terça-feira, 29 de setembro de 2009

Despertar

Agora que os devaneios da campanha eleitoral passaram, há que enfrentar a tão dura realidade. A do défice e a da dívida pública:
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Em suma: Sócrates terá que fazer, dita a realidade e a mais elementar prudência e bom senso, entendimentos, não à esquerda, mas à direita, precisamente com os seus mais directos adversários. Afinal, com aqueles que defenderam um maior realismo e maior precaução e acautelamento do futuro dos nossos filhos: o PSD ou o CDS/PP.
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O PS ganha as eleições; mas são as políticas económica e de finanças públicas do PSD que irão ser implementadas. A adequação da política à realidade, por muito orientada por ideais que seja, é mesmo uma necessidade. Não é conservadorismo dogmático, como tanto gostariam os progressistas insensatos de fazer crer; é realismo crítico, é prudência e bom senso ditados pelas circunstâncias.

"- Pai, vota no Sócrates para eu ter um Magalhães!"

Com a ajuda dos erros de campanha do PSD, a estratégia demagógica, populista e eleitoralista da governação da maioria socialista durante os últimos quatro anos e meio deu os seus frutos. Não fosse ter perdido a maioria absoluta e José Sócrates poderia ter dito que foi "uma vitória extraordinária"!

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

Voltem debates, estão perdoados!

Os debates televisivos no ínicio da campanha, mesmo apesar da sua estrutura algo rígida, cheios de boas intenções ético-dialógicas, nem sempre concretizadas, um pouco longe da verdadeira livre discussão política, não deixaram de ser, bem vistas as coisas, o momento alto da campanha. Talvez pela primeira vez em Portugal, se discutiram os programas eleitorais. Não esquecer que esta feliz ãnsia de escrutínio programático se ficou muito a dever à ansiedade que o próprio PS criou em torno do suposto inexistente programa do PSD. Já então, como agora com a disparatada comparação com salazar, o PS a ajudar o PSD. Deviam agradecer!
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Em suma: com o escrutínio arejado dos "gato fedorento" para desanuviar, os debates televisivos foram "o" momento de campanha verdadeiramente interessante do ponto de vista político. Pena é que as eleições se ganhem e se percam por outras razões.


Dar a pensar...



«Todas as Utopias nossas conhecidas se baseiam na possibilidade da descoberta e na harmonia de fins objectivamente verdadeiros, verdadeiros para todos os homens, em todos os tempos e lugares. Isto aplica-se a todas as cidades ideiais, desde a República de Platão e as suas Leis, o mundo anarquista de Zenão e a Cidade do Sol de Jambulo, até às Utopias de Thomas More e Campanella, Bacon e Harrington e Fénelon. As sociedades comunistas de Mably e Morelly, o capitalismo de Estado de Saint-Simon, os falangistas de Fourier, as várias combinações de anarquismo e colectivismo de Owen e Godwin, Cabet, William Morris e Chernicheviski, Bellamy, Hertzka e outros (não há falta deles no século XIX) assentam nos três pilares do optimismo social no Ocidente (...): que os problemas centrais dos homens são, no fundo, os mesmos ao longo da história; que são, em princípio, solúveis; e que as soluções formam um todo harmonioso (...) Este é terreno comum às muitas variedades de optimismo reformista e revolucionário, de Bacon a Condorcet, do Manifesto Comunista aos modernos tecnocratas, comunistas, anarquistas e perseguidores de sociedades alternativas.»
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Isaiah Berlin, "The Apotheosis of the Romantic Will", in The Crooked Timber of Humanity: Chapters in the History of Ideas (Londres: John Murray, 1990) 211-2.

terça-feira, 22 de setembro de 2009

Biografia não autorizada

Não autorizada, mesmo: o autor, Rui Costa Pinto, queixa-se que a editora tem receio de represálias se publicar, antes de 27 de Setembro, uma biografia, no mínimo, incómoda para José Sócrates.
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Conclusão: não há "asfixia democrática".

Apologia de Sócrates

Num dos textos mais prodigiosos da história da humanidade, Platão apresenta a defesa que o seu mestre Sócrates fez da sua inocência perante o Tribunal de Atenas, que o acusou e condenou por corromper a juventude. Numa das aparições mais apologéticas da história da democracia em Portugal, Mário Soares ensaia uma defesa de José Sócrates, acusado e, muito provavelmente, condenado por ter governado mal o país e por querer continuar a fazê-lo.
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Coisa estranha, contudo, nesta apologia socialista: o apologéta (Mário Soares) é um crítico contundente das políticas (segundo ele) ainda pouco socialistas de Sócrates, mas vem agora afirmar que este é o maior político de sempre, com as melhores políticas para o futuro de Portugal! É esta uma diferença fundamental entre o filósofo e o político: o primeiro procura humilde e criticamente a verdade, o segundo manipula-a abrupta e dogmaticamente a seu bel-prazer. Mas o dr. Soares fez mais - pensa ele - para defender o seu camarada, que tanto tinha até agora criticado: ele é tão bom que, se ganhar as eleições até poderá fazer uma coligação com um dos poucos partidos marxistas-leninistas, de orientação trotskista, ainda hoje existente (algo camufladamente) na Europa. Afinal, segundo o sapiente Mário Soares, Portugal deve ser governado por um partido socialista a sério e um partido comunista radical. Líder capaz de o fazer, já há: José Sócrates.
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Obrigado, dr. Mário Soares, por esclarecer o eleitor.

Sondagens

As sondagens de intenção de voto são um instrumento estatístico ao serviço dos partidos políticos e dos media. (Serão úteis para o eleitor?) De qualquer modo, não passam de um instrumento científico falível e, como tal, não absoluto. (Não serão mesmo enganadoras para o eleitor?) Senão, veja-se este exercício analítico pelo Cachimbo de Magritte.

Não escute - leia! (E pense)

A novela negra das alegadas escutas em Belém está a colocar em causa o sereno estilo presidencial de Cavaco Silva, a mordiscar a estratégia eleitoral do PSD e, pior, a tentar delapidar as orientações jornalísticas, apesar de tudo, de referência, do jornal Público.
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O Editorial de hoje de José Manuel Fernandes parece-me bastante equilibrado (ao contrário da ideia, naturalmente exagerada, de que poderia estar a ser vigiado pelo SIS!) e esclarecedor: afinal, o Público publicou o que deveria ter publicado (suspeitas, vindas de Belém, de que a Presidência da República estaria a ser escutada) e não publicou o que não deveria ter publicado, por falta de matéria de facto. Coisa que, isso sim eticamente questionável, que o DN não fez, publicando matéria de comunicação interna do jornal Público, que, sabe-se lá como, foi parar àquele diário centenário.
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Quem precisa de manobras de diversão, como o PS de José Sócrates, para afastar as pessoas dos verdadeiros problemas, que estão em questão nas eleições de 27 de Setembro, tudo isto é ouro sobre azul. Até já se diz que Cavaco, que "andava com MFL ao colo", lhe terá agora "retirado o tapete" da "asfixia democrática"! No entanto, continuam a existir factos que indicam uma intromissão ilegítima e democraticamente perigosa do governo na comunicação social (caso "Moniz" e "Jornal de Sexta") e, como MFL já reagiu, a campanha do PSD continua imune a casos devidamente "cozinhados" para corroer o discurso da, ainda assim, consistente oposição do PSD, mas que são irrelevantes para o cabal esclarecimento dos eleitores diante dos desafios do país.
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Mais uma vez, não basta escutar - é necessário ler e, sobretudo, pensar.

quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Democracia na América e na Europa

João Carlos Espada defendeu no seu último ensaio no "i", que a diferença entre o entendimento que a tradição anglo-saxónica e a continental fazem da democracia liberal é que, «enquanto em Inglaterra e na América a democracia liberal surgiu como uma protecção dos modos de vida existentes, na Europa continental a democracia foi associada - quer pelos seus críticos, quer por muitos dos seus impulsionadores - a um projecto de alteração dos modos de vida existentes com vista a atingir o "modelo" de uma sociedade outra, desenhada pela "Razão"». O que coloca a tradição anglo-americana como mais (beneficamente) conservadora, em contraponto com a atitude mais tendencialmente (e nefastamente) utopista do racionalismo político continental.
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Embora a defesa do modo conservador de encarar a organização política das sociedades, com os seus problemas próprios, marque a orientação das brilhantes análises de J. C. Espada, trata-se de uma importante distinção do modo como se concebe, em ambos os lados do Atlântico, a democracia liberal como forma de governo limitado, bem como clarifica muito bem alguns dos problemas que assombram as democracias continentais e as próprias instituições europeias.

terça-feira, 15 de setembro de 2009



Fotografias...



“Marcas de Verão”
(Faro, Agosto 2009)
© Miguel Portugal



Dar a pensar



«Os Jacobinos, Robespierre, Hitler, Mussolini, os Comunistas, utilizam todos esse mesmo método argumentativo, de afirmar que os homens não sabem o que verdadeiramente querem – e, assim, ao querê-lo por eles, ao desejá-lo em seu nome, damos-lhes o que num sentido oculto, sem que eles próprios o saibam, desejam “realmente”. (…) Esta é a tese central de Rousseau, que conduz à servidão genuína e, por esse caminho, a partir dessa deificação da ideia de liberdade absoluta, chegamos progressivamente à ideia de despotismo absoluto. Não há justificação para que aos seres humanos sejam oferecidas escolhas, alternativas, quando apenas uma é a correcta. É certo que têm que escolher, caso contrário não serão espontâneos, não serão livres, não serão seres humanos; mas se não escolherem a alternativa correcta, se optarem pela errada, é porque o seu verdadeiro eu não está a actuar. Eles não sabem qual é o seu eu verdadeiro, enquanto que nós, que somos sábios, que somos racionais, que somos o grande legislador benevolente – o conhecemos. (…)

É em virtude desta ideia que Rousseau perdura como pensador político. A ideia causou tanto bem como mal. Bem no sentido de ter salientado o facto de que sem liberdade, sem espontaneidade, nenhuma sociedade merece ser conservada (…).

O mal provocado por Rousseau consiste em ter iniciado a mitologia do eu verdadeiro, em nome do qual nos é permitido forçar pessoas. (…) Este é o paradoxo funesto de acordo com o qual um homem, ao perder a sua liberdade política, a sua liberdade económica, é libertado num sentido mais elevado, mais profundo, mais racional, mais natural, que apenas o ditador ou apenas o Estado, apenas a assembleia, apenas a autoridade suprema conhece, pelo que a liberdade mais ilimitada coincide com a autoridade mais rigorosa e limitadora.

Por esta grande perversão, Rousseau é mais responsável do que qualquer outro pensador que alguma vez tenha vivido. As suas consequências nos séculos XIX e XX não precisam de ser descritas – ainda permanecem connosco. Nesse sentido, não é minimamente paradoxal afirmar que Rousseau, que reivindica ter sido o amante mais ardente e apaixonado da liberdade humana que alguma vez viveu, que procurou libertar de todas as grilhetas, os constrangimentos da educação, da sofisticação, da cultura, da convenção, da ciência, da arte, de tudo o que seja, porque todas essas coisas de algum modo o violavam, todas essas coisas de alguma forma limitavam a sua liberdade natural como homem – Rousseau, apesar de tudo isso, foi um dos mais funestos e formidáveis inimigos da liberdade em toda a história do pensamento moderno.»

Isaiah Berlin, Rousseau e Outros Cinco Inimigos da Liberdade, trad. port. Tiago Araújo (Lisboa: Gradiva, 2005) 72-74.

sexta-feira, 4 de setembro de 2009

Atentar a democracia

O afastamento de José Eduardo Moniz e, agora, Manuela Moura Guedes da incómoda TVI deixam algumas preocupações. Claro que o "famoso" "Jornal Nacional" não tinha a qualidade jornalística que se exige quando se procura informação de qualidade. Mas o facto de ter incomodado o PM José Sócrates durante tanto tempo precipitou uma das decisões mais estranhas dos últimos tempos.
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Não é compreensível, do ponto de vista comercial, suspender um telejornal líder de audiências a um mês das eleições legislativas. É, no mínimo, absurdo. Depois, trata-se de mais um caso em que os "amigos do poder", que almejam, em breve, uma escalada, um lugar, "trocam os pés pelas mãos" numa decisão censória inédita no Portugal democrático e muito característica de um país de terceiro mundo. Como em casos anteriores, os protagonistas leram o estilo autoritário e a atitude algo totalitarista de José Sócrates e tomaram uma decisão politicamente perigosa.
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Não se vê como possa persistir uma democracia em que se amordaçam órgãos de comunicação ou se silenciam linhas editoriais e se atenta declaradamente contra a liberdade de expressão e de imprensa, pilar fundamental de uma verdadeira e sã democracia liberal. Seria preferível viver num país em que não houvesse lugar para este "Jornal Nacional" conduzido por Manuela Moura Guedes. Mas mais preferível seria que isso acontece por força de um "mercado" livre da comunicação social e por livre "imposição" da qualidade das hipotéticas exigentes audiências. No contexto sócio-cultural português contemporâneo é aberrante e perigoso para a democracia e credibilidade dos principais protagonistas políticos que tal "Jornal Nacional", pura e simplesmente, se eclipse num acto de magia negra.
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A democracia não só não ganha nada, como perde de forma brutal. O PS e José Sócrates perdem, com toda a certeza. Quem atrai amigos desta craveira intelectual e política não poderá almejar um futuro muito risonho.

Debates democráticos?

Os “debates” de campanha programados pelas televisões e delineadas pelos estrategas dos partidos políticos para as próximas eleições legislativas têm um formato demasiado rígido, que os torna artificiais. Precisamente, não privilegiam o debate e discussão de ideias, que pressupõem, tanto uma ética da discussão (com as suas regras), como também um amplo espaço de liberdade para intervir, refutar, contra-argumentar, responder, repudiar, clarificar.

As televisões e os estrategas de campanha optam por privilegiar, cada vez mais e quase até à exaustão, a fortíssima dimensão estética do debate político, em que se alinham os candidatos num discurso, pose, atitude previamente programados, com o intuito central de fazer passar uma imagem sedutora e não tanto apresentar ideias, esclarecer propostas ou arguir razões convincentes.

Uma das funções primordiais dos partidos políticos num regime democrático sempre foi, essencialmente, esclarecer o eleitorado no sentido de preparar a decisão eleitoral. A função dos media e dos estrategas de campanha tornou-se, distorcendo o essencial, na promoção de uma imagem – ilusionista e, portanto, ilusória. A democracia sai a perder.