sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Fundamentalismo "laico"

A forma de actuação de estudantes e, sobretudo, professores universitários perante o anúncio da presença de um membro da Igreja Católica, o Papa (e mesmo que sendo este, em particular!), na abertura solene da Universidade da Sapienza, em Roma, revela um profundo mal-estar endémico da sociedade pseudo-esclarecida contemporânea. (Veja-se notícia.)

O argumento de que a presença de Bento XVI seria atentatório da laicidade da Universidade é ridículo e enferma de ignorância conceptual: laicidade é a característica de uma instituição que é autónoma face a quaisquer poderes políticos ou religiosos; ora, laicismo não significa intolerância religiosa -- pode ser-se imune a pressões religiosas e, justamente porque se está fortalecido de crenças e princípios éticos racionalmente fundados, não se atormentar com qualquer diálogo com um religioso... nem esperar grandes pressões dele!

Mas, o triste episódio, em nada dignificante para uma instituição académica, que se caracteriza antes de mais justamente por uma profunda liberdade na discussão de ideias, de investigação e conhecimento, revela, desafortunadamente, uma profunda falta de bom senso, sobretudo de académicos, perante o facto da vida social, que exige princípios éticos de tolerância e respeito pela liberdade.

Mas é ainda revelador do problema da especialização científica, que afunila saberes e não permite uma abordagem mais abrangente e esclarecida do real. Trata-se do problema dos limites da ciência, há muito apontados por filósofos e sociólogos. Contudo, alheios a estas posturas críticas e compreensivas do fenómeno científico, muitas pessoas, com uma formação filosófico-liberal, no fundo, deficitária, entronizam desesperadamente a ciência de forma absoluta e irracional, extravasando assim os limites da racionalidade desejável e degenerando numa atitude fundamentalista, que se exprime no facto, não só de se esquecer outras abordagens filosóficas e até religiosas do mundo, bem como perspectivas éticas da ciência, mas, sobretudo, no facto de uma perigosa e contraditória atitude política anti-liberal.

Em suma: qualquer ateu convicto não necessitaria de nenhuma manobra política virulenta para travar qualquer discurso religioso. Mesmo o conservador Ratzinger deveria ser ouvido e... refutado, com toda a natural e paciente serenidade de quem se deixa conduzir pela força do pensamento crítico e desinteressado!

Uma das grandes conquistas da Modernidade é, afinal, a de que a liberdade de investigar, pensar e exprimir ideias é a grande arma contra a ignorância, porque dinamizadora de conhecimento. E o caso Galileu (absurdamente alegado!) foi, justamente, um dos ícones dessa atitude contra a liberdade científica. Não se vê qualquer boa razão para nenhuma vingança!

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