terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Para a redignificação da docência

"Mocho" de Almada Negreiros
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O governo continua a regulamentar o Estatuto da Carreira Docente, ficando hoje a saber-se as novas regras, em concreto, para o recrutamento de novos professores para o quadro do ME. Os candidatos a professores terão que, depois de um ano de estágio, ser submetidos a uma prova de língua portuguesa (correcção da expressão, articulação lógica de ideias, sintaxe e até morfologia), comum a todos os candidatos, e mais uma ou duas provas teóricas e práticas, consoante o grupo disciplinar a que se candidatam.

Os sindicatos - quais baluartes da advocacia docente - já se manifestaram... Mas mal, mais uma vez. A única coisa que parece que interessa dizer, quando se trata de reforma do sistema de ensino e, portanto, dignificação de uma profissão que está fortemente deprimida (e não apenas pela mão dos ME!), é que o governo só está a preparar-se para poder dizer que já não haverá desemprego nos professores - afinal, são apenas candidatos a professores. O argumento é ridículo. Se toda a gente quiser ser sindicalista, basta querer (ou não ter mais nada para fazer)? Não necessita de qualquer qualificação ou competência específicas? Há lugar para todos?

A questão é esta. Um dos problemas - note-se: um dos e não o problema - da educação hoje em Portugal é a desadequação profissional e ética de muitas pessoas que ocupam lugares de professores, mas que, por várias razões (incluindo razões políticas, de más políticas, permissivistas, ao longo do tempo), não têm um desempenho à altura da missão que deveriam cumprir, com óbvios incómodos para os próprios, para colegas e alunos. E a missão a cumprir é de elevada importância e de complexidade de execução não menos elevada. Assim, se é muito importante que os nossos filhos tenham uma boa preparação escolar ao longo da vida, desde o jardim de infãncia, então é necessário um forte incentivo e obrigatoriedade para a qualificação elevada dos candidatos a professores.

Depois, do lado dos professores isto só pode ser considerado uma boa medida para contrariar a depressiva forma de ser e estar, que assaltou a profissão nos últimos anos. Ter que se preparar devidamente, mesmo depois de uma formação universitária inicial de base específica, para aceder a uma profissão tão (profissionalmente) aliciante quão fulcral para a sociedade, só pode ser altamente motivador, porque dignificador. Se para se ser médico é necessário percorrer todo um sistema de aprendizagens, avaliações e selecções; se para se ser juiz é necessário todo um conjunto de difíceis provas de avaliação e selecção; para se ser advogado, idem...; porque razão os que verdadeiramente sabem e sentem o que é ser professor não se congratulam com esta redignificação da profissão? Se esta medida recolocar a profissão docente de onde ela nunca deveria ter saído, já cumpriu uma boa parte da sua finalidade, que é melhorar a educação e o ensino.
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O que os sindicatos deveriam demonstrar é que, se o governo pretende - e bem - redignificar a profissão docente e elevar o nível de qualificação e, portanto, de desempenho dos professores, então deverá assumir o compromisso da consequente actualização das tabelas salariais, em conformidade com a exigência de excelência profissional!

Quanto ao argumento invocado de que esta medida porá em causa a formação universitária inicial, mais uma vez os sindicalistas não estão a fazer uma análise correcta. Pois o que está em questão, muitas vezes, é mesmo essa formação inicial! Esta pode ser e será uma medida altamente motivadora para as universidades começarem (as que ainda não procedem assim) a estruturar os seus cursos e sistemas de avaliação de modo mais exigente, de modo a adequarem-se às efectivas necessidades do mercado de trabalho, ideia que é, há muito, consensualmente tida como benéfica para a vida das academias.
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Do lado do professor, os problemas da educação resolvem-se, pois, assim: mais exigência de competências iniciais e contínuas, para motivar, desde logo, para uma verdadeira profissão de quem deverá ser um eterno "estudante" (e, sendo-o, não terá qualquer sentimento negativo em prestar provas), e, depois, naturalmente, criar condições remuneratórias para atrair, de facto, os melhores.

Para se ser professor é, pois, necessário ser-se bom. Não se vê nisto qualquer mal, bem pelo contrário. E é isto que os professores têm verdadeiramente que demonstrar - na sua acção e pensamento - aos responsáveis políticos e à sociedade em geral!

O problema está, contudo, por atacar convenientemente, a partir de outras perspectivas: do lado dos encarregados de educação e do aluno e do lado das finalidades (programas e orientações didáctico-pedagógicas) da educação.

A haver alguém que se arrogue verdadeiro representante dos professores, não se poderá eximir a esta análise mais aprofundada, sob pena de não escapar ao mais esconso populismo demagógico.

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