terça-feira, 15 de setembro de 2009



Dar a pensar



«Os Jacobinos, Robespierre, Hitler, Mussolini, os Comunistas, utilizam todos esse mesmo método argumentativo, de afirmar que os homens não sabem o que verdadeiramente querem – e, assim, ao querê-lo por eles, ao desejá-lo em seu nome, damos-lhes o que num sentido oculto, sem que eles próprios o saibam, desejam “realmente”. (…) Esta é a tese central de Rousseau, que conduz à servidão genuína e, por esse caminho, a partir dessa deificação da ideia de liberdade absoluta, chegamos progressivamente à ideia de despotismo absoluto. Não há justificação para que aos seres humanos sejam oferecidas escolhas, alternativas, quando apenas uma é a correcta. É certo que têm que escolher, caso contrário não serão espontâneos, não serão livres, não serão seres humanos; mas se não escolherem a alternativa correcta, se optarem pela errada, é porque o seu verdadeiro eu não está a actuar. Eles não sabem qual é o seu eu verdadeiro, enquanto que nós, que somos sábios, que somos racionais, que somos o grande legislador benevolente – o conhecemos. (…)

É em virtude desta ideia que Rousseau perdura como pensador político. A ideia causou tanto bem como mal. Bem no sentido de ter salientado o facto de que sem liberdade, sem espontaneidade, nenhuma sociedade merece ser conservada (…).

O mal provocado por Rousseau consiste em ter iniciado a mitologia do eu verdadeiro, em nome do qual nos é permitido forçar pessoas. (…) Este é o paradoxo funesto de acordo com o qual um homem, ao perder a sua liberdade política, a sua liberdade económica, é libertado num sentido mais elevado, mais profundo, mais racional, mais natural, que apenas o ditador ou apenas o Estado, apenas a assembleia, apenas a autoridade suprema conhece, pelo que a liberdade mais ilimitada coincide com a autoridade mais rigorosa e limitadora.

Por esta grande perversão, Rousseau é mais responsável do que qualquer outro pensador que alguma vez tenha vivido. As suas consequências nos séculos XIX e XX não precisam de ser descritas – ainda permanecem connosco. Nesse sentido, não é minimamente paradoxal afirmar que Rousseau, que reivindica ter sido o amante mais ardente e apaixonado da liberdade humana que alguma vez viveu, que procurou libertar de todas as grilhetas, os constrangimentos da educação, da sofisticação, da cultura, da convenção, da ciência, da arte, de tudo o que seja, porque todas essas coisas de algum modo o violavam, todas essas coisas de alguma forma limitavam a sua liberdade natural como homem – Rousseau, apesar de tudo isso, foi um dos mais funestos e formidáveis inimigos da liberdade em toda a história do pensamento moderno.»

Isaiah Berlin, Rousseau e Outros Cinco Inimigos da Liberdade, trad. port. Tiago Araújo (Lisboa: Gradiva, 2005) 72-74.

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