segunda-feira, 30 de abril de 2007

Riscos de terrorismo em Portugal

Ainda que baixas as probabilidades de um possível atentado terrorista que viria a ser prepertado pela Al-Qaeda, no próximo dia 07-07-07, em Lisboa, a propósito das "7 maravilhas do mundo", há duas coisas que, obviamente, não devemos fazer:
1. assustar-nos, ridiculamente, com as ainda algumas probabilidades de tal acontecer e ceder, assim, ao jogo perverso e manipulatório do terror;
2. pensar, não menos ridícula e insustentadamente, que, sendo baixas as probabilidades, não vale a pena investir seriamente na preparação (complexa) para a segurança do evento.

Leituras...

...que muito contribuiriam para o aperfeiçoamento da democracia (caseira e de além fronteiras), das relações internacionais, do diálogo das civilizações.
Saiu recentemente a tradução portuguesa, pelas edições Tinta-da-China, de Identity and Violence. The illusion of destiny, de Amartya Sen, originalmente publicado pela W. W. Norton and Company (London/New York 2006). (A sobrecapa da edição da Norton é, de facto, soberba, o que, num livro, não é pormenor despiciendo!)

O Prémio Nobel da Economia 1998, professor em Harvard e um dos maiores economistas e eminente filósofo social e político da actualidade reflecte sobre uma problemática filosófica central – o problema da identidade e da diferença – trazendo-a para o plano das ciências sociais, com o intuito de repensar temas actuais como a globalização económica, o multiculturalismo político, o pós-colonialismo histórico, a etnicidade social, o fundamentalismo religioso e o terrorismo global.

Sen mostra como a identidade e sentimento de pertença a uma cultura, religião, ou grupo, tendencialmente exacerbados, têm conduzido a humanidade à acção política violenta. Assim, defende a tese de que a paz mundial depende da assunção da multiplicidade das nossas afiliações (pertenças, identidades) e do uso da reflexão baseada numa razão pública livre e plural, mas guiada pela razoabilidade intelectualmente responsável.

Ao invés de se alimentar a ilusão de que pertencemos exclusivamente a uma identidade, devemos antes abrir-nos a uma identidade comum. Não é necessário, para tal, renegar em absoluto o húmus identitário cultural, social, étnico, religioso de onde provimos. É imperioso, isso sim, encontrar uma plataforma axiológica de consenso mínimo mundial. Porém, há que suspeitar criticamente da ideia que alimenta a globalização – uma identidade única, que tenderá para a homogeneização cultural, sonegando outras possíveis soluções.

Sen deixa, de qualquer modo, um repto: devemos olhar-nos como «vulgares habitantes de um mundo vasto, e não como reclusos encarcerados em pequenos compartimentos» (p. 21 da trad. port.).

quinta-feira, 26 de abril de 2007

As desproporcionadas limitações da liberdade

A propósito da penalização da negação do holocausto, proposta legislativa da UE, veja-se uma lúcida, esclarecida e despreconceituosamente crítica defesa da liberdade, designadamente da liberdade de pensar (mesmo que mal!), que José Pacheco Pereira fez no Público de Sábado passado.
Em suma: para a necessária responsabilização do exercício da liberdade, não é necessário cair na tentação «liberticida» do megacontrolo!

O apelo presidencial ao inconformismo dos jovens... e uma resposta!

Cuidado, Senhor Presidente da República! Num país tão pacato e com tão brandos costumes... não se vá agora criar uma revolução! Quem julga -- e há tantos a julgá-lo -- que os jovens portugueses são pouco letrados, cultos, esclarecidos e pouco interessados na política (por muito que tal abranja efectivamente um grande número deles), desengane-se! Veja-se um pequeno exemplo de um jovem, que, apesar de ter sido educado na escola do eduquês e do experimentalismo irresponsável, ainda assim conseguiu (graças ao seu esforço pessoal e não certamente ao sistema pedagógico iluminado que lhe caiu em cima!) adquirir competências e conhecimentos, que o tornam capaz de fazer uma análise crítica, lúcida e livre da vida pública do seu país.
Afinal, não falta apenas inconformismo. Falta também mais e melhor exercício do poder em conformidade!

33 anos depois… a democracia em perigo de retrocesso!

A democracia – o “governo do povo, pelo povo, para o povo”, segundo a famosa definição de Abraham Lincoln – é o sistema político no qual o povo inteiro (ou pelo menos na sua maioria) toma, e tem o direito (livre) de tomar, as decisões básicas determinantes a respeito de questões importantes de políticas públicas. A democracia é, pois, o domínio da liberdade e do pluralismo. Mas está intimamente relacionada também com a ideia de igualdade (expressa na ideia de “um voto, um homem”) – quer dizer: uma sociedade democrática é uma sociedade na qual existe igualdade (entanda-se: de direitos, de oportunidades).

A dificuldade maior consiste em coordenar e arranjar liberdade e igualdade. Por isso, a democracia está sempre por vir, sempre em construção.

Porém, as dificuldades avolumam-se quando existe a tentação (quase totalitária) de engrossar o poder dos representantes furtando-o ao controlo dos representados. As recentes pressões sobre os media ou as tentativas constantes de definição, por parte do governo, da agenda mediática, ou as medidas anunciadas de centralização do poder das polícias (incluindo a PJ) na figura do PM, ou mesmo algumas medidas populistas ao nível da fiscalidade (levantamento do sigilo bancário ou listas públicas de devedores ao fisco), são medidas que põem em causa dois pilares fundamentais das conquistas de Abril: a liberdade de imprensa e as liberdades individuais.

Registe-se com apreço a intervenção neste sentido, na manhã das comemorações parlamentares, de Paulo Rangel (PSD), que conseguiu conciliar a sobriedade com o espírito crítico, apontando aqueles desvios do poder democrático. (Afinal, os grandes partidos verdadeiramente democráticos não são, felizmente para a própria sobrevivência da democracia, apenas os seus líderes.) As boas intenções de Maria de Belém Roseira (PS), num discurso colorido de erudição (com uma dezena de citações que incluíram, curiosamente, grandes filósofos liberais, para além do tique pedante do momento, que é citar António Damásio!), caiem, contudo, num fundo contraditório de atropelos à própria liberdade! Terá sido um apelo à política com substância?!

Claro que o PM não respondeu cabalmente às críticas de Rangel, porque não podia realmente responder; e numa democracia ainda pouco esclarecida, ainda fica bem afirmar – quando não se tem mais nada para dizer e quando se julga não existir qualquer dever de dizer alguma de substancial – que se trata de uma atitude de «bota-abaixismo» do PSD! Mas o que é certo é que se tratou de um momento político de qualidade democrática: um representante do povo critica justamente um governo que pode estar a afastar-se do povo, quando procura subverter os mecanismos de controlo democrático do poder, introduzindo um défice democrático no seio da própria democracia! (A política de substância contra a política da manipulação mediática!)

A democracia é uma obra por vir, sempre com atropelos. Mas a luta não é pelo passado, deve ser pelo futuro. E a luta agora é, muito naturalmente, contra os retrocessos.

segunda-feira, 23 de abril de 2007




O livro é um dos mais oníricos e misteriosos ícones da libertação da condição humana!

Livro – um dos bens culturais mais importantes da humanidade

Numa conferência proferida em 1982 no Palácio Imperial em Viena, por ocasião da inauguração da Semana do Livro(1), o filósofo austríaco Karl Popper, um grande apaixonado pelos livros e pelas ideias, defendia a tese de que o livro é o bem cultural mais importante da Europa e talvez da humanidade.

Antes mesmo da invenção, por Gutenberg, do livro impresso – que está na origem do movimento do humanismo, da reforma, do progresso das ciências da natureza e das modernas democracias –, a invenção do livro manuscrito e do comércio livreiro, no tempo do tirano Pisístrato (talvez o primeiro editor europeu!), pode ter desempenhado, argumentou Popper, um papel primordial no chamado “Milagre Grego”. A publicação em forma de livro das obras de Homero (c. 550 a.C.), primeira publicação literária, e a obra Sobre a Natureza, de Anaxágoras (466 a.C.), primeira publicação científica, tiveram uma forte importância para a democracia (Atenas aprendeu a ler e a escrever e tornou-se democrática!) e para a filosofia/ciência gregas.

Ora, a importância do livro reside no facto deste ser um objecto capaz de sustentar, através da linguagem escrita, uma das coisas mais importantes para o homem – as ideias (acerca das suas emoções e sentimentos, acerca de si mesmo, bem como acerca do mundo natural e social). Para Popper, apenas a escrita, mais do que a oralidade, pode proporcionar às ideias um estatuto de objectividade necessário à busca da verdade e de um mundo melhor – através das ideias vertidas em escrita, podemos (por exemplo, dois mil e quinhentos anos depois, se tomarmos o caso do livro de Anaxágoras) (re)interpretá-las, (re)analisá-las, (re)avaliá-las, submetê-las à crítica, pois elas estão sempre ali, inalteradas, sempre disponíveis para nosso deleite e enriquecimento. «O que torna um livro precioso é o ideário objectivo que ele contém», disse Popper naquela conferência.

A invenção da linguagem constitui o primeiro passo no sentido da objectivação do mundo das ideias humanas, pois tornou possível a comunicação mais objectiva do conteúdo inteligível subjectivo da mente humana. A invenção da escrita foi o segundo passo. Mas o maior e incalculavelmente mais importante avanço foi dado pela invenção do livro, que, ancorado num elevado nível de literacia, torna a fruição das emoções literárias e a análise crítica das ideias acessíveis a todos.

Não é difícil concordar com esta tese de Popper. Muito embora outras formas de cultura ocupem lugar de destaque na história humana, o livro é ainda certamente o que melhor permite, nesse solilóquio silencioso, a consumação do ser humano enquanto ser humano.

(1) Conferência coligida in Karl Popper, Em Busca de um Mundo Melhor, Editorial Fragmentos (Lisboa 1989) 101-108.

sábado, 21 de abril de 2007

A catarse mediática do líder... ou o auto-puxão-de-orelhas!

Quando se defende que em política não se devem fazer julgamentos de carácter e mesmo, a um nível mais aprofundado, que ética e política são duas esferas distintas e inconciliáveis da acção humana, eis que a douta ignorância socrática surge no teatro de sombras mediático a defender, tal como o seu homónimo grego -- ironia (não socrática, mas) do destino, considerado o pai da ética! --, um pouco mais de ética na política: necessitamos de «uma democracia com mais superioridade, elevação e decência»!
A superioridade, elevação e decência -- valores bem vindos à praça pública, que dela estão efectivamente arredados -- conseguem-se se compaginados com a transparência, a lisura, o sentido de justiça (e um pouco de boa fé, também não ficava mal!) nos actos protagonizados por muitos daqueles que estão ou querem estar no poder político -- função tanto mais nobre quanto mais arreigada em valores humanos de verdadeiro serviço à comunidade, e não a meros interesses pessoais ou sectoriais, função essa que justamente existe para melhorar a vida de todos os seres humanos no mundo!
Tal superioridade, elevação e decência conseguir-se-ão quando os detentores do poder (e os seus candidatos) -- desde o poder local ao central --tiverem a coragem de deixar a pequenez das estratégias menos lisas, justas ou transparentes (tráfico de influências, favorecimentos, compadrios...) e começarem a fazer realmente política, sem subterfúgios ético-politicamente injustificáveis. Fazer realmente política consiste tão-só na difícil mas nobre tarefa de defender ideias acerca da melhor maneira de servir o bem comum!
Então sim, mais ninguém se preocupará tanto com o carácter dos políticos ou com a eticidade das suas acções, centrando-se o juízo político no seu devido alvo -- as ideias e a sua concretização. Entretanto, quem "não olha a meios para atingir fins" deve ser -- com toda a legitimidade e, aliás, numa natural atitude de cidadania esclarecida -- julgado politicamente!

quinta-feira, 19 de abril de 2007

Leituras...

...a propósito, designadamente, do que está verdadeiramente em questão no caso da licenciatura de Sócrates e na falta de qualidade do ensino superior em Portugal, mas também em questões como a Ota, que requerem uma avaliação científica e técnica, que apelam a uma verdade exterior à política, que a ela deveria recorrer.

Verdade e Política é o título do texto de Hannah Arendt, publicado pela primeira vez no The New Yorker, em Fevereiro de 1967 e integrado na obra Between Past and Future, e de que existe tradução portuguesa da Relógio D’Água Editores, 1995.

Arendt, uma das mais importantes filósofas do séc. XX, que reflectiu profundamente sobre a política, conhecida pela sua imponente denúncia do totalitarismo, reflecte neste texto sobre uma questão sempre premente quando se pensa na actividade política: por que razão não tem a verdade poder no domínio político, «o qual, mais do que qualquer outra esfera da vida humana, garante a realidade da existência aos homens que nascem e morrem» (p.9)?

Sendo a acção política vista como uma selecção de meios para atingir fins, a mentira pode facilmente ser considerada como um instrumento relativamente inofensivo do arsenal da acção política, quando substitui meios mais violentos. Mas se é a acção política que nos permite viver o melhor possível, organizando a vida comum, o curto lapso de tempo que constitui a nossa existência, não deveria ela ser orientada pela verdade?

No entanto, o poder político nem sempre teve uma coabitação pacífica com a verdade! De qualquer modo, a verdade sempre fugiu ao controlo político e o moderno poder constitucionalmente arreigado acaba sempre por reconhecer que tem interesse na solidão do filósofo, no isolamento do sábio e do artista, na imparcialidade do cientista e do juiz e na independência do repórter... É a integridade intelectual a qualquer preço, que orienta a busca da verdade e que, por isso, vive em permanente fuga face aos assaltos do poder político.

«A verdade, ainda que sem poder e sempre derrotada quando choca de frente com os poderes existentes quaisquer que eles sejam, possui uma força própria: sejam quais forem as combinações dos que estão no poder, são incapazes de descobrir ou inventar um substituto viável. A persuasão e a violência podem destruir a verdade, mas não podem substituí-la.» (p. 53)

Por isso, designadamente a imprensa como o Ensino Superior detêm funções políticas importantes, mas são (e devem continuar a ser) realizadas a partir do exterior do domínio político, com toda a autonomia e integridade intelectual que as coloca numa esfera superior à esfera política – a da verdade.

Arendt defende, pois, a tese de que a esfera da acção política, apesar da sua grandeza, é limita, não esgota a totalidade da existência do homem e do mundo. É apenas no respeito pelos seus próprios limites, que a esfera política (em que somos livres de agir e de transformar) permanecerá intacta, conservará a sua integridade e poderá manter as suas promessas de organização de um mundo melhor. Quanto à verdade, não a podemos mudar, mas é nesse sentido que ela pode ser «o solo sobre o qual nos mantemos e o céu que se estende por cima de nós» (p.59).

terça-feira, 17 de abril de 2007

Autoridade e educação – a propósito do novo estatuto do aluno

“Autoridade” vem do grego aukhanein, que os latinos verteram em auctoritas, cujo verbo augere possui a riqueza polissémica de gerar, aumentar, acrescentar, ampliar, acelerar, fazer crescer, propor, sustentar, desenvolver, autorizar, consentir.
Assim, “autoridade” significa ser gerador de qualquer coisa ou de alguém, fonte ou origem, autor ou artífice. Idealmente e no plano dos valores, a autoridade proporciona as possibilidades e as capacidades de ser e fazer. (É assim que “autor” significa criador, aquele que é promotor e inventor de oportunidades, o fundador e acrescentador de potencialidades, o protector e garante.)
A autoridade está, pois, sempre presente na vida que se deseja humana, quando alguém suporta e aconselha ajudando, quando alguém age no âmbito de uma relação de auxílio realizada no confronto com outro.
O conceito de autoridade é, pois, central em educação. Uma autoridade na escola – o professor – deve ser um verdadeiro modelo entusiástico de representação/acção de saberes e valores, disponível para fazer aprender.
Mas não é, por isso, incontroversa a aplicabilidade concreta da autoridade e não deixa, por isso, de suscitar as mais ardentes perplexidades, dúvidas e militantismos. Porém, a sua inevitável necessidade é evidente: é a autoridade que torna possível a educação, embora a finalidade desta seja justamente aprender a dispensar a autoridade! Quer dizer: o fim da educação não é chegar a um estado em que o educando deixaria de aprender, coisa que persistirá como necessidade antropológica ao longo da vida; é permitir a cada um aprender por si mesmo dispensando o professor, ir do constrangimento para o autoconstrangimento; em suma, conquistar a autonomia e a liberdade.
Há, porém, que repensá-la com disponibilidade serena e sem esquecer o seu sentido originário. Mas regista-se com esperança o início do fim das experimentações pedagógicas – que atingiram ideologicamente, nas últimas décadas, a própria autoridade educativa – e o regresso à serenidade benfazeja e querida por todos (incluindo, estou certo, pelos próprios visados!), da autoridade, que faz ser e possibilita autênticas liberdades. Fica a faltar agora uma campanha de sensibilização para o bom exercício da autoridade, dirigida a outros agentes educativos fulcrais, como são as famílias.

sábado, 14 de abril de 2007

Mais discrepâncias... É normal!

Os aborrecidos jornalistas do Público e do Expresso continuam, mesmo depois de se lhes ter puxado as orelhas, a comprovar discrepâncias no processo de licenciatura de José Sócrates, desta vez mostrando que o diploma tem datas e notas diferentes e que Luis Arouca ainda não era Reitor quando autorizou equivalência e plano de conclusão de estudos!
Atenção: isto não tem mal nenhum...; e se tem um bocadinho, não é agora importante...; é que são apenas algumas pequenas falhas das Universidades frequentadas...!
Só mesmo uma democracia em ascensão é que se preocupa com coisas absurdas como a verdade, a transparência, a lisura, a liberdade de expressão e... a igualdade de oportunidades!
O velho problema português de uma "moral de primeira" (circunstancialista, relativa, obscura...) e uma "moral de segunda" (normativa, igualitária, mais ou menos rigorosa, sancionatória...) é pura ilusão, claro, porque tudo isto é... NORMAL!!

As recomendações do PR acerca da nova lei do aborto

Ao invés de ser vista como uma reacção de descontentamento pessoal do PR (reacção de direita, glosando os argumentos do NÃO), as recomendações de Cavaco Silva deveriam ser vistas mais como um último alerta, tão legítimo quanto sério, para o equilíbrio e bom senso na regulamentação da interpretação do resultado do referendo da IVG.
Não se percebe, por exemplo, por que razão questionar a mulher sobre as razões para a interrupção da gravidez (recomendações do PR) seja uma pura e simples «violação da privacidade» (PS)! Tal como arredar os médicos objectores de consciência da consulta obrigatória é um claro impedimento, por via legal, da mulher aceder a outras perspectivas (que não decisões, que seriam sempre livres!) acerca do seu dilema. Ou a IVG jamais constituirá um dilema moral?!
Embora referendada, a IVG não passou, por esse facto, a ser matéria de irrelevância ética e, por isso, a sua séria e profunda controvérsia filosófica deveria ser contemplada numa lei bem ponderada (desideologizada!) de um maduro estado de direito.
P.S.: O PS escolherá a Portaria, que não passará pela PR, ao invés do DL, para regulamentar a lei... com o objectivo claro de impedir um possível veto presidencial!
É bom lembrar que, se os portugueses votaram maioritariamente SIM no referendo, elegeram a maioria legislativa (governo e grupo parlamentar do PS), o PR também foi eleito pela maioria dos portugueses!

quinta-feira, 12 de abril de 2007

Os esclarecimentos de Sócrates ou a mestria da retórica avassaladora!

Há duas ideias fundamentais a distinguir claramente:
1. Não é difícil aceitar que o governo liderado por José Sócrates está a empreender reformas indispensáveis ao país e, se forem bem conduzidas e implementadas (o que nem sempre está a acontecer!), irão ser indiscutivelmente benéficas para todos. O mais importante é, com efeito, isto: irá o governo acatar democrática e sensatamente as críticas oportunas e óbvias às suas soluções para os grandes projectos e reformas?
2. As dúvidas sobre o favorecimento na obtenção dos graus académicos de Sócrates mantêm-se; apesar da retórica de Sócrates estar no seu melhor, não serviu para dissipar das mentes mais esclarecidas e atentas, as dúvidas sobre as suas virtudes ético-políticas. Sendo menos importante, isto não é, de modo nenhum, desprovido de fulcral importância para a gorvernação e, mais importante, está ligada à primeira ideia!
Da entrevista à RTP1 ressalta a fortaleza que Sócrates quer manter no processo reformador em curso e isso pode ser bom para o país.
Mas a entrevista também revelou a avassaladora capacidade retórica de Sócrates em persuadir, manipular, ludibriar e ultrapassar as questões incómodas sem efectivamente lhes dar respostas razoáveis, compreensíveis e verdadeiramente esclarecedoras. A política consiste em conversar para convencer os outros de que temos as melhores soluções para os problemas comuns. Mas a conversação é apenas um meio, não um fim em si mesmo. Ou seja, há coisas que valem e outras que devem ser repudiadas, mesmo na acção política. Se fizermos política sem atender a princípios éticos, então correremos o risco de a política nos conduzir precisamente a onde ela nos resgatou - a um estado de guerra de todos contra todos (coisa que até o autoritarista Hobbes compreendeu!). Se tudo valer em política, então a guerra ("a política por outros meios", segundo a controversa definição de Clausewitz!) será muito mais frequente, nos seus múltiplos sentidos (não só literalmente!), do que a paz, verdadeira finalidade da política.
Ora, é precisamente esta postura de quem julga saber tudo e, por ter sido eleito pela maioria, julga ser o único a saber e a poder tudo fazer para impor o seu suposto saber, que minará doravante a actuação política de Sócrates e a confiança política dos portugueses.
O problema da nossa actual democracia é, desafortunadamente, ainda bem ilustrado por uma das muitas felizes analogias de W. Churchill: a política é como a guerra, em ambas se morre; a diferença é que na guerra só se morre uma vez, mas em política pode morrer-se várias vezes!

terça-feira, 10 de abril de 2007

O que se espera do debate sobre a licenciatura de Sócrates

A SIC Notícias promoverá logo à noite (entre as 22:30 e as 00:30) um debate sobre a questão da licenciatura de José Sócrates, com a presença de José Manuel Fernandes (Público), João Marcelino (DN), Francisco Sarsfield Cabral (RR).
O que se espera é que se debatam duas questões centrais, fundamentais em qualquer democracia, prementes mais do que nunca, na nossa:
1. a questão das virtudes públicas (terá havido ou não tráfico de influências ou mesmo sequer um aproveitamento da situação caótica da UnI? Será ou não o apuramento da verdade sobre a forma como José Sócrates obteve a sua licenciatura uma questão central para a edificação e dignificação da democracia? Ou seja, são ou não exigíveis aos homens que ocupam cargos políticos, virtudes ético-politicas básicas na sua acção?);
2. a questão da liberdade de expressão e imprensa (será legítimo um Primeiro-Ministro "comunicar" o seu desagrado por determinadas notícias ou comentários jornalísticos, aos próprios autores das reportagens, textos, opiniões? Até onde vai a liberdade de emitir opiniões e difundir notícias?).
Daí se vê como o debate poderia muito ser alargado, por exemplo, a politólogos e constitucionalistas. Apesar da cultura política e geral dos intervenientes não estar, de modo nenhum, em questão, seria bom que pelo menos alguns media portugueses começassem a introduzir um pouco mais de profundidade de análise em certos debates sobre temas importantes para a sociedade, como se faz noutros países europeus.

Ideia de Universidade – para não esquecer de que se trata!

No Ocidente, a ideia e a instituição universitárias são medievais. No início do século XIII, havia algumas escolas, sobretudo em França, com alguma importância cultural, que começaram a atrair mestres e estudantes, dinamizando o ensino, até que esses estabelecimentos escolares recebem uma nova organização jurídica semelhante à das corporações de ofícios. Este movimento deu origem a um fenómeno de concentração escolar: a Universidade nasceu, então, de uma unificação de escolas, numa concentração numa só instituição, onde passou a concentrar-se, a criar-se e difundir-se o universo do saber existente. Este sempre foi o espírito universitário, desde as mais antigas universidades europeias: Paris e Bolonha (cerca de 1200), Oxford (cerca de 1214) e Nápoles (1224). A mais antiga universidade portuguesa – Coimbra (1290) –, imbuiu-se perfeitamente deste espírito, bem como muitas outras por esse mundo ocidental. A ideia floresce hoje mesmo fora do âmbito civilizacional estrito do Ocidente, em muitos casos de forma exemplar. (Veja-se o caso da Índia, que coloca, segundo um estudo recente, duas universidades nas cem melhores universidades de Ciências Sociais do mundo; Portugal não tem sequer uma nesse topo de excelência!).
Desde a sua génese que a Universidade é, pois, um centro de investigação, no qual, fruto do trabalho laborioso de pessoas interessadas que procuram alargar o conhecimento nas várias áreas do saber, se pode (deve!) encontrar todo o universo do saber, isto é, tudo quanto se sabe acerca de todos os campos do saber.
Além disso, as universidades sempre foram e continuam a ser, como qualquer escola, um centro de formação de pessoas, ou seja, as universidades o que fazem é ensinar e permitir que se aprendam a quantidade de conhecimentos e competências (teóricos e técnicos) exigidos para se poder, com segurança (pelo menos inicial), exercer determinadas actividades/profissões que exijam conhecimentos aprofundados.
Portanto, a Universidade é a mais importante instituição cultural de que os seres humanos são capazes, pois nela fervilham os saberes que a humanidade possui num dado momento da história, através dos mestres que os possuem, criam, descobrem, e dos discípulos que os aprendem, recriam e redescobrem. Em suma: um centro simultaneamente de criação e partilha de saber, tendo (muito naturalmente!) como horizonte a excelência.
Para que se não esqueça do que se trata... quando se trata de UNIVERSO de SABER!

terça-feira, 3 de abril de 2007

As ideias de fundo do nacionalismo político (para uma crítica da extrema direita)

O nacionalismo político exige que a comunidade política se organize em torno da comunidade étnica; ou seja, o estado nacional, identificado com uma cultura nacional e comprometido com a sua protecção, é a unidade política natural. Não admite que grandes quantidades de membros da comunidade nacional sejam obrigados a viver fora das fronteiras do estado nacional; não aceita a presença, dentro das fronteiras do estado-nação, de grande número de não-nacionais; repudia veementemente que o grupo dos que governam pertençam a um grupo étnico diferente do da maioria da população.
Ora, o fundo destas ideias enraíza no movimento romântico do séc. XIX. Contrariando o ideal iluminista da existência de verdades objectivas e, portanto, universais, que um esforço da razão faria o homem descobrir, o Romantismo advoga que as verdades são criadas pelo homem. Os valores, portanto, não se descobrem, criam-se. Tal como um artista, ao criar uma obra de arte, recria sempre a própria forma de expressão artística (um escritor português como que reinventa a própria língua portuguesa ao escrever), assim também a vida é criada por aqueles que a vivem, passo a passo. O Romantismo privilegia, pois, uma interpretação estética da moralidade e da vida, ao invés de aplicar modelos ou ideais absolutos segundo a crença iluminista no poder da razão.
Com base neste substrato comum, cresceram tanto o Romantismo como o anarquismo, o nacionalismo, o fascismo, tendo sempre presente o ideal “eu faço os meus valores”. Este “eu” foi interpretado por um certo Romantismo como sendo o próprio indivíduo (o aventureiro, o que desafia a sociedade e os valores instituídos, que prefere dar-se mal ao conformismo). Mas também foi interpretado como algo mais metafísico – uma colectividade: raça, nação, igreja, partido, classe; de qualquer modo, sempre um organismo em que o indivíduo é apenas um pequeno e insignificante fragmento, que retira o seu sentido unicamente do facto de pertencer ao colectivo (“não eu, mas o partido!”, “não eu, mas a igreja!”, “o meu país, bem ou mal, mas o meu país!”). Daí o nacionalismo, por exemplo, alemão: o indivíduo age de determinado modo, não porque se trata da acção correcta ou porque assim o desejou, mas porque é um alemão e essa é a forma alemã de viver!
Negando valores absolutos, esta perspectiva que concebe o indivíduo como um simples peão cegamente fiel a um Super-Eu, trouxe consequências altamente nefastas para a história da Europa, ainda hoje marginalmente actuantes. Criticando, em geral, um certo dogmatismo que atravessa toda a filosofia ocidental desde Platão e, em particular, o universalismo e optimismo racionalista do Iluminismo, as ideologias altamente influenciadas pelo romantismo, como é o caso do nacionalismo político, não evitaram cair, paradoxalmente, noutros tantos dogmatismos atávicos, embora estes, porém, bem mais fortemente conflituosos e perturbadores da paz entre os povos.
É claro que muitos jovens extremistas portugueses (e não só!) não terão certamente consciência desta opção filosófico-valorativa. Outras forças se levantam! Quem quiser encontrar alguma relação entre esta síntese crítica do nacionalismo político, aqui ensaiada, e o P.N.R. talvez não encontre. Mas isso deve-se certamente ao tipo de acção política, completamente ausente de (boa) vontade de verdadeira resolução de problemas, protagonizada por muitos, que se mascaram atrás de um partido político para simplesmente expor a brutalidade do seu xenofobismo, racismo ou tão-só da sua agressividade descontrolada.
Embora tenha crescido ultimamente na Europa, bem se vê por que razões a adesão a esta ideologia extremista do Blut und Bloden (“sangue e terra”) é, felizmente, tão baixa – os valores da liberdade individual, do pluralismo razoável e tolerante, da igualdade de oportunidades, da democracia, em suma, da dignidade humana, vão sendo reconhecidos por todos aqueles que beneficiam de um acesso minimamente esclarecedor à educação e à cultura universal!