quinta-feira, 10 de janeiro de 2008

Europa sem cidadania

O PM José Sócrates – o mesmo que conseguiu o feito, com certeza importante, da assinatura do Tratado de Lisboa – alegou hoje que Portugal não poderia ratificar o tratado por via referendária, porque tal poria em causa a legitimidade das ratificações parlamentares dos outros países, como que seria um mau exemplo para os outros. Não se compreende como a forma de ratificação de um tratado, coisa que pertence (ainda?!) à soberania de cada estado membro, pode interferir com a soberania ratificadora de outros estados; bem como não se compreende como um exemplo de democracia directa (leia-se: mais genuína, dado o que está em questão) poderia ser um mau exemplo – quando o resultado até seria uma vitória do “sim”! – para um arranjo político debilitado, justamente, por défice democrático!

O argumento de fundo de José Sócrates para decidir a ratificação parlamentar é, justamente, revelador do que está em jogo: a subserviência (repare-se na pressão dos seus congéneres europeus), despropositada, de Portugal – como país pequeno – no contexto do dirigismo tecnocrático distante dos cidadãos e da cidadania, que governa já hoje a Europa.

Cheia de contradições e golpes de retórica, a argumentação do PM não convence, na substância, por que não devem ser os portugueses a decidir.

Para além da promessa eleitoral, inequívoca, mas, sobretudo, do referendo vir a funcionar como um instrumento político que devolveria cidadania e esperança aos europeus, há ainda uma outra razão de fundo: se não se trata, por exemplo, de Mastricht (tratado fundador da União), Lisboa não deixa, por isso, de ser um Tratado Constitucional – um documento que institui, juridicamente, princípios fundamentais de distribuição de poder, direitos, liberdades e garantias dentro de uma comunidade politicamente ordenada (como sejam: a regra da maioria qualificada, a Carta dos Direitos Fundamentais e o novo quadro institucional, que é, em suma, o que partilha o Tratado de Lisboa com o “rejeitado” Tratado Constitucional).

Esta será, pois, uma Europa dos dirigentes e dos dirigidos, ao invés de uma Europa dos cidadãos livres, que, apesar de escolherem naturalmente os seus representantes governamentais, teriam o igual interesse, motivação e esclarecimento de poderem participar nas decisões constitutivas de fundo. É claro que a ratificação (parlamentar) do tratado pode muito bem ser o princípio do fim da livre (se participada) construção europeia!

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