses em literacia da leitura, factor que não deveria ser menosprezado, como fez o PM, sob pena de se continuar a cavar o fosso entre o governo e os professores, principais actores no processo educativo.

Mas, mais. Se analisarmos os dados do PISA acerca da literacia da leitura (item principal avaliado), mais aprofundada e atentamente (o que nem sempre é feito), podemos encontrar pequenas subtilezas, mas importantes para uma análise mais rigorosa e que nos conduz a conclusões mais sustentadas.

Numa escala de 1 a 698 pontos, Portugal obteve uma classificação de 489, mais 19 pontos do que em 2000 (470), ano com o qual se deve estabelecer a comparação. Outros sete países tiveram bons resultados: Chile, Israel e Polónia e os parceiros Peru, Albânia, Indonésia e Lituânia (todos, mais 20 pontos). Os melhores continuam a ser:

Xangai (China) – 556 (parceiro)
Coreia – 539
Finlândia – 536 (2000-546; 2003-543; 2006-547 – quebra de 10 pontos)
Hong-Kong (China) – 533
Singapura – 526
Canadá – 524
Nova Zelândia – 521
Japão – 520
Austrália – 515
Holanda – 508
Bélgica – 506
Noruega – 503
Estónia e Suíça – 501
Polónia e Islândia – 500

(Apenas países acima dos 499)

A média da OCDE é agora de 493. Conclusão: embora perto, estamos ainda aquém da média da OCDE e, naturalmente, há ainda muitos países (e não apenas do norte da Europa!) bem melhores do que nós.

Depois, parece bom termo-nos aproximado de países como a Suécia (é sempre bom compararmo-nos com os grandes do norte da Europa!). Mas, na realidade, aproximamo-nos da Suécia, não tanto pelo nosso resultado ter sido excepcional, mas porque a Suécia também viu decrescer significativamente o seu resultado (menos 19 pontos), tal como a Irlanda (menos 31), a Austrália e República Checa (menos 13), todos eles, excepto a República Checa, à nossa frente! Conclusão: o nosso resultado não é ainda tão “excepcional” quanto isso.

Há, pois, que prosseguir, de preferência definindo e estabilizando políticas educativas a longo prazo e para além das várias legislaturas, recuperando a comunicação entre ME e professores, apostando numa formação inicial de professores de qualidade certificada, promovendo o reconhecimento social da educação e preparando-nos para uma verdadeira descentralização, com aumento responsável da autonomia das escolas e envolvimento responsável das autarquias e consequente diminuição do centralismo (financeira e mesmo, muitas vezes, pedagogicamente) nefasto do ME.

Fontes:

Dar a pensar...

[A propósito dos excessos da propaganda política demagógica]

«GÓRGIAS – (...) Supõe que um orador e um médico aparecem juntos numa cidade qualquer à tua escolha; se se travar uma discussão na assembleia do povo, ou em qualquer outra reunião, para decidir qual dos dois será eleito médico, eu declaro que o médico será ignorado e preferido o orador, se este assim quiser.

O mesmo se passaria em relação a qualquer outro profissional com quem o orador entrasse em competição: este último conseguirá ser escolhido porque não há assunto algum sobre o qual um homem que sabe retórica não possa falar diante de uma multidão de forma mais persuasiva que um homem de ofício, seja ele qual for. Aqui tens o que é a retórica e qual é o seu poder.
(…)
SÓCRATES – (...) És capaz, dizes tu, de ensinar a retórica a quem desejar aprendê-la contigo?

GÓRGIAS – Sou.

SÓCRATES – E de tal maneira que possa obter o assentimento de uma multidão numerosa sobre qualquer assunto, persuadindo-a sem a instruir?

GÓRGIAS – Perfeitamente.

SÓCRATES – Dizias há pouco que, mesmo em assuntos de saúde, o orador é mais persuasivo do que o médico.

GÓRGIAS – Com efeito, perante uma multidão.

SÓCRATES – Perante uma multidão quer dizer, sem dúvida, perante aqueles que não sabem? Porque, perante aqueles que sabem, é totalmente impossível que o orador seja mais persuasivo do que o médico.

GÓRGIAS – Tens razão.

SÓCRATES – Se ele é mais persuasivo do que o médico, será então mais persuasivo do que aquele que sabe?

GÓRGIAS – Absolutamente.

SÓCRATES – Sem ele próprio ser médico, não é verdade?

GÓRGIAS – Sim.

SÓCRATES – Aquele que não é médico ignora o que sabe o médico.

GÓRGIAS – Evidentemente.

SÓCRATES – Assim, quando o orador triunfa do médico, é um ignorante falando perante ignorantes que prevalece sobre o sábio? É exactamente isso que acontece ou é outra coisa?

GÓRGIAS – É isso, pelo menos neste caso.

SÓCRATES – Também em relação às outras artes, o orador e a retórica têm, sem dúvida, a mesma vantagem: a retórica não tem necessidade de conhecer a realidade das coisas, basta-lhe uma certa técnica de persuasão que ela inventou para parecer, perante os ignorantes, mais sábia do que os sábios.

GÓRGIAS – Não é uma maravilhosa facilidade, Sócrates, sem qualquer estudo das outras artes, graças unicamente a esta, poder estar à altura de todos os especialistas?»

Platão, Górgias 456b-c, 458e-459c.

No dia contra a corrupção

Foram hoje (Dia Internacional de Combate contra a Corrupção) divulgados na imprensa nacional os resultados do Barómetro Global da Corrupção 2010, uma sondagem mundial da Transparency International, que inquiriu mais de 91 mil pessoas em 86 países e territórios. Os resultados não surpreendem, neste mundo cada vez mais alheado de toda a reflexão ética (mínima que seja) prévia à acção e perfeitamente compatível com uma vida individual e colectiva moderna, despreconceituosa e autónoma:


Curiosa, mas valha-nos algumas ilhas salvíficas, é a percepção que os portugueses têm dos professores, militares e religiosos. Serão a educação, a defesa e a gestão da vida e da morte coisas demasiado sérias? Mas há outras áreas da acção humana colectiva (a política, a justiça) tão sérias como estas e, no entanto...!

Dar a pensar...

[Sobre o verdadeiro ensino para a igualdade]

«También se dirige este panfleto a todos los preocupados por lo políticamente correcto, a los que piensan que defender una enseñanza rigurosa, exigente y disciplinada no es de izquierdas. Las cosas son exactamente al revés. Una enseñanza presuntamente lúdica, donde no se inculca el hábito de estudio, se convierte en un aparcamiento para pobres, donde están entretenidos hasta que les llegue la hora de convertirse en mano de obra barata. Para que la igualdad de oportunidades sea efectiva, ha de haber una enseñanza en la que cada uno pueda demostrar su valía, su inteligencia y su capacidad de trabajo. Quien defienda lo contrario, está hurtando a los muchachos de origen modesto la única oportunidad que tienen de estudiar en serio y de competir en parecidas condiciones con los que proceden de familias más favorecidas.»

Ricardo Moreno Castillo, Panfleto Antipedagógico, pp. 2-3 in: http://www.lsi.upc.edu/~conrado/docencia/panfleto-antipedagogico.pdf

domingo, 5 de dezembro de 2010

Escrever bem sobre o mal

Um post bem delicioso este, elucidativo da mísera decadência em que vivemos. Sim, é sobre os abusos de poder de uma casta inferior de homens e mulheres a vegetarem à custa do bem público, quais parasitas vampirescos a extasiarem com os últimos estremeções, embora sem a mínima classe, que não fosse essa benesse da árdua "carreira" político-partidária de esmifrar erário público e angustiariam no dilema de ou morrerem à fome ou morrerem às suas próprias mãos. (Bom, isto, no fundo, é um falso dilema: sempre poderiam trabalhar!)

Vai continuar a ser bom ler estas coisas. (Isto até é divertido!)

Ave, César! Viva o socialismo!

O governo de José Sócrates, em desespero, com o sector financeiro do Estado à beira de um colapso, corta 5% dos salários dos funcionários públicos... portugueses.

Carlos César, qual magnânimo imperador do burgo, resolve abrir os cordões à bolsa - recheada, pelos vistos - dos contribuintes portugueses e atribui uma compensação remuneratória, em igual valor do retirado pelo governo liderado pelo companheiro socialista José Sócrates, aos 3.700 funcionários públicos dos Açores.

Como todos os açoreanos são portugueses e como a lei, a ser justamente aplicada, é para todos, então não se vê como possa haver uma excepção para estes portugueses especiais!

O despodurado imperador do socialismo insular, ainda tem o desplante de acusar Cavaco Silva de colocar os portugueses uns contra os outros. Mas quando alguém toma uma decisão que coloca em causa, de forma inequívoca, o princípio constitucionalmente consagrado da equidade, como é que se diz? Diz-se que coloca em causa o princípio constitucional da equidade. Carlos César, ele próprio e não Cavaco, coloca os portugueses do continente contra os dos Açores com esta sua medida descaradamente imoral, embora toda a gente perceba que quem está em questão é apenas e só um açoreano muito particular - Carlos César. (Nesta decisão, até conseguiu superar o seu excêntrico vizinho insular!)

Mas esteve bem Carlos César, quando explicou a sua medida inexplicável com a controversa mas sempre fácil bandeira socialista da discriminação positiva, pois, assim, acusa directamente José Sócrates de se ter esquecido dela! No meio de tanta incompetência, Carlos César esqueceu-se, no entanto, que justamente um corte percentual mantem as justas diferenças - apenas diminui, de igual modo, para todos, os salários. Pelos vistos, a concepção insular de "discriminação positiva" envolve uma imunidade matemática, estranha a qualquer sistema político moderno orientado por princípios de justiça, que permite ao cidadão que dela usufrui manter sempre o mesmo rendimento, independentemente da situação financeira do Estado em que vive!

É de se lhe tirar o chapéu. É caso para se dizer: ave, César! Ou então: viva o socialismo!, que em tempos era associado a ideias como a de igualdade. Isso eram outros tempos; agora é tempo de incompetências abstrusas, mesmo que disfarçadas, como esta, de discriminação positiva "a la carte" - dizem que é democracia!

Dar a pensar...

[Sobre uma refutação mais conservadora da “Educação Nova”]

«La llamada de atención se dirige a todos, pero en especial a los forjadores y entusiastas de una reforma educativa que, en un tiempo record, ha conseguido que la cultura de los alumnos baje hasta niveles alarmantes, que la mala educación en la vida cotidiana de los centros suba hasta cotas vergonzosas, y que los profesores estén más hartos, deprimidos y desesperados que nunca. Sus defensores dicen que, con todos sus defectos, gracias a ella se ha conseguido la educación para todos. Esto es rigurosamente falso. En una clase en la que cada uno hace lo que quiere, porque la administración no respalda la autoridad del profesor y al mismo tiempo protege al alumno que conculca el derecho de aprender de los demás, no se está impartiendo educación, se esta repartiendo basura. [Se] dice (…) que se han de fomentar los comportamientos democráticos. ¿Qué clase de comportamiento democrático es éste, en el que una minoría de alborotadores puede imponer impunemente su ley a los demás? Tampoco ha conseguido, como suele decirse, una educación igualitaria, porque cuando la enseñanza pública se degrada hasta tales extremos, salen ganando los que pueden pagarse un colegio privado. Mucho menos es cierto que los nuevos problemas que se plantean al educador son debidos a una evolución social que ha gestado una juventud más conflictiva. No, si los jóvenes son más díscolos y apáticos que nunca, no es debido a ningún cambio social, es el resultado de una educación equivocada. Se argumenta que hoy los hijos lo tienen todo, y por ello no valoran el trabajo que cuestan las cosas. Es posible que esto sea así, pero la prosperidad no ha suprimido la palabra “no” del idioma, de modo que si los hijos lo tienen todo es debido a la desorientación de los padres, que no se han enterado de lo sano que es decir “no” de cuando en cuando. También se dice que las familias separadas crean problemas que no existían antes. Es cierto, pero los padres que se separan lo hacen porque dejan de quererse, o porque la convivencia es imposible. En cualquiera de ambos casos, no es seguro que el hijo salga perdiendo con la separación. Otra novedad es que los padres están mucho tiempo ausentes. Pues razón de más para aprovechar el poco tiempo que pasan con los hijos para inculcarles algunos modales. Enseñarles a pedir las cosas por favor y a dar las gracias, a llamar a una puerta antes de entrar, a sonarse los mocos en lugar de sorberlos, y a ceder el asiento a las personas mayores en los lugares públicos, no requiere tantas horas de dedicación.»

Ricardo Moreno Castillo, Panfleto Antipedagógico, pp. 1-2 in: http://www.lsi.upc.edu/~conrado/docencia/panfleto-antipedagogico.pdf

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Nevão político

(Pedestre passa por carros cobertos de neve
em Estocolmo, na Suécia. Daqui)
Desde segunda feira, que a neve começou a cair abundantemente, sobretudo no norte e centro do país, obrigando ao corte de estradas, dificultando a deslocação para os locais de trabalho e quase "paralisando" alguns sectores do país.

Há condições objectivas para que muitas pessoas tenham ficado em casa - de facto, muitas estradas, sobretudo secundárias, terão ficado intrasitáveis ou, pelo menos, sem condições para, por exemplo, a circulação de transportes escolares. Mas também há condições subjectivas para muitas pessoas tentarem "fazer gazeta" - ainda vamos sendo, contra todas as evidências que obrigariam, sobretudo agora, a um maior empenho, um povo bastante dado a procurar fugir ao trabalho. (Aqueles cujas empresas dependem mesmo do seu trabalho, sob pena de serem despedidos, esses naturalmente têm que fazer um esforço!)

As mentalidades são difícies de mudar. Mas ajudaria se as condições objectivas fossem alteradas. E isso é possível. As autarquias cujas populações têm sido mais afectadas por estas condições climatéricas, recorrentes nos últimos anos, têm que começar a pensar seriamente em apetrechar-se com meios eficazes de limpeza das estradas. O Estado sempre pode trocar alguns daqueles "blindados atrasados", por veículos limpa-neves. As autarquias, além disso, podem fazer, por exemplo, contratos de prestação de serviços sazonais com privados, que, por essas aldeias fora, tenham as adaptações necessárias (fornecidas pelas autarquias), para adaptarem aos seus tractores e outras máquinas pesadas e, assim, poderem limpar, prontamente, as principais estradas. (Não esquecer a formação prévia, claro.)

Como viverão os países mais ricos do norte da Europa, com estas adversidades geladas?!

Ideias e empenho de todos, precisam-se. Continuar à espera de um nevão para não ir trabalhar é que não pode ser mais. Isso seria uma atitude terceiro-mundista e nós... bem, nós cá estamos na cauda da Europa!

quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Dar a pensar...

[Sobre formação, recrutamento e desempenho de professores]

«Os professores têm um papel central nos processos de aprendizagem: são eles que ensinam e terão de ser eles a fazer aprender. Quando minimizam este papel, dificilmente poderão assumir-se como professores. Por isso, uma parte significativa da qualidade do ensino está dependente da qualidade do seu desempenho e da sua competência.

Até há bem pouco tempo não havia nenhum sistema que nos permitisse avaliar o desempenho dos docentes, a sua qualidade profissional, o valor do seu contributo para a concretização da missão central da escola. Duvido que tal sistema já exista e que permita reconhecer o mérito dos melhores, valorizar o trabalho dos que são apenas bons e afastar aqueles que, por razões objectivas, não podem continuar a exercer a profissão de professor.

O défice de avaliação de desempenho docente e claramente uma das causas do défice da qualidade da educação em Portugal.

O Estado de há muito prescindiu do direito de seleccionar os candidatos à docência. O argumento que é correntemente aduzido para justificar a situação baseia-se no facto de ser o próprio Estado o responsável pela formação inicial dos professores, o que desde logo os certifica. Estamos perante uma meia-verdade. O facto de uma grande parte dos candidatos a professores provir de estabelecimentos públicos do ensino superior não apaga o facto de esses estabelecimentos possuírem autonomia científica e pedagógica, o mesmo se aplicando aos estabelecimentos de ensino privado que também formam professores. A qualidade dos seus formandos nunca foi certificada.

Nos finais da década de 90, lançou-se o sistema de acreditação dos cursos de formação de professores e educadores, mas o resultado deste esforço meritório foi uma acreditação generalizada de todos os cursos. A competição desenfreada entre estabelecimentos de ensino superior, visando captar mais e mais alunos, resultou na redução dos níveis de exigência e da qualidade da formação, bem como na mais que esperada inflação das classificações de curso de forma a beneficiar os seus alunos em detrimento dos da “concorrência”. Se o único critério de admissão à docência era a classificação de curso, não será de estranhar os estratagemas a que recorreram para que fossem beneficiados os “seus” candidatos.

Mais eficaz tem sido o sistema de certificação profissional adoptado por vários países, assente em provas individuais de acesso e em processos extremamente rigorosos de avaliação de estágios profissionalizantes.

O processo de recrutamento dos professores, bem como de progressão na carreira docente, é claramente uma pedra de toque de um dos mais importantes pilares da qualificação do ensino em Portugal. As tensões corporativas que marcaram as lutas dos professores nos últimos anos poderão ter como consequência ficar tudo na mesma sem que alguém se atreva a “mexer” no assunto, sob risco de fazer desmoronar o pouco que ainda ficou de pé.

Felizmente, ainda há um vasto grupo de professores que sustenta as escolas e o sistema de ensino através do seu profissionalismo, dedicação e brio. A não ser isso, difícil seria imaginar o estado a que estaríamos condenados.

Objectivamente, nada nos ajuda a responder à questão: qual o valor de um bom professor no sucesso de um aluno? E qual o contributo de um mau professor para o insucesso? As escolas e os alunos sabem, caso a caso, quem são os melhores. Impossível será estimar, de forma rigorosa e objectiva, quanto é que eles representam no conjunto do corpo docente e qual o potencial de qualificação que poderiam representar para o ensino em Portugal.»

David Justino, Difícil é Educá-los (Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2010) 81-2.

domingo, 28 de novembro de 2010

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Dar a pensar...

[3.º ciclo]

«Quem conheça a estrutura curricular do 3.º ciclo em Portugal decerto perceberá o impacto que provoca em qualquer aluno. Basta para o efeito consultar os horários de qualquer escola e a lista de professores afectos a cada uma das disciplinas ou áreas curriculares para se perceber como as 27 horas lectivas se distribuem por cerca de 15 ou 16 componentes, a que poderão corresponder outros tantos docentes. Depois de olhar bem para os horários e para a forma como se distribuem tempos e meios tempos, ao longo do dia, não será difícil ficar surpreendido com o facto de a maioria dos alunos conseguir ter sucesso.

Ouso dizer que os autores desta organização curricular devem ter pensado em tudo, menos nos alunos e qualidade das aprendizagens. A dispersão curricular, as cargas horárias mal distribuídas, a quantidade de docentes e a consequente dificuldade de articular e integrar tudo isto convergem no princípio de ensinar mal um pouco de tudo, quando seria preferível ensinar bem o que é fundamental.

Esse mesmo princípio conduz à desvalorização do que considero serem saberes axiais e estruturantes das aprendizagens: o Português e a Matemática. A ideia de que todas as disciplinas devem ter, especialmente nesta fase dos trajectos educativos, a mesma carga horária (ou muito próximo disso) é a revelação de que tudo parece estar feito para se ter insucesso escolar.

Para percebermos melhor este problema, elaborámos um quadro com a distribuição percentual dos tempos curriculares afectos a cada uma das matérias leccionadas, comparando, para dois momentos do trajecto escolar, a distribuição média dos países da OCDE.»

 

David Justino, Difícil é Educá-los (Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2010) 77-8.

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Greve de protesto - ponto final, parágrafo

Um dos desabafos que mais ecoam sempre que se avizinha uma greve é a de que aderir a ela não trará as alterações à realidade política que se espera. Se acrescentarmos o argumento económico de que uma greve geral, com uma ampla adesão, como a que decorre hoje, traz avultados prejuízos para o país (estima-se em 500 milhões de euros) e aderir a uma greve geral parece um sacrilégio irresponsável.

Parece. Mas talvez não seja. Se esta greve traz prejuízos económicos para o país, é bom lembrar que ela se fará, sobretudo, como acto de protesto colectivo contra, precisamente, os prejuízos económicos, financeiros e sociais provocados por políticas erradas, durante demasiado tempo, principalmente por estes últimos governos, que acrescentaram a perfídia da ilusão e engrossaram o aproveitamento pessoal da situação de hegemonia de poder.

O mesmo vale para o facto de a greve, por si mesma, não fazer reverter a situação: ela serve para mostrar o descontentamento massivo e decisivo face aos reiterados erros políticos. Serve para marcar um decisivo ponto final, com mudança de parágrafo.

Não é uma greve ideológica -- dos "trabalhadores", dos oprimidos e excluídos do sistema capitalista, bode expiatório de todos os males. Não. É uma greve democrática, de protesto -- de todos quantos compreendem a necessidade de mudanças políticas estruturais urgentes. Depois, há que recomeçar, com verdade, empenho, competência e esforço -- de todos.

terça-feira, 23 de novembro de 2010

Custos da greve... e das más políticas?

Estima-se que, se metade dos trabalhadores aderirem à greve geral de amanhã, isso terá um impacto negativo para a economia portuguesa de cerca de 280 milhões de euros. Qual terá sido o real impacto negativo para a economia do país, se tivermos em conta apenas metade dos erros políticos e técnicos cometidos pelos nossos governantes na última meia dúzia de anos?

segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Dar a pensar...


[Sobre o 1.º e 2.º ciclos do ensino básico]

[2.]

Em segundo lugar, esses estudos, nomeadamente os baseados nos resultados dos testes e provas de aferição nacionais, revelam ainda algumas surpresas. Por exemplo, os resultados dos alunos do 6.º ano são geralmente piores que os do 4.º ano. Será que os alunos perdem competências na passagem do 1.º para o 2.º ciclo? Ou será que essa transição não é acompanhada de uma melhor articulação de conteúdos e de procedimentos entre os vários saberes? Será ainda que os conhecimentos e competências adquiridos no 1.º ciclo não são suficientemente consolidados para que os alunos possam enfrentar os desafios mais complexos que os anos seguintes vão trazer?

A nível macro, que respeita à forma como se organiza o ensino, o 2.º ciclo sempre foi um dos pontos de tensão do sistema de ensino português, desde o velho “complementar” até ao “ciclo preparatório”, acabando por transferir essa tensão para a Reforma de 1986 com a introdução do actual “ensino básico” de nove anos. Coincidindo com o período da pré-adolescência, trata-se de uma transição crítica nos trajectos escolares que não tem sido gerida da melhor forma.

Ao nível intermédio, a organização das escolas, separando as escolas do 1.º ciclo das EB23, obriga a uma transição de ambiente escolar e de estrutura curricular para as quais os alunos não estão devidamente preparados e capacitados.

A nível micro, relativo aos processos de aprendizagem, é conhecido o facto de algumas competências fundamentais, quer na língua materna quer na matemática, precisarem da continuidade dos processos e de ambientes de aprendizagem estáveis para se consolidarem.

É por estas razões que há muito defendo um ensino primário de seis anos de forma a assegurar essa consolidação e a fazer coincidir os problemas da transição escolar para o período de entrada da adolescência. Lembre-se que o início antecipado da escolarização dos alunos no 1.º ciclo (a partir dos 6 anos e muitos ainda com 5) é uma razão adicional para repensar o tal ciclo primário de seis anos. Não é por acaso que em muitos países europeus se continua a limitar o acesso das crianças à escola primária até aos 7 anos, considerada a idade adequada.

Poderemos, assim, estar perante uma clara inadequação entre o que se pretende ensinar e o que é possível aprender.»

David Justino, Difícil é Educá-los (Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2010) 75-6.

Fotografias


“Fluxus”
(Armação de Pêra, Agosto 2010)
© Miguel Portugal


sexta-feira, 19 de novembro de 2010

Dar a pensar...

[Sobre o 1.º e 2.º ciclos do ensino básico]
[1.]

«Os relatórios nacionais que foram elaborados pelo Gabinete de Avaliação Educacional da Ministério da Educação sobre os resultados dos estudos PISA e sobre as provas de aferição aos 4.º, 6.º e 9.º anos de escolaridade constituem um bom manancial de informação sobre a qualidade das aprendizagens, os seus problemas e as suas limitações. (…)

Em primeiro lugar (…) todos os resultados revelam que os alunos portugueses conseguem melhores resultados nos itens que testam os conhecimentos adquiridos, no domínio de procedimentos e na compreensão dos conceitos utilizados [saberes que exigem menor elaboração cognitiva]. Pelo contrário, as dificuldades surgem na compreensão de textos não narrativos, na interpretação e resolução de problemas matemáticos e na capacidade de raciocínio complexo, desde a análise à síntese ou ao raciocínio inferencial [retirar uma conclusão a partir de observações ou a partir de premissas]. (…) A capacidade de abstracção é claramente mais reduzida.

Não estamos, assim, perante dificuldades decorrentes da aquisição de conhecimentos, mas antes da capacidade de saber pensar os problemas que são colocados, especialmente os que não seguem a rotina das aprendizagens.»

[Continua]

David Justino, Difícil é Educá-los (Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2010) 74-5.

quinta-feira, 18 de novembro de 2010

Dia Mundial da Filosofia

(Visite a página da UNESCO)
O Dia Mundial da Filosofia é uma iniciativa da UNESCO, que se comemora desde 2002. Inscreve-se numa estratégia geral deste organismo da ONU de valorização daquela área do saber: «to reaffirm the true value of philosophy, that is to say the establishment of dialogue that must never cease when it comes to essential matters, and of thought which gives us back a large part of human dignity whatever our condition.» E, em particular, numa estratégia de procurar persuadir os estados a introduzirem ou alargarem o ensino da filosofia a todo o ensino secundário.

Aprender filosofia permite aumentar a consciência de mundo dos jovens, futuros adultos, desenvolver a capacidade especulativa (pensar sobre o possível) e, portanto, a criatividade – um dos motores da evolução civilizacional, sobremaneira em tempos de crise. Mas permite também desenvolver competências que podem ser usadas na vida com outros. É essa também a convicção daquela organização, ao salientar o vínculo entre filosofia e democracia e filosofia e cidadania, já que aprender filosofia permite desenvolver as capacidades de análise, de problematização e reflexão crítica, de utilização rigorosa de conceitos, de argumentação e exposição clara de ideias – capacidades que fazem da filosofia uma área do saber que também pode ser útil para a vida com outros no seio de exigentes sociedades democráticas, com problemas complexos a pedir soluções complexas.

Em Portugal, há muito que o ensino da filosofia faz parte integrante do curriculum do ensino secundário, tomando parte da formação geral dos alunos do 10.º e 11.º ano. Neste particular, podemos dizê-lo, estamos à frente da maioria dos países do mundo! De facto, desde 1791, no contexto da Reforma Pombalina, começou a ensinar-se filosofia naquilo que hoje designamos por ensino secundário, tradição apenas abalada em 1903 e 1904, em que houve propostas de abolição da disciplina do curriculum do ensino secundário.
A comemoração deste dia faz sentido, também em Portugal, no quadro desta tradição, no intuito de a reforçar: cabe ao Ministério da Educação uma responsabilidade acrescida, em termos legislativos, mas também no que toca, por exemplo, a uma rigorosa e adequada arquitectura de uma (agora novamente) projectada avaliação externa, extremamente importante para aumentar a relevância desta área do saber, potenciando o empenho de alunos e professores; cabe às Universidades uma preocupação continuada com a formação inicial de professores (filosófica e didáctica); cabe sempre o papel determinante (sobretudo, ao nível motivacional, deontológico-profissional e da formação contínua) àqueles que constituem o rosto da filosofia junto dos jovens – os professores.

Para compreender a política

«A filosofia política pode tentar acalmar a nossa raiva e frustração contra a sociedade e a sua história mostrando-nos como as suas instituições, quando propriamente entendidas de um ponto de vista filosófico, são racionais e se desenvolveram ao longo do tempo da maneira como o fizeram para atingir a sua forma racional actual.»
(John Rawls)

Dar a pensar...

«Considerem-se os grandes filósofos: Platão, Aristóteles, Descartes, Locke, Hume e Kant, por exemplo. Se pensássemos que não mereciam ser lidos, quem mereceria? Mas porque é que os lemos? Será porque provaram ou estabeleceram resultados sólidos? Nas palavras do falecido Berton Dreben, filósofo de Harvard muito influente apesar de ter publicado muito pouco: “Pensem em Leibniz. Talvez o homem mais inteligente que alguma vez viveu. Mas quanto do seu trabalho filosófico correspondia à verdade? Quanto é que faz sequer sentido?”. Dreben descreve a seguir a Fenomenologia do Espírito de Hegel como “talvez a maior realização e a maior loucura do homem”.

O que quero dizer é que valorizamos o trabalho dos maiores filósofos pela sua força, rigor, profundidade, capacidade inventiva, perspicácia, originalidade, visão sistemática e, sem dúvida, por outras virtudes ainda. A verdade, ou pelo menos toda a verdade e nada mais que a verdade, parece vir lá bem para o fim da lista. Mas temos de ser cuidadosos. As obras dos grandes filósofos só poderiam ter sido criadas se os seus autores acreditassem apaixonadamente que tinham acabado de descobrir a verdade, ou que estavam prestes a fazê-lo. A busca determinada da verdade está no centro de toda a grande filosofia. O valor das obras resultantes, todavia, não depende de esta meta ter sido ou não realmente atingida. Dito cruamente, há coisas muito mais interessantes do que a verdade.»

Jonathan Wolff, Porquê Ler Marx Hoje?, trad. port. Joana e Francisco Frazão (Lisboa: Cotovia, 2003) 115-6.

terça-feira, 16 de novembro de 2010

Dar a pensar...

[Sobre qualidade da educação e importância do reconhecimento social]

«Ao que parece, os países socialistas da Europa de Leste haviam conseguido, num curto período de duas a três décadas, formar as novas gerações combinando mais e melhor educação para todos, como poucos, muito poucos, países ocidentais haviam conseguido.

Esta é uma das excepções frequentemente invocadas para contrariar a regra do difícil equilíbrio entre mais e melhor educação, mas não a única. À tentação de associar esse sucesso educativo com a natureza dos regimes políticos vigentes nos países do Leste até final da década de 80, nomeadamente a sua dimensão totalitária assente na capacidade coerciva do Estado perante a limitada liberdade dos cidadãos, contrapõe-se a experiência dos países do Norte da Europa, com especial destaque para a Finlândia, a Holanda, a Dinamarca ou o mais recente desempenho dos sistemas educativos dos chamados Tigres Asiáticos, que viram os seus elevados desempenhos escolares reconhecidos pelos estudos internacionais (TIMSS, PISA).

Tratando-se de regimes políticos claramente divergentes dos antigos países do Bloco Soviético, conseguem apresentar desempenhos educativos bem superiores aos que conseguiram manter aquele legado, tal como ao revelado pela maior parte dos países ocidentais mais ricos e com maior nível de desenvolvimento dos respectivos sistemas educativos.

O que parece ressaltar destas segundas excepções é o facto de se tratar de sociedades em que a educação está associada a um elevado reconhecimento social. Nuns conta a tradição e a cultura protestante, noutros o legado cultural do confucionismo que confere aos letrados e à educação um elevado valor social. Em ambos distinguem-se sistemas de autoridade e de disciplina extremamente rigorosos e eficazes, associados a um valor acrescido do mérito nos mecanismos de ascensão social.

Nestes países, o princípio de equidade, mais do que um objectivo que orienta a missão da escola, é uma consequência de um sistema de valores que elege o trabalho, a disciplina e a exigência como referências fundamentais da escolarização.»

David Justino, Difícil é Educá-los (Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2010) 36-7.

Fotografias

“Queda de água”
(Valença, Fevereiro 2010)
© Miguel Portugal

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

A teoria da ajuda

Luís Amado, entre outros aflitos, quer a ajuda do PSD para um governo de coligação. Coisa apenas possível – como ele e muitos outros dentro do PS sabem muito bem – sem a presença de Sócrates. Teria que se ir embora e para bem longe.

Seria ridículo pensar que o PSD, única alternativa minimamente decente, fosse entrar no atoleiro governativo deste PS e afundar-se com ele no desgoverno do país. Se Sócrates e os seus acólitos têm passado estes últimos anos numa governação ilusionista e depauperadora do futuro dos portugueses, cometendo erros (políticos e não políticos) atrás de erros, nada melhor para a sua sobrevivência futura, como partido do arco do poder, do que continuar a iludir, agora com a ajuda do maior partido da oposição, para depois conseguir partilhar e mesmo diluir responsabilidades.

O PS vai mesmo cair nas ruas da amargura nos próximos anos, pois Sócrates não sairá tão facilmente, dado que nem pode permitir que se descubram mais maleitas, nem tem para onde ir. E o PSD de Passos Coelho estará plenamente consciente que só irá para o poder pela mão dos eleitores.

E o país? Parece que a situação exige um compromisso para executar (e não apenas aprovar) este e outros orçamentos austeros. Mas quem disse que isso não possa ou deva ser feito pelo partido eleito democraticamente para governar?

Esta teoria da ajuda – anda cá ajudar o que eu, irresponsavelmente, estraguei durante estes anos! – é tão perniciosa quanto subtil, pois cria a ideia de que é uma inevitabilidade para o país, quando é apenas uma tábua de salvação para um partido político que tem passado os últimos anos a oferecer, escandalosamente, favores e a aumentar o seu poder (político e económico), em lugar de governar o país com seriedade e verdade.

O país ganhará, pois, muito mais com uma clarificação democrática, no devido tempo. Afinal, espera-nos trabalho árduo para reorganizar a casa, o que terá que ser feito com rigor, clarividência e a salvo de outros interesses meramente partidários e pessoais de gente excêntrica com pouca paciência para uma democracia exigente e sem vontade de trabalhar com mérito para o bem público.

sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Leituras…

…de David Justino, Difícil é Educá-los (Lisboa, Fundação Francisco Manuel dos Santos 2010), obra-síntese sobre os principais problemas sócio-políticos da educação em Portugal, com dados sociológicos, históricos, filosóficos e políticos é mais um opúsculo daquela fundação no intuito de conhecer e pensar o país, desiderato tão necessário em tempos de crise tão acentuada.

Começando com um diagnóstico do atraso da educação em Portugal, avança depois para os problemas da interacção qualidade/quantidade em educação, o problema da equidade social (causa ou efeito da educação?), as finalidades da educação e o papel do estado na educação de cidadãos livres.

Sempre com a ajuda de dados empíricos fornecidos por estudos nacionais e internacionais, o sociólogo David Justino – ex-Ministro da Educação no XV Governo Constitucional (2002-2004) – defende claramente, entre outras, as seguintes teses:

1. o atraso na educação em Portugal deve-se a uma incapacidade, profunda e enraizada na sociedade, de nos educarmos mais e melhor;

2. tal atraso apenas se ultrapassa com a «devolução das escolas às comunidades locais, diversificação e descentralização competitiva» (p. 118), frisando a importância do reconhecimento social da educação, a descentralização e autonomia maior das escolas e a liberalização das políticas de gestão escolar, que recuariam o Ministério da Educação para a sua verdadeira função, a de financiamento, concepção do curriculum mínimo nacional, definição de padrões de referência das aprendizagens, avaliação externa, inspecção, auditoria e processo legislativo inerente;

3. é necessário apostar verdadeiramente na formação de base, concedendo mais tempo lectivo para as disciplinas axiais (matemática e língua portuguesa), num 1.º ciclo de seis anos, que obviaria aos problemas (causadores de insucesso) da transição do actual 1.º ciclo para o 2.º, quando os pré-adolescentes, como comprovam os estudos, beneficiariam de maior estabilidade (mono-docência) até ao início da adolescência, para aí, sim, mudarem de escola e passarem a ter mais professores;

4. menos dispersão disciplinar no actual excessivamente complexo (em termos curriculares) 3.º ciclo e mais concentração de meios nas disciplinas mais importantes…

Chama a atenção para o mau contributo das tendências românticas na pedagogia contemporânea, ao não terem visto que não é a maior equidade social que trará maior qualidade ao ensino, mas precisamente o inverso; a melhor forma de atingir a (por todos) querida qualidade do ensino «não será “descer” ao aluno, mas fazê-lo “subir” a um nível superior de capacidade intelectual» (p. 90); de caminho, denuncia os nefastos tiques modais do “eduquês”, como o “aprender brincando”, a ilusão tecnológica ou o pseudo-sucesso (meramente estatístico) para todos.

Sem peias, aponta também como aspectos negativos: o recuo das autarquias quando se trata de assumir responsabilidades políticas em matérias educativas; o corporativismo e conservadorismo dos professores (sempre avessos, desde sempre, a qualquer mudança, embora hoje cada vez mais fustigados por mudanças constantes, mal arquitectadas e pior explicadas); a influência desmedida e prejudicial dos sindicatos, que se centram em aspectos excessivamente laborais e não necessariamente pedagógicos e organizacionais, o que tende a conduzir qualquer mudança reformadora ao fracasso; ou a excessiva mediatização dos aspectos educativos, que prejudica mais do que ajuda a solucionar os problemas estruturais do nosso sistema.

Não se compromete muito sobre dois temas políticos “quentes” – carreira e avaliação de desempenho docente. Mas afirma claramente a extrema importância desta última e revela a sua total descrença face ao actual sistema:

«Duvido que tal sistema [de avaliação de desempenho docente] já exista e que permita reconhecer o mérito dos melhores, valorizar o trabalho dos que são apenas bons e afastar aqueles que, por razões objectivas, não podem continuar a exercer a profissão de professor.

O défice de avaliação do desempenho docente é claramente uma das causas do défice da qualidade da educação em Portugal, em especial do ensino público.» (p. 81)

Pequena obra, mas bem informada, de raro desinteressado rigor e minimamente orientada para soluções; por isso, tamanha de importância, em sector tão desnorteado quanto determinante para o futuro de Portugal e dos portugueses que nele resistirem. De leitura obrigatória para todos: professores, pais, autarcas, deputados – crentes, críticos e desavindos. Basta saber ler… E, claro está, pensar um pouco, de forma responsável e consequente.

quinta-feira, 11 de novembro de 2010

Fotografias

“Traços”
(Mirandela, Outubro 2009)
© Miguel Portugal

“Encandescência”
(Mirandela, Novembro 2010)
© Miguel Portugal

domingo, 7 de novembro de 2010

Dar a pensar...

[Sobre quantidade e qualidade na educação]

«No mundo de hoje, a organização dos sistemas nacionais de ensino não apresenta diferenças relevantes. A começar no papel do Estado, passando pela organização dos ciclos de ensino e das práticas escolares, para chegar às próprias políticas educativas. Pouco, muito pouco consegue fugir aos padrões internacionais. O conjunto de saberes que ocupam o fundamental do processo de aprendizagem é igualmente muito semelhante: língua materna, língua estrangeira, ciências, matemática, geografia, história, etc. (…).

O que faz a diferença é cada vez mais a qualidade das aprendizagens, a forma como se ensina e se aprende em contexto de sala de aula, o nível de qualificação dos pais e dos professores, o ambiente social e cultural em que as crianças crescem, a eficácia dos valores sociais, as expectativas de todos face ao futuro e o sistema de oportunidades que a sociedade tem ou não tem a capacidade de criar.

Nesta perspectiva e em primeiro lugar, a qualidade da educação tende a expressar-se pela forma como o sistema de ensino (…) consegue responder aos desafios com que é confrontado, à prossecução dos objectivos que a sociedade previamente define e à capacidade de mobilização dos actores e das instituições para o sucesso da missão.

Em segundo lugar, expressa-se através das capacidades desenvolvidas nos alunos, dos conhecimentos adquiridos às maneiras de pensar, da forma como resolvem problemas complexos às condutas evidenciadas no relacionamento com os outros, enfim, na maneira como revelam o seu grau de preparação para entrar na vida activa e para nela obterem sucesso pessoal e colectivo.

E como se avalia essa qualidade de educação? Como sabemos se melhorámos e progredimos ou, pelo contrário, regredimos? Só há uma forma: pelos resultados obtidos relativamente aos objectivos propostos e pela sua comparação com idênticos resultados obtidos noutros países em circunstâncias similares.

De que serve ter mais educação se tal não se reflectir numa capacidade das novas gerações para enfrentar os problemas profissionais, sociais e culturais de um país? De que serve ter uma população cada vez mais escolarizada se esta não possuir as competências indispensáveis ao desenvolvimento das actividades estruturantes da vida colectiva?»

David Justino, Difícil é Educá-los (Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2010) 33-4.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

Leituras...

... de Maria do Carmo Vieira, O Ensino do Português (Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2010), na qual a autora coloca a nu as fragilidades pedagógicas das últimas reformas no sistema de ensino e as suas nefastas consequências para todos os alunos.

Reformas que começaram por - mal, na opinião da autora - destruir, de forma acrítica, tudo o que se relacionasse com a ditadura, se prolongaram com «a entrada em cena de teorias pedagógicas, decorrentes das Ciências da Educação, já contestadas e analisadas nos seus efeitos nefastos, nos anos 50 e 60 nos EUA» (p. 104), se fortaleceram com o programa "Educação e Formação 2010" elaborado pela Direcção-Geral de Educação e Cultura da Comissão Europeia e que o nosso sapiente ME facilmente abraçou.

Tais reformas introduziram no ensino do Português uma desvalorização crescente da literatura e cultura da língua em favor de aprendizagens superficiais: como ridigir um email, preencher um documento impresso e analisar textos jornalísticos. Acresce a banalização e quase supressão da avaliação e concomitante florescimento de procedimentos avaliativos infantis e infantilizantes. E para rematar, um profundo desvalorizar da formação científica de todos os professores, apostando o nosso ME em formação exclusivamente pedagógica, minada esta que está por aquelas "novas" pedagogias, embora já "envelhecidas" pela análisa crítica, objectiva, designadamente nos EUA.

A autora aponta como solução uma sólida e necessariamente mais exigente formação científica inicial e contínua, principalmente no (tão fulcral para todo o sistema) ensino básico, programas adequados às exigências crescentes de cada nivel de ensino e que valorizem os conteúdos para assim «devolver à escola a sua função historica de espaço de conhecimento, de cultura e de formação, fruto de um trabalho contínuo e empenhado de múltiplas gerações que a inércia não pode interromper» (p. 105).

Útil não só para professores de Português e outros professores, mas também para o público em geral, que queira começar a perceber exactamente o que se passa com o ensino dos seus filhos, que futuro lhes proporcionará efectivamente esta "escola" e que alternativas benfazejas existem.