quinta-feira, 31 de janeiro de 2008

Cidadania em rede – um ano de blogosfera

Há precisamente um ano, sob o impulso da questão ética do aborto, iniciava-se aqui a nossa aventura de cidadania em rede. Tempo agora para um breve balanço.

Ao contrário do que eventualmente possa parecer, este não é um blogue pessoal. Trata-se de um sítio onde se publicam ideias, arreigadas em argumentos, sobre temas que podem interessar qualquer pessoa minimamente atraída por focalizações um pouco mais rigorosas e penetrantes dos problemas. Nada do que nele se verte tem, pois, carácter pessoal. Só assim, aliás, faz algum sentido a sua publicação.

A orientação editorial é simples – apresentar comentários críticos, sobretudo sobre política (nacional e internacional) e educação e ensino, mas também textos que privilegiam uma perspectiva de análise de temas da acção humana, com especial incidência na acção política, enriquecida com uma abordagem ética e filosófica. Quando tal acontece, pretende-se paralelamente mostrar como uma perspectiva filosófica permite aumentar a nossa compreensão dos problemas, que são os da acção humana no mundo, bem como mostrar que tal abordagem filosófica não é necessariamente entediante ou inacessível – bem pelo contrário, pode ser perfeitamente acessível e muito útil, evitando que certas emoções, preconceitos ou ideias feitas se apoderem das nossas análises e nos impeçam de ver correctamente os problemas e de tomar uma posição fundamentada e crítica sobre eles.

Acto de cidadania, ímpeto de escrita, rasgo de liberdade/libertação eis, em suma, o leitmotiv.

Como instrumento de cidadania e, portanto, de comunicação que é, muito me apraz pensar que as reflexões aqui deixadas possam contribuir para suscitar a discussão crítica mais aprofundada naqueles que pacientemente as lêem.

Sinceros agradecimentos, pois, a todos quantos têm visitado o blogue, muito especialmente para os mais assíduos e para os que ousam deixar um comentário. (Aos que ainda não o fizeram, ousem fazê-lo, verão que não dói nada!)

Um agradecimento muito especial aos meus alunos, que têm visitado o blogue, para quem escrevo com especial atenção, quando escolho alguns temas ou acontecimentos para comentar e proponho ligações pedagogicamente úteis.

Um agradecimento mais caloroso para o João Pedro Portugal, visitante assíduo e o primeiro a deixar um comentário, logo nos primeiros dias.

terça-feira, 29 de janeiro de 2008

Filosofia em entrevista

Alguns alunos da Escola Básica e Secundária Gonçalves Zarco (ilha da Madeira) entrevistaram Desidério Murcho, importante divulgador da filosofia em Portugal. Uma entrevista útil para compreender um pouco melhor de que se trata quando se trata de filosofia.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2008

Genuína filosofia no Público

Eis um texto de Desidério Murcho sobre uma das questões éticas e de filosofia política mais difíceis e, hoje mais do que nunca, importantes - a tolerância.

Trata-se do regresso de um filósofo profissional a escrever textos de divulgação genuinamente filosóficos num jornal diário, em Portugal, para um público não profissional. (Só mesmo no Público!)

Há muito que a Filosofia, nos países anglo-saxónicos, sobretudo nos E.U.A., saiu das academias, embora haja sempre razões para sustentar que tal área do saber não pode nem deve necessariamente interessar muito ao não filósofo(1). Em Portugal, vão-se dando passos curtos, mas digamos firmes, nesta área da divulgação filosófica, que tão bons préstimos oferece a quem vive agrilhoado a preconceitos, designadamente os que dizem respeito àquilo que a própria filosofia nos pode oferecer, infelizmente tão comuns em terras lusas.

O pequeno texto de Desidério Murcho sobre a tolerância é mais um excelente exemplo de esclarecimento, capacidade crítica e rigor argumentativo, extremamente útil para quem deseja aumentar a sua consciência de mundo, como é o caso do homem comum, que lê jornais para saber o que se passa no mundo.

É que no mundo também se passa... Filosofia - homens e mulheres que pensam profunda e rigorosamente sobre problemas que dizem, muitas vezes, directamente respeito ao homem que todos os dias quer efectivamente compreender o que se passa no mundo.
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(1) Veja-se, por exemplo, W.V. Quine, "A Filosofia Tem Perdido o Contacto com as Pessoas?", tradução de Eduardo Castro in Intelectu n.º 12.

sábado, 26 de janeiro de 2008

Das Märchen, em Vila Flor!

Emmanuel Nunes acaba de ter uma merecida ovação no São Carlos pela sua excelente estreia no género operático. A sempre perturbadora estética musical de Nunes – perfeitamente enquadrada no genial aforismo de Brake «a arte serve para perturbar; a ciência assegura» – faz de Das Märchen, conjuntamente com uma adaptação muito bem conseguida do texto de Goethe e uma cenografia e encenação soberbas, uma obra belamente reveladora das dores e esperanças do ser humano.

Quanto à transmissão para outras salas, mesmo apesar das naturalmente óbvias limitações já aqui apontadas – e que se não conseguem esquecer de todo, embora acabem por ser atenuadas –, não foi muito má: a realização (creio que da RTP) estava sofrível, a transmissão pela TV Cabo dava para ver e, no caso do Auditório Municipal de Vila Flor, o som era audível. O balanço é, pois, positivo. No caso destas eminentes manifestações artístico-culturais, sempre vale a pena, quando as oportunidades são poucas e a vontade não é pequena.

sexta-feira, 25 de janeiro de 2008

Confiança nos professores

Um estudo de opinião relizado pela Gallup, por encomenda do WEF (Fórum Económico Mundial), revela resultados interessantes.
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Síntese do estudo:

Quais os profissionais em que mais confia?

Portugal:
- professores - 42%
- líderes militares e da polícia - 24%
- jornalistas - 20%
- líderes religiosos - 18%
...
- políticos - 7%

Europa Ocidental:
- professores - 44%
- líderes militares e policiais, com 26%
- advogados - 25%
- jornalistas - 20%
...
- políticos - 10%

Quais as profissões a que daria mais poder no seu país?

Portugal:
- professores - 32%
- os intelectuais - 28%
- dirigentes militares e policiais - 21%
- estrelas desportivas ou de cinema - 6%

A nível mundial:
- professores - 34%
- líderes religiosos - 27%
- dirigentes militares e da polícia - 18%
...
- políticos - 8%

(Universo: 61.600 inquiridos, em 60 países.)

Os estudos de opinião valem o que valem, pois a opinião vale o que vale. De qualquer modo, não deixa de ser interessante verificar que muitas pessoas endossam um sentimento tão importante aos professores, de qualquer modo mais do que a quaisquer outros grupos profissionais. Ora, a confiança é um valor ético essencial: trata-se da crença de que o outro agirá conforme o que lhe é exigido. Confiar nos professores é, pois, manifestação de adequada consciência de mundo, compreendendo-se o fundamental e determinante papel que os professores têm na vida das pessoas.
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E, sugerindo uma explicação, o facto de a nível mundial (independentemente de circunstancialismos culturais) se confiar aos professores o poder político da condução do destino das sociedades, só se pode ficar a dever, pois, às características éticas do professor, cuja missão envolve, necessariamente, uma boa dose de altruísmo, imparcialidade, desinteresse, racionalidade e envolvimento e empenhamento ao serviço de um dos mais fulcrais e admiráveis fenómenos humanos, que é fazer ser humano. É claro que o estudo também vem confirmar a importância da própria formação escolar, empreendida pelos professores: os inquiridos revelaram instrução minima requerida, justamente, para valorizarem (por muito que tenham sido determinados por emoções!) a actuação ética dos professores.
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Uma nota sobre os políticos. A posição dos políticos é, há que conceder, bastante ingrata, pois revela a complexidade dos problemas que seria suposto serem resolvidos "depressa e bem", bem como revela também a óbvia finitude humana, que se evidencia nauralmente na incapacidade de poder resolver problemas imensamente complexos, como são os problemas políticos. Todavia, não deixa de ser um aviso no sentido da necessidade de um maior incremento ético na actividade política.
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Portanto, mesmo que a validade do instrumento de medida, como sejam os inquéritos de opinião, esteja em causa, não deixa de ser necessário retirar as devidas consequências político-sociais desta manifestação valorativa de um ampla amostra de seres humanos: trata-se de uma boa oportunidade para que as sociedades civis e os poderes políticos (dos vários países e não apenas de Porugal!) passem a conceder efectivamente mais atenção, passem a empreender mais energia e investir mais dinheiro na educação, isto é, nas condições em que os professores exercem a sua importantíssima e confiável missão de importância transcendente para os seres humanos enquanto seres humanos.

terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Para a redignificação da docência

"Mocho" de Almada Negreiros
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O governo continua a regulamentar o Estatuto da Carreira Docente, ficando hoje a saber-se as novas regras, em concreto, para o recrutamento de novos professores para o quadro do ME. Os candidatos a professores terão que, depois de um ano de estágio, ser submetidos a uma prova de língua portuguesa (correcção da expressão, articulação lógica de ideias, sintaxe e até morfologia), comum a todos os candidatos, e mais uma ou duas provas teóricas e práticas, consoante o grupo disciplinar a que se candidatam.

Os sindicatos - quais baluartes da advocacia docente - já se manifestaram... Mas mal, mais uma vez. A única coisa que parece que interessa dizer, quando se trata de reforma do sistema de ensino e, portanto, dignificação de uma profissão que está fortemente deprimida (e não apenas pela mão dos ME!), é que o governo só está a preparar-se para poder dizer que já não haverá desemprego nos professores - afinal, são apenas candidatos a professores. O argumento é ridículo. Se toda a gente quiser ser sindicalista, basta querer (ou não ter mais nada para fazer)? Não necessita de qualquer qualificação ou competência específicas? Há lugar para todos?

A questão é esta. Um dos problemas - note-se: um dos e não o problema - da educação hoje em Portugal é a desadequação profissional e ética de muitas pessoas que ocupam lugares de professores, mas que, por várias razões (incluindo razões políticas, de más políticas, permissivistas, ao longo do tempo), não têm um desempenho à altura da missão que deveriam cumprir, com óbvios incómodos para os próprios, para colegas e alunos. E a missão a cumprir é de elevada importância e de complexidade de execução não menos elevada. Assim, se é muito importante que os nossos filhos tenham uma boa preparação escolar ao longo da vida, desde o jardim de infãncia, então é necessário um forte incentivo e obrigatoriedade para a qualificação elevada dos candidatos a professores.

Depois, do lado dos professores isto só pode ser considerado uma boa medida para contrariar a depressiva forma de ser e estar, que assaltou a profissão nos últimos anos. Ter que se preparar devidamente, mesmo depois de uma formação universitária inicial de base específica, para aceder a uma profissão tão (profissionalmente) aliciante quão fulcral para a sociedade, só pode ser altamente motivador, porque dignificador. Se para se ser médico é necessário percorrer todo um sistema de aprendizagens, avaliações e selecções; se para se ser juiz é necessário todo um conjunto de difíceis provas de avaliação e selecção; para se ser advogado, idem...; porque razão os que verdadeiramente sabem e sentem o que é ser professor não se congratulam com esta redignificação da profissão? Se esta medida recolocar a profissão docente de onde ela nunca deveria ter saído, já cumpriu uma boa parte da sua finalidade, que é melhorar a educação e o ensino.
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O que os sindicatos deveriam demonstrar é que, se o governo pretende - e bem - redignificar a profissão docente e elevar o nível de qualificação e, portanto, de desempenho dos professores, então deverá assumir o compromisso da consequente actualização das tabelas salariais, em conformidade com a exigência de excelência profissional!

Quanto ao argumento invocado de que esta medida porá em causa a formação universitária inicial, mais uma vez os sindicalistas não estão a fazer uma análise correcta. Pois o que está em questão, muitas vezes, é mesmo essa formação inicial! Esta pode ser e será uma medida altamente motivadora para as universidades começarem (as que ainda não procedem assim) a estruturar os seus cursos e sistemas de avaliação de modo mais exigente, de modo a adequarem-se às efectivas necessidades do mercado de trabalho, ideia que é, há muito, consensualmente tida como benéfica para a vida das academias.
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Do lado do professor, os problemas da educação resolvem-se, pois, assim: mais exigência de competências iniciais e contínuas, para motivar, desde logo, para uma verdadeira profissão de quem deverá ser um eterno "estudante" (e, sendo-o, não terá qualquer sentimento negativo em prestar provas), e, depois, naturalmente, criar condições remuneratórias para atrair, de facto, os melhores.

Para se ser professor é, pois, necessário ser-se bom. Não se vê nisto qualquer mal, bem pelo contrário. E é isto que os professores têm verdadeiramente que demonstrar - na sua acção e pensamento - aos responsáveis políticos e à sociedade em geral!

O problema está, contudo, por atacar convenientemente, a partir de outras perspectivas: do lado dos encarregados de educação e do aluno e do lado das finalidades (programas e orientações didáctico-pedagógicas) da educação.

A haver alguém que se arrogue verdadeiro representante dos professores, não se poderá eximir a esta análise mais aprofundada, sob pena de não escapar ao mais esconso populismo demagógico.

segunda-feira, 21 de janeiro de 2008

A (tentativa de) democratização da ópera

Estreia no próximo dia 25, sexta-feira, no Teatro Nacional de São Carlos, a ópera “Das Märchen” ("O Conto" – texto de Göethe), do compositor português Emmanuel Nunes.

Além do interesse musical – trata-se da primeira ópera de um dos maiores compositores portugueses vivos e com maior projecção internacional –, interessa também analisar a iniciativa de a estreia ser projectada em mais 14 salas de espectáculos pelo país fora. Assim, de Aveiro a Vila Flor, passando pelas ilhas, o conto operático poderá ser visto, através de um ecran gigante e com legandas em português, em directo, noutros locais, que não a centralizada Lisboa.

Boa ideia. Mas irá perder-se muito da (na feliz expressão do grande Richard Wagner) Gesamtkünstwerke – “obra de arte total”: música, canto, teatro, bailado, até mesmo pintura! Perder-se-ão, sobretudo, duas coisas: a tridimensionalidade da encenação e a presença dos cantores/actores e bailarinos; e a inigualável envolvência do som, que provirá do fosso, qual avassaladora garganta sonoplástica, de importância fulcral na ópera.

A tentativa de democratizar certas manifestações culturais mais complexas (intelectual, mas também logística e financeiramente falando) é sempre polémica e pode não sair do plano das boas intenções. A propaganda política não chega para inculcar no São Carlos uma vertente de serviço público!


De qualquer modo, é, logo à partida, louvável o esforço de fazer chegar a mais pessoas uma das mais belas, complexas e intensas – pois, colossais – obras de arte, de que o ser humano revelou ser capaz. Uma récita num São Carlos é uma experiência inigualável e irrecriável por meios virtuais. Mas o centralismo das manifestações culturais (sobretudo em Lisboa), que excluem outras pessoas, de outros espaços geográficos, da fruição de tão exaltante manifestação artística pode valer, ainda assim, a pena. Se suscitar interesse nos neófitos, já terá valido. A ver.

Parabéns à Lello!

O The Guardian agraciou a Livraria Lello, no Porto, como a terceira mais bela do mundo. Parabéns! (A vaidade lusa é também uma vaidade - e, pelo menos, não é cinzenta - e a vaidade constitui também a natureza humana. Assim saibamos doseá-la!).

Penetrar no esplendor da sua arquitectura gótica, sob o olhar esfíngico de Eça ou Antero, ascender na encruzilhada da sua escadaria sumptuosa (como o saber e a cultura humanas), é talvez das mais belas sensações que possamos fruir! Faz lembrar aquilo que o filósofo utilitarista inglês do séc. XIX, John Stuart Mill, queria dizer quando dividia os prazeres em superiores e inferiores. Trata-se um prazer estético estar naquele local. Mas também nos projecta para o prazer intelectual da leitura, da interpretação e do conhecimento. E são sensações elevadas, com certeza. (Pena é que, maioritariamente, para turistas estrangeiros!)

O livro continua a encerrar momentos únicos, sui generis, que dificilmente poderão ser igualados pelos novos meios, tanto de leitura, como de aquisição!

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Fundamentalismo "laico"

A forma de actuação de estudantes e, sobretudo, professores universitários perante o anúncio da presença de um membro da Igreja Católica, o Papa (e mesmo que sendo este, em particular!), na abertura solene da Universidade da Sapienza, em Roma, revela um profundo mal-estar endémico da sociedade pseudo-esclarecida contemporânea. (Veja-se notícia.)

O argumento de que a presença de Bento XVI seria atentatório da laicidade da Universidade é ridículo e enferma de ignorância conceptual: laicidade é a característica de uma instituição que é autónoma face a quaisquer poderes políticos ou religiosos; ora, laicismo não significa intolerância religiosa -- pode ser-se imune a pressões religiosas e, justamente porque se está fortalecido de crenças e princípios éticos racionalmente fundados, não se atormentar com qualquer diálogo com um religioso... nem esperar grandes pressões dele!

Mas, o triste episódio, em nada dignificante para uma instituição académica, que se caracteriza antes de mais justamente por uma profunda liberdade na discussão de ideias, de investigação e conhecimento, revela, desafortunadamente, uma profunda falta de bom senso, sobretudo de académicos, perante o facto da vida social, que exige princípios éticos de tolerância e respeito pela liberdade.

Mas é ainda revelador do problema da especialização científica, que afunila saberes e não permite uma abordagem mais abrangente e esclarecida do real. Trata-se do problema dos limites da ciência, há muito apontados por filósofos e sociólogos. Contudo, alheios a estas posturas críticas e compreensivas do fenómeno científico, muitas pessoas, com uma formação filosófico-liberal, no fundo, deficitária, entronizam desesperadamente a ciência de forma absoluta e irracional, extravasando assim os limites da racionalidade desejável e degenerando numa atitude fundamentalista, que se exprime no facto, não só de se esquecer outras abordagens filosóficas e até religiosas do mundo, bem como perspectivas éticas da ciência, mas, sobretudo, no facto de uma perigosa e contraditória atitude política anti-liberal.

Em suma: qualquer ateu convicto não necessitaria de nenhuma manobra política virulenta para travar qualquer discurso religioso. Mesmo o conservador Ratzinger deveria ser ouvido e... refutado, com toda a natural e paciente serenidade de quem se deixa conduzir pela força do pensamento crítico e desinteressado!

Uma das grandes conquistas da Modernidade é, afinal, a de que a liberdade de investigar, pensar e exprimir ideias é a grande arma contra a ignorância, porque dinamizadora de conhecimento. E o caso Galileu (absurdamente alegado!) foi, justamente, um dos ícones dessa atitude contra a liberdade científica. Não se vê qualquer boa razão para nenhuma vingança!

quinta-feira, 17 de janeiro de 2008

Educação liberal... com futuro!

E. O. Wilson, professor ao longo de quatro décadas em Harvard, defende, numa obra recentemente traduzida para português e editada pela Gradiva, uma educação liberal, hoje, mas com destino ao futuro!

Trata-se de uma enunciação daquilo que a sua experiência, estudo, meditação e espírito crítico lhe renderam em termos de princípios fundamentais do ensino – no seu caso, da Biologia, mas que se aplicam, em geral, a muitas outras áreas do saber.

Aperitivos:

«Ensinar top-down (do geral para o particular). Se aprendi alguma coisa em quatro décadas de experiência, é que a melhor forma de transmitir conhecimentos e de estimular o raciocínio é ensinar cada assunto do geral para o específico. Abordar uma questão genérica, à partida interessante para os estudantes e relevante para as suas vidas, depois descascar camadas de causalidade, de acordo com o conhecimento corrente e com detalhe técnico e argumentação filosófica crescentes, para ensinar e provocar. Explicar, por exemplo, o envelhecimento e a morte o melhor possível com o conhecimento adquirido pela evolução, pela genética e pela fisiologia e depois explorar as consequências para a demografia, as políticas públicas e a filosofia.»

«Centrar-se na resolução de problemas. Se a abordagem do geral para o particular funcionar, e funciona, e dada, além disso, a convergência e fusão de disciplinas, a melhor forma de abordar a educação geral no futuro seria ser menos orientada para as disciplinas e mais orientada para problemas.»

«Ir fundo e longe. Ao chegar ao segundo ano, todos os alunos do ensino superior deveriam ter começado a pensar estrategicamente sobre a sua própria educação. O melhor padrão a seguir tem a forma de um T. O eixo vertical representa o aprofundamento numa especialidade e a barra horizontal a variedade de experiências obtidas a partir de uma educação liberal. A especialização serve para um ofício ou como preparação para os estudos de pós-graduação. As artes liberais contribuem para a flexibilidade e a maturidade do intelecto.»


E, at last but not least,

«Dedicar-se. Voltando à paixão como motor da aprendizagem, a dedicação de um professor é mais eficaz quando manifestada tanto na arte de ensinar como na demonstração de amor pelo objecto em si mesmo. Os estudantes do secundário e do ensino superior procuram a sua identidade pessoal, mas anseiam também por uma causa maior do que eles próprios. De alguma forma, alcançarão ambas. estas marcas de maturidade, a um nível rudimentar ou elevado. De caminho, precisam de mentores em quem possam acreditar, heróis para emular e façanhas que sejam reais e que perdurem.» (Via filedu.)


Uma pequena pérola da pedagogia crítica, arreigada em experiência e… resultados: Wilson foi galardoado, algumas vezes, como melhor professor em Harvard… e os seus mais implacáveis juízes – os sempre críticos alunos – atribuíram-lhe sempre avaliações muito positivas!
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Afinal, até há receita! Falta, muitas vezes, verdadeira e genuína vontade de cozinhar.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Melhor gestão das escolas... com menos professores?! O teatro de sombras continua

A proposta de “Regime Jurídico de Autonomia, Administração e Gestão dos Estabelecimentos Públicos da Educação Pré-Escolar e dos Ensinos Básico e Secundário” está em tempo de discussão pública (veja-se no JN). Primeira nota: este período foi iniciado durante a interrupção lectiva do Natal e... já está a terminar; o tempo concedido para discutir (leia-se: reflectir, ponderar e manifestar opinião) tema tão importante e complexo como este é manifestamente curto; a hipocrisia do estilo pseudo-democrático de quem quer parecer que dialoga é já lugar-comum... Afinal, a decisão está tomada!

Mas qual a proposta? No essencial, três coisas.

1. As escolas terão um novo modelo de gestão, que terá um Director em vez da já longa (30 anos) direcção executiva. Argumento central: as escolas precisam de uma autoridade pessoalizada, que faça cumprir o projecto educativo e... faça funcionar cabalmente a escola. Comentário: é verdade, com certeza, que em muitas escolas falte alguma autoridade para fazer cumprir práticas pedagógicas e organizacionais, que, em muitos casos, padecem de falhas técnicas básicas, completamente incompreensíveis e inadmissíveis. (Sejamos sérios: é natural que alguns professores não gostem desta figura que aí vem! Mas quem cumpre, mais facilmente viverá com ela; quem não cumpre, quer-se que passe a cumprir.) Talvez a figura de director (intimidatória/autoritativa, bem à portuguesa?) pareça vir a resolver este problema. Se o resolver, tanto melhor. De qualquer modo, não me parece ser este o problema de fundo. Com director ou com colégio directivo o que é necessário é gerir bem as escolas – fazer aplicar a lei e as directivas aprovadas.

2. A transformação da Assembleia de Escola – órgão (talvez utopicamente democratizante) de reflexão sobre as finalidades a alcançar e objectivos estratégicos a implementar pela escola – em Conselho Geral, em que figurarão representantes da sociedade civil (empresários, autarcas, encarregados de educação...) e professores, que, todavia, serão restringidos a cerca de 30% ou 40% dos lugares! Argumento da tutela: diminuir a representatividade dos professores neste órgão tem como finalidade reforçar a participação das famílias e comunidades na direcção estratégica das escolas. Comentário: está por demonstrar (teoricamente e com dados empíricos) que a presença maioritária destes elementos (sublinhe-se: maioritária; de acordo com a presença e, portanto, corresponsabilização da comunidade educativa), naturalmente desqualificados para tomarem decisões em matéria tão exigente e complexa, como é a educação (mesmo que sejam decisões de âmbito estratégico), podem necessariamente melhorar a resolução dos problemas educativos das escolas!

3. Finalmente, o Conselho Pedagógico – órgão de carácter técnico, onde se discutem questões técnicas, que supervisiona a qualidade técnico-pedagógica da implementação das medidas aprovadas pelas instâncias directivas – manterá representantes de encarregados de educação e, no caso do secundário, de alunos. Comentário: não se vê como é que pais e até alunos possam tomar parte realmente activa e verdadeiramente integrante num órgão com estas atribuições, já que para nele tomar assento é imprescindível um perfil de competências técnicas. Ou não será?! Mesmo que a presença maioritária de actores da sociedade civil, não-professores, fosse, a priori, benéfica no Conselho Geral das escolas, não se percebe por que não se aposta, nesse caso, num forte Conselho Pedagógico, em que deveriam, naturalmente, ocupar lugar os melhores professores e outros técnicos educativos, de preferência e quando possível, com perfil e curriculum especializado em matérias especificamente pedagógicas!

Ora, o que está aqui em questão é, muito simplesmente, por um lado, a continuidade do experimentalismo socialisto-pedagógico irresponsável, com a sua forte componente populista e demagógica, que parece tudo resolver e (quase) tudo vai complicando, e, por outro lado e em concreto, a continuidade das políticas segregacionistas face aos professores, numa política facilitista do bode expiatório – já que os professores (todos!) não percebem nada (nem virão a perceber, contradição que se estranha, pois a reforma do estatuto da carreira docente teria esta finalidade maior – fazer com os professores melhorassem o seu desempenho!), então vamos “salvar” a escola, reforçando os seus órgãos especializados centrais (Conselho Geral e até, num certo sentido, Conselho Pedagógico) com a presença de outros cidadãos não-professores, que, esses sim, resolverão tudo o que os inúteis professores não serão capazes de resolver!

O carácter altamente demagógico desta, mais uma, nova medida legislativa do governo socialista, em matéria educativa, e a forma falaciosa com se tenta fundamentá-la, consiste exactamente em esquecer que a educação (a teoria e a prática!) é das problemáticas mais complexas que o ser humano tem em mãos. De facto, não há muitos que saibam o suficiente de educação para tomar decisões com base em certezas (haverá alguém?) e muito poucos são aqueles que detêm uma consciência (in)formada do quanto ignoram ainda acerca deste tema. Então, se aqueles que mais podem saber, mesmo que ainda poucas certezas tenham, não sabem nada de educação(!), que saberão/poderão aqueles que, estando efectivamente fora do sistema educativo, como na realidade estão, têm ainda menos possibilidades de identificar/enfrentar problemas e reflectir e arquitectar soluções?

Imagine-se o que seria entregar um Conselho Superior da Magistratura a não-magistrados! A aplicação da justiça, coisa difícil, funcionaria melhor se representantes de criminosos, de empresários, de políticos, de cidadãos comuns... fizessem parte de um órgão judicial consultivo? E uma direcção clínica de um hospital, que dizer se nela tivessem lugar representantes de doentes, autarcas, professores...? A administração da saúde melhoraria? E se, para decidir da localização do novo aeroporto de Lisboa, se reunisse uma comissão consultiva que integrasse, na sua maioria, cidadãos não-técnicos, não especialistas na matéria? Talvez não seja difícil perceber imediatamente o carácter absurdo desta ideia ridícula. Porque não é assim quando tal ideia é aplicada à educação?

Portanto, o alvo desta nova lei, intencionalmente ou não, é, incompreensivelmente, continuar a denegrir o estatuto do professor na nossa sociedade e fazer passar a ideia, altamente perversa, de que a responsabilidade única dos principais problemas da educação em Portugal é dos professores! Quanto ao essencial – resolver os problemas educativos –, fica quase tudo na mesma.

Ter ideias novas não é problema. O problema é pensar que as ideias, por serem novas, são inquestionavelmente boas ideias. Em matéria de educação (como noutras) não precisamos de ser e penso mesmo que não devemos ser conservadores nas ideias. Mas precisamos de ideias, não só reformadoras, mas sobretudo seguras, que não coloquem em causa todo um sistema – actualmente muito mais desestabilizado do que aquilo que se possa pensar – de importância fulcral para o futuro das pessoas. Talvez seja por isso, que, tanto à esquerda como à direita, no governo ou na oposição, não se vislumbrem boas ideias!

Reflexão de ano novo... sobre educação (ainda a tempo?)

"Abandono"
(Dezembro 2007)
© Miguel Portugal

Os mais salientados problemas – já clássicos – do país são, como se sabe, a economia, a justiça, a saúde. A educação é também, quiçá ombreando com os problemas sócio-económicos, uma das áreas em que mais urge intervir consequente e coerentemente, embora não haja muita gente a referir-se-lhe com a devida propriedade e profundidade, muito menos propondo hipóteses de solução fundamentadas e exequíveis. O que, aliás, se compreende, uma vez que não é – embora a muitos, incautos, assim pareça – uma área nada fácil de abordar com profundidade, rigor e, portanto, seriedade. Mas há que corresponder ao convite kantiano: “sapere aude!” (“ousa pensar!”) Ousemos.

Educar é alimentar, aqueles que nascem plenos de potencialidades desenvolvimentais e possibilidades de ser – de serem humanos, coisa que só poderão almejar, justamente se aprenderem. Neste sentido etimológico, a educação é a actividade humana por excelência, impregnada de entrega e dádiva, num complexo conjunto de actos de generosidade para com o outro, que permite a perpetuação da humanidade enquanto tal.

Educar é socializar – introduzir os neofitos nos hábitos e costumes da sociedade em que nascem, transformando progressivamente os seus comportamentos biologicamente determinados com que nascem em comportamentos valorizados pela sociedade dos adultos socializados. Educar é normalizar – incutir na criança um conjunto de regras e normas de convivência interpessoal, baseados nos valores mais caros à sociedade e, portanto, cultivados por esta.

São os agentes de socialização (pais, escola, grupo de pares, mass media) que incutem comportamentos, normas e valores.

A educação é de tal importância, que se criou uma instituição para a completar – a escola: um espaço e tempo em que se transmitem às crianças e jovens, sobretudo as artes, técnicas e ciências existentes no seu tempo, com o intuito não só ou não tanto de perpetuar artes, técnicas e saberes, mas, mais importante do que isso, com o intuito de humanizar.

A complexidade da educação deu, inclusivamente, origem a uma reflexão filosófica (Filosofia da Educação), a uma arte (a pedagogia) e, hoje, às Ciências da Educação.

Uma das maiores, mais complexas, mas também mais desejáveis revoluções escolares foi a democratização do ensino. É altamente desejável que todas as crianças e jovens, de todo o mundo, independentemente da proveniência social, económica, cultural e étnica possam ter contacto com o saber humano existente ao tempo.

Os problemas de exequibilidade desta ideia são, todavia, imensos. Constitui uma das aporias da educação: a escola deve ir à procura de todos ou todos devem ir à procura da escola? É possível encontrarem-se a meio caminho?

O que se passa hoje na escola portuguesa é uma profunda desorientação em termos de filosofia e política da educação. Ninguém sabe muito bem o que é ou que deve ser o serviço público de educação. A ideologia mais socializante, que se tem entranhado no ME nas últimas décadas, tem-se deixado embarcar nas ondas modais das novas pedagogias do contrato pedagógico com o aluno, da sobrevalorização dos meios em detrimento dos fins, das competências despidas de conhecimentos e o resultado tem sido o consequente e óbvio facilitismo, que consiste em fazer passar a ideia ingénua e perniciosa de que todos podem aprender tudo, não aprendendo, tendencialmente, quase nada!

As crianças e jovens de proveniências sócio-económicas mais favorecidas acabam por não sofrer tanto a influência nefasta desta onda pedagogia, que forma pouco e não instrui praticamente nada, uma vez que frequentam as melhores escolas (privadas e mesmo públicas), em que tais pseudo-experimentalismos ideologicamente teimosos e cientificamente infundados não colhem. Por seu lado, os mais desfavorecidos, ganham apenas uma melhor socialização – quando é o caso –, pois, como não estão tão bem preparados, ab ovo, para aprender, desce-se o nível, ensina-se pouco, avalia-se menos e aqueles, os mais famintos, os que mais precisavam, são, ainda assim, os que menos têm da escola. Em suma, um maior cuidado na aplicação da pedagogia do contrato (que não é, necessariamente, um mal em si!), um maior rigor na avaliação (avaliar é orientar boas, correctas aprendizagens – como é possível ainda termos que relembrar isto?!) de conhecimentos e competências (e não apenas de competências vazias!) e, portanto, uma maior exigência de resultados beneficiará todos os alunos, mas ainda mais, justamente, aqueles que mais precisam de aprender, aqueles cujo sucesso na vida está irremediavelmente dependente da escola, daquilo que os professores lhes ensinarem e fizerem aprender.

Para se conseguir tal desiderato, há que apostar:

1. Na formação pedagógica e científica, no empenho e dedicação e perfil dos professores, coisa que poderá começar a acontecer – e tal não é certo – também (embora a formação inicial seja outra vertente a não assumir como não problemática) com o novo regime de avaliação de desempenho dos professores.

2. Nas condições sociais de base, com que deverão ser dotadas as crianças, para que se possam adaptar melhor ao processo de ensino-aprendizagem. Nisto, a família tem falhado, sobretudo ao nível da actividade socializadora, normalizadora, disciplinadora e orientadora. O que seria de esperar, do poder político, era uma forte campanha de sensibilização, mas também de exigência, no sentido de que cada encarregado de educação seguisse as instruções dos técnicos educativos (psicólogos, assistentes sociais e professores) para melhorar (o que é sempre possível!) as condições de aprendizagem dos seus educandos. As crianças (e os encarregados de educação, enquanto tal) também precisam e merecem novas, mas reais, oportunidades!

3. Mas haveria que apostar também – e isto é, actualmente, o maior falhanço político – numa decidida e factualmente verídica mentalidade de empreendedorismo qualitativo e verdadeiramente qualificado das pessoas, a fim de melhorarem efectivamente as suas vidas e a dos seus filhos. Claro que este clima de permissivismo alienador e populismo serôdio – que afecta mais profundamente os mais desfavorecidos – em nada contribui para esta necessária mudança, antes continua a iludir, a adiar e entravar o caminho em direcção a uma vida satisfatória para milhares de seres humanos, que está dependente da possibilidade de virem a assumir um papel na sociedade e cultura (papel esse, que concederia liberdade económica, social, cultural, em suma, humana!), coisa só conseguida através de uma boa educação/formação/instrução!

Ainda iremos a tempo?! A questão talvez seja – ainda haverá competência e energia?

sábado, 12 de janeiro de 2008

"The BioDaVersity Code!"

Eis um excelente cartoon da WWF – global environmental conservation organisation (via 4R quarta republica). Parodiando o “Código Da Vinci” e, simultaneamente, apostando na sua visibilidade pública, trata-se de uma fábula sobre a importância da biodiversidade, com bom suporte científico, uma forte componente pedagógica e uma clareza esclarecedora. Evidencia, de forma simples, a tese central da shallow ecology (“ecologia superficial” ou “ambientalista”) – o cuidado pela Natureza tem como fim último a preservação do próprio Homem –, escapando, assim, ao radicalismo do fundamentalismo verde de uma certa ecologia contemporânea. A não perder – para miúdos e… tantos graúdos!

quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Europa sem cidadania

O PM José Sócrates – o mesmo que conseguiu o feito, com certeza importante, da assinatura do Tratado de Lisboa – alegou hoje que Portugal não poderia ratificar o tratado por via referendária, porque tal poria em causa a legitimidade das ratificações parlamentares dos outros países, como que seria um mau exemplo para os outros. Não se compreende como a forma de ratificação de um tratado, coisa que pertence (ainda?!) à soberania de cada estado membro, pode interferir com a soberania ratificadora de outros estados; bem como não se compreende como um exemplo de democracia directa (leia-se: mais genuína, dado o que está em questão) poderia ser um mau exemplo – quando o resultado até seria uma vitória do “sim”! – para um arranjo político debilitado, justamente, por défice democrático!

O argumento de fundo de José Sócrates para decidir a ratificação parlamentar é, justamente, revelador do que está em jogo: a subserviência (repare-se na pressão dos seus congéneres europeus), despropositada, de Portugal – como país pequeno – no contexto do dirigismo tecnocrático distante dos cidadãos e da cidadania, que governa já hoje a Europa.

Cheia de contradições e golpes de retórica, a argumentação do PM não convence, na substância, por que não devem ser os portugueses a decidir.

Para além da promessa eleitoral, inequívoca, mas, sobretudo, do referendo vir a funcionar como um instrumento político que devolveria cidadania e esperança aos europeus, há ainda uma outra razão de fundo: se não se trata, por exemplo, de Mastricht (tratado fundador da União), Lisboa não deixa, por isso, de ser um Tratado Constitucional – um documento que institui, juridicamente, princípios fundamentais de distribuição de poder, direitos, liberdades e garantias dentro de uma comunidade politicamente ordenada (como sejam: a regra da maioria qualificada, a Carta dos Direitos Fundamentais e o novo quadro institucional, que é, em suma, o que partilha o Tratado de Lisboa com o “rejeitado” Tratado Constitucional).

Esta será, pois, uma Europa dos dirigentes e dos dirigidos, ao invés de uma Europa dos cidadãos livres, que, apesar de escolherem naturalmente os seus representantes governamentais, teriam o igual interesse, motivação e esclarecimento de poderem participar nas decisões constitutivas de fundo. É claro que a ratificação (parlamentar) do tratado pode muito bem ser o princípio do fim da livre (se participada) construção europeia!

sábado, 5 de janeiro de 2008

Ameaça terrorista anula Lisboa-Dakar

A inteligência luciférica terrorista chegou ao desporto de projecção ocidental. O rali Lisboa-Dakar 2008 foi anulado. É uma pena. Trata-se de uma importante e interessante prova desportiva de todo-o-terreno -- que, apesar de todo o actual apoio tecnológico, permanece ainda uma aventura --, com projecção internacional, que movimenta grandes investimentos e continuaria a dar projecção ao nosso país, de onde partiria mais uma vez.

O terrorismo combate-se com a coragem de não sentir medo e não deixar de viver a vida com tranquilidade. Mas foi, obviamente, uma decisão sábia da organização, dada a credibilidade das ameaças da célula magrebina da Al-Qaeda à caravana dos aventureiros.

Manuais que não fazem aprender!

Um estudo de fundo sobre a qualidade de 12 manuais escolares de Língua Portuguesa do 4.º ano de escolaridade, realizado por Maria Regina Rocha, professora da Escola Secundária José Falcão Coimbra, vertido na sua dissertação de mestrado, apresenta conclusões preocupantes, embora não surpreendentes:
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1. escassez de propostas de actividades que levem os alunos a interpretar os textos e a identificar informação que não seja explícita;
2. um número limitado de textos presentes nos manuais;
3. a pouca diversidade de géneros literários;
4. textos originais mal adaptados e sem referências à fonte;
5. e a inexistência de um corpo de autores de referência a ser indicado pelo Ministério da Educação.
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Portanto, conclui o estudo, a maioria destes manuais, adoptados em 94% das escolas portuguesas, não contribui para que os alunos compreendam o que lêem, constituindo este factor «uma das principais razões para o mau posicionamento do nosso país nos índices internacionais de competências literárias na leitura».
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É perfeitamente compreensível que estes manuais não criem quaisquer hábitos nem competências de leitura nas crianças, o que, num nível de escolarização básico, pode inviabilizar ou atrasar a aprendizagem dessas competências e hábitos fundacionais e determinantes para o seu futuro escolar.
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Revelam como o empenho de alguns autores (e editoras?!) de manuais escolares não é satisfatório e colocam em questão as suas próprias competências científico-pedagógicas. Mas o mais importante é não escamotear o essencial: trata-se uma grave falha de fundo, uma falha técnica -- consequência da orientação filosófico-educativa inspirado no paradigma romântico e construtivista ingénuo -- do ME na preparação e elaboração dos programas e, em suma, de uma falha das políticas socialistas permissivistas e ineficazes do governo em matéria tão importante como é a educação e, em particular, a aprendizagem de competências básicas de literacia da língua e da leitura.
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Numa fase fulcral da vida do país, continuamos a marcar passo!

quinta-feira, 3 de janeiro de 2008

"Jarbas... manda ligar a água!"

"In memoriam"
(Linha do Tua, Agosto de 1997)
© Miguel Portugal

A febre das barragens, aduçada com uma calda de populismo para incautos e regada com uma já velha colheita de pseudo-dever cumprido na obra feita erguerá mais uma barragem. No caso, a da Foz do Tua. Mais uma vez, um conflito de valores em questão. Mais uma vez, a mesma teimosa incapacidade de ponderação. Em causa está, talvez sobretudo, um dos mais belos percursos ferroviários do mundo! (Para mais sobre o tema, neste blog, veja-se aqui.) Em causa está apenas uma das fontes de receitas mais limpa, de baixos custos e importantíssima para a região -- o turismo! Do outro lado dos argumentos, mais produção energética, cujo aumento, todavia, não parece ser suficientemente significativo para ombrear com o que se perde com a construção da barragem.

O curioso nesta história é que na margem direita do rio irrompeu já um estradão para a EDP e a Construtora Teixeira Duarte fazerem estudos geológicos para a implantação do paredão da barragem; e na margem esquerda, a Refer continua a investir nas obras de reabilitação da linha ferroviária do Tua, que, a ser construída a barragem (ainda não há decisão!), vai ficar parcialmente submersa! Sim, é no mesmo rio! E sim, é em Portugal. (Será que eles não se falam?!) O próprio Ministro do Ambiente já dá como certa a obra, curiosamente, mesmo antes de tomada a decisão quanto ao seu impacto ambiental! E tudo isto... com uma leviandade confrangedora!
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Compreende-se, pois, a indignação do autarca de Mirandela, o social-democrata Dr. José Silvano, que, tirante os membros das organizações ambientalistas, tem sido uma das poucas vozes criticamente lúcidas nesta matéria. Não se compreende é o silêncio, a este propósito, dos dirigentes do seu partido!

Mau exemplo... com fumo!

O facto de o presidente da ASAE, Dr. António Nunes, ter fumado no Casino Estoril, na madrugada do primeiro dia do ano e da entrada em vigor da lei anti-tabaco, está envolto... em fumo! A desculpa é de teor jurídico e quer fazer-se crer que, como qualquer lei, esta também está sujeita à pluralidade interpretativa. Alega-se que a lei do jogo excepcionaliza automaticamente as salas de jogo face à lei anti-tabaco. Mas, segundo a jurista da DGS, Nina de Sousa Santos, responsável pelo estudo interpretativo do diploma, «os casinos e as salas de jogo estão abrangidos pela nova lei do tabaco. Esta estabelece como princípio geral o limite do consumo do tabaco em locais fechados de utilização colectiva e, portanto, sendo os casinos e salas de jogo recintos fechados não podem deixar de ser incluídos na lei» (daqui). Incontroverso, portanto!

Para além dos factores psicológico-biológicos, atendíveis, inerentes ao tabagismo (dificuldade de suster o vício!), o que está em questão é a (in)capacidade ética de desempenho exemplar de funções públicas. Não é admissível que um alto dirigente de uma instituição pública fiscalizadora de uma lei polémica, dada a sua radicalidade (não se discute a sua substância), como é o caso desta, seja dos primeiros a incumpri-la! É que, tratando-se de uma lei que coloca frontalmente em causa a liberdade individual (embora limitada, e penso que bem, por força da colisão com a liberdade/saúde do não-fumador), seria de esperar, isso sim, um maior cuidado no respeito por esta mesma liberdade, agora limitada, por parte sobretudo de quem deveria ser dos primeiros a dar o exemplo.

Afinal, este é o país real que temos, mas não queremos ter, em que altos dirigentes se sentem protegidos, qual terceiro-mundo, no incumprimento da lei... que, vale a pena lembrar, é geral e universal!

Tratou-se, pois, de uma intolerável falha ético-deontológica, de quem se esperaria exemplaridade. Os portugueses em geral, sobretudo os jovens (alvo ético privilegiado desta lei!), necessitam e merecem melhores exemplos!

quarta-feira, 2 de janeiro de 2008

O discurso do apelo à equidade

O auto-elogio deselegante do discurso “natalesco” do Primeiro Ministro não resolve os problemas do país, esconde mal as indefinições político-estratégicas do governo e nada pode contra as incompetências políticas (não necessariamente técnicas) de alguns ministros.

Por seu lado, o Presidente da República fez o discurso que se lhe devia esperar. No seu habitual tom conciliador acabou por fazer, todavia, as devidas chamadas de atenção – como lhe compete – às indefinições políticas do governo: à cabeça, o desnorte nas políticas de saúde; depois, a situação económica, ainda aquém do que seria de esperar (com tantos cortes orçamentais, vai-se fazendo menos/pior com menos dinheiro!); e, at last but not least, o obstáculo ao desenvolvimento que é ainda a justiça e a (ainda) vergonha dos resultados na educação.

O discurso do PR só pecou por um truísmo, que no entanto se encaixa no seu estilo: é completamente inconsequente afirmar-se que alguma coisa já foi feita nesta ou naquela área (justiça e educação, por exemplo), pois é justamente essa a função de qualquer governo minimamente competente, ainda mais se se tratar de um governo, como é (ou deveria ser) o caso, reformista!

O que importa é que o PR afirma que mais deve ser feito, sobretudo naquelas áreas fulcrais para o desenvolvimento do país. E o interessante é que o PR coloca sobre a mesa política dois avisos que me parecem de extrema importância.

1. O primeiro está relacionado com a obrigação do governo – através, principalmente, do PM – comunicar, de modo esclarecedor e convincente (sem malabarismos sofísticos!), as finalidades das medidas políticas empreendidas. Afinal, trata-se de – coisa muito fácil – dizer às pessoas por que razões devem fazer sacrifícios. No caso, por exemplo, da saúde, não se pode simplesmente encerrar unidades de cuidados de saúde, sobretudo no interior estruturalmente cada vez mais desertificado do país, sem a responsabilidade fundamental de explicar muito bem às pessoas por que se o faz, para que se o faz e sem a humildade de acolher sugestões e críticas e sem a sensibilidade para ponderar os problemas reais das pessoas.

2. O segundo aviso, elegantemente velado, é o de que talvez esteja a soar a hora da equidade sócio-económica, de facto! Este é um ponto importantíssimo no seu discurso, pois os intoleravelmente altos salários de gestores públicos e privados em grotesca discrepância face aos salários dos outros trabalhadores (e funcionários do estado) instaura um clima de quase impaciente indignação na sociedade.

É claro que a questão da justiça distributiva é um dos mais controvertidos da filosofia política. Mas não há organização política justa possível, sem um mínimo de equidade, sem medidas que possam conciliar a liberdade (o mérito individual) e a igualdade (as condições de igual oportunidade). Como se pode “apertar o cinto” e aceitar ao mesmo tempo desigualdades completamente arbitrárias de rendimentos, situação característica de terceiro-mundo? Como se pode produzir mais eficientemente com baixos salários, se os gestores da mesma empresa ou instituição (banca, autarquias, só para dois exemplos) recebem salários injustificadamente principescos? Como se pode ensinar e educar com o máximo (e cada vez mais exigido) rigor e empenho nas nossas (organizacional, social e pedagogicamente) atrasadas escolas, quando os professores (coisas reles e inúteis!) vêem as suas carreiras (e salários!) estagnadas há mais de dois anos e o seu prestígio (apesar de tudo) inadmissível e inconsequentemente abalado por incompetência político-comunicacional da tutela?

Afinal, o Presidente ainda preside. Espera-se apenas agora uma mais atenta e firme vigilância face ao período eleitoralista que se avizinha.