quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Dar a pensar...

[Sobre formação, recrutamento e desempenho de professores]

«Os professores têm um papel central nos processos de aprendizagem: são eles que ensinam e terão de ser eles a fazer aprender. Quando minimizam este papel, dificilmente poderão assumir-se como professores. Por isso, uma parte significativa da qualidade do ensino está dependente da qualidade do seu desempenho e da sua competência.

Até há bem pouco tempo não havia nenhum sistema que nos permitisse avaliar o desempenho dos docentes, a sua qualidade profissional, o valor do seu contributo para a concretização da missão central da escola. Duvido que tal sistema já exista e que permita reconhecer o mérito dos melhores, valorizar o trabalho dos que são apenas bons e afastar aqueles que, por razões objectivas, não podem continuar a exercer a profissão de professor.

O défice de avaliação de desempenho docente e claramente uma das causas do défice da qualidade da educação em Portugal.

O Estado de há muito prescindiu do direito de seleccionar os candidatos à docência. O argumento que é correntemente aduzido para justificar a situação baseia-se no facto de ser o próprio Estado o responsável pela formação inicial dos professores, o que desde logo os certifica. Estamos perante uma meia-verdade. O facto de uma grande parte dos candidatos a professores provir de estabelecimentos públicos do ensino superior não apaga o facto de esses estabelecimentos possuírem autonomia científica e pedagógica, o mesmo se aplicando aos estabelecimentos de ensino privado que também formam professores. A qualidade dos seus formandos nunca foi certificada.

Nos finais da década de 90, lançou-se o sistema de acreditação dos cursos de formação de professores e educadores, mas o resultado deste esforço meritório foi uma acreditação generalizada de todos os cursos. A competição desenfreada entre estabelecimentos de ensino superior, visando captar mais e mais alunos, resultou na redução dos níveis de exigência e da qualidade da formação, bem como na mais que esperada inflação das classificações de curso de forma a beneficiar os seus alunos em detrimento dos da “concorrência”. Se o único critério de admissão à docência era a classificação de curso, não será de estranhar os estratagemas a que recorreram para que fossem beneficiados os “seus” candidatos.

Mais eficaz tem sido o sistema de certificação profissional adoptado por vários países, assente em provas individuais de acesso e em processos extremamente rigorosos de avaliação de estágios profissionalizantes.

O processo de recrutamento dos professores, bem como de progressão na carreira docente, é claramente uma pedra de toque de um dos mais importantes pilares da qualificação do ensino em Portugal. As tensões corporativas que marcaram as lutas dos professores nos últimos anos poderão ter como consequência ficar tudo na mesma sem que alguém se atreva a “mexer” no assunto, sob risco de fazer desmoronar o pouco que ainda ficou de pé.

Felizmente, ainda há um vasto grupo de professores que sustenta as escolas e o sistema de ensino através do seu profissionalismo, dedicação e brio. A não ser isso, difícil seria imaginar o estado a que estaríamos condenados.

Objectivamente, nada nos ajuda a responder à questão: qual o valor de um bom professor no sucesso de um aluno? E qual o contributo de um mau professor para o insucesso? As escolas e os alunos sabem, caso a caso, quem são os melhores. Impossível será estimar, de forma rigorosa e objectiva, quanto é que eles representam no conjunto do corpo docente e qual o potencial de qualificação que poderiam representar para o ensino em Portugal.»

David Justino, Difícil é Educá-los (Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2010) 81-2.

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