terça-feira, 28 de agosto de 2007

“Contra os transgénicos... em bloco!” ou a política sem política






1. O grupo ecologista “Verde Eufémia” destruiu parte de um milheiral em Silves. A GNR não actuou cabalmente em conformidade com as suas obrigações legalmente instituídas. O governo meteu os pés pelas mãos: o Ministro da Agricultura, depois de se precipitar na acusação, sem provas, de um partido da oposição de estar envolvido no triste episódio, cometeu a gafe de oferecer apoio judiciário ao agricultor lesado; e o Ministro da Administração Interna limitou-se, de forma completamente desadequada, a vestir a pele de comentador político, tecendo considerações sobre se aquele crime seria um crime público ou semi-público! E para fechar “a novela política do Verão”, o Bloco de Esquerda foi, no mínimo, ambíguo, para não dizer irresponsável, nas declarações sobre o caso: primeiro, Miguel Portas a agitar, regozijando-se com o acto, a bandeira da desobediência civil, numa atitude pouco ponderada (portanto, pouco seriamente política!); depois, Francisco Louçã, diante do acutilante Mário Crespo no jornal das 9 da SIC Notícias, a não conseguir mais do que um comprometedor e mesmo, estou em crer, embaraçoso «não aprovamos!”.

Afinal, nem o governo nem o Bloco de Esquerda foram capazes de condenar o acto: o primeiro, através de palavras, mas sobretudos de acções, e o segundo, por via de uma clara assunção político-ideológica – ou condenava e tomava parte do grupo de partidos efectivamente democráticos ou apoiava abertamente, assumindo-se como um partido marxista-leninista, com métodos tudo menos democráticos de fazer prevalecer as suas posições “políticas”!

2. O problema não é propriamente o pensamento de Marx, que alimenta o tronco essencial do socialismo, tão legítimo – mesmo para quem não se deixa convencer por ele – como qualquer outra tentativa de conhecer a sociedade e de teorizar acerca da sua mais justa organização. O problema é o Marxismo, que é outra coisa diferente – as interpretações mais ou menos radicalizadas e intransigentes do pensamento original, algumas delas que o próprio Marx ainda chegou a reprovar. O problema, conhecido, do marxismo-leninismo é precisamente a rejeição, assumida claramente por Lenine, da política como actividade prática, natural e apaziguadora do homem, em prole da ideia de uma ideologia única verdadeira, apenas acessível aos altos dirigentes da classe trabalhadora e que deveria ser imposta por todos os meios necessários. Como afirmou criticamente a propósito um académico socialista britânico (democrático, portanto!), «qualquer socialismo que destrói as liberdades dos outros e destrói a verdade destrói-se a si próprio».(1)

A forma como os partidos ou outras associações de extrema esquerda, como o Bloco de Esquerda e este “Verde Eufémia”, convivem com a atitude revolucionária voraz e intolerante de imposição ideológica e com a respectiva e inevitável violência que lhe está necessariamente associada, fazem deles associações partidárias com um pé dentro e outro fora... da política! Como diria a campeã da crítica ao totalitarismo, Hannah Arendt, quando surge a violência, acaba a política!

3. Quanto à desobediência civil, trata-se de uma teoria política com sólidas raízes na história do pensamento político e na prática do Ocidente, que consiste no intuito de resistir à injustiça política e de produzir uma mudança no exercício da autoridade política e não (ao contrário do que acontece com uma convencional infracção à lei) obter alguma vantagem pessoal. De qualquer modo, as tentativas de justificação da desobediência civil sempre tiveram – e apesar das múltiplas diferenças, desde Henry Thoreau até Mahatma Gandhi ou Martin Luther King – um fundo ético e uma preocupação moral prática muito forte, na tentativa justamente de afastar a justificação deste instrumento político legítimo para longe do arbitrário, reprovável e portanto infundado desrespeito convencional pela lei.

Deve este instrumento democrático muito sério ser, pois, usado notavelmente de forma muito séria, quando efectivamente esteja em causa o contrato celebrado entre o povo e a organização política que institui a ordem pública e, sob o império da lei, dirige os destinos básicos dos cidadãos.

4. Será o caso dos transgénicos uma razão legítima de revolta contra o(s) Estado(s)? Talvez não. O que não retira em nada a legitimidade do debate esclarecido e crítico sobre a sua introdução na nossa cadeia alimentar. O que não significa que a lei comunitária existente, que permite já uma pequena percentagem de transgénicos na cadeia alimentar, seja correcta. Há muito ainda a reflectir e a ponderar sobre esta aventura biológica, que é ainda a engenharia genética aplicada aos produtos agro-alimentares.

A questão é que as forças políticas que projectaram e encorajaram a prática deste acto de invasão de propriedade, acabaram por nem sequer atingir os objectivos (apesar de tudo, ainda assim louváveis), que seria colocar o problema ecológico dos organismos geneticamente modificados (OGM) na agenda política... da sociedade civil! Eis como se pode matar o debate e a tentativa, sempre árdua, de consciencialização sobre um tema, no fundo e infelizmente, tão longínquo para a maioria dos portugueses, agora muitos certamente afectados pela força e desengano das imagens – “afinal, os ecologistas (por muito que tenha sido apenas um pequeno grupo) são violentos... não são pessoas altamente instruídas e com consciência de mundo invulgar, capazes de convencer por um mundo melhor!”

5. Quem deseje pensar e agir no sentido da melhor organização da sociedade (i.e., quem deseje fazer política!) tem que tomar uma clara e inequívoca decisão: ou opta pela força das ideias e das palavras para convencer o outro e aí, sim, faz realmente política, ou opta pela força dos actos violentos de agressividade para intimidar ou aniquilar o outro, caindo assim fora do âmbito da verdadeira política. E mesmo quem não está muito particularmente interessado na política activa (o chamado “cidadão comum”), não deixa de ter que tomar uma decisão semelhante: ou apoia a força das palavras e das ideias ou aquiesce irresponsavelmente diante do regresso à violência beligerante pseudo-legitimada pela retórica dos duros!

(1) Bernard Crick, O Socialismo, trad. M. F. Gonçalves de Azevedo (Editorial Estampa, Lisboa, 1988) p. 109.

segunda-feira, 27 de agosto de 2007

Ah! Um campeão!






O atleta português Nélson Évora sagrou-se hoje campeão mundial de triplo salto (ver DD), nos Campeonatos Mundiais de Atletismo, a decorrer em Osaka, no Japão. Depois da lamentável falha técnica de Francis Obikwelu, que o arredou da final dos 100 metros (aguardemos pelos 200!), eis uma sempre saborosa medalha de Ouro para um atleta luso.

Numa altura em que o país teima em contemporizar face ao sucesso, em deambulações propagandísticas e tacteios mais ou menos inconsistentes ou assistemáticos, talvez seja moralizador uma vitória, ainda que numa competição desportiva. Mas, afinal, o desporto, que tanto e tantos empolga, tem na competição o elixir do êxito, enquanto actividade que proporciona satisfação e, portanto, ensufla de sentido a vida humana. Talvez a competição justa não seja, em geral, qualquer mal e seja mesmo um bem indispensável à vida humana!

domingo, 26 de agosto de 2007

Mirandela, pedra sob pedra!







A “Princesa do Tua”, em plena "Terra Quente"(!) nordestina, acordou hoje com uma diluviana queda de granizo, que em poucos minutos penteou violentamente as árvores, cobrindo o chão de um trágico manto verde, e apedrejou os automóveis estacionados, estilhaçando vidros e amolgando imponentes carroçarias! As “pedras”, de dimensões inauditas (cerca de 6 cm de diâmetro!), fustigaram com igual ira a região agrícola, causando prejuízos gigantescos dada a elevada percentagem de perda de frutos na vinha, olival e amendoal.

Quando se esperava, nesta época estival, uma tórrida manifestação do global warming, as alterações climáticas surgem tal qual são: inesperadamente implacáveis! Eis o Homem – apesar da sua poderosa arma, que é o conhecimento científico – diante da Natureza... “desarmada”!

quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Equívocos no caso Madeleine

O crime organizado e o terrorismo têm mostrado, nas últimas duas décadas, a sua capacidade para abalar mesmo os governos mais desenvolvidos, afectando a qualidade de vida das pessoas que habitam a parte do mundo politicamente mais bem organizada. O tráfico de pessoas em geral e de crianças em particular – quer para adopção, quer para fins pedófilos –, tem proliferado de modo que se constitui hoje uma ameaça transnacional. Na hipótese da criança inglesa ter sido raptada do empreendimento da Praia da Luz, o que é correcto, do ponto de vista investigacional, é a cooperação com outras polícias de outros países. Contra ameaças transnacionais, intervenção policial transnacional! Por isso, e ao que parece, a polícia de investigação portuguesa tem procedido bem. E as sugestões que querem fazer parecer estranho a cooperação com a polícia inglesa, são apenas, no mínimo, equívocos mais ou menos orquestradas para efeitos comerciais de alguns órgãos de comunicação social, digamos, mais precipitados.

Outro (aparente) embaraço neste caso mediático-policial prende-se com a questão da informação. Também aqui não pode haver grandes perplexidades. É unânime hoje nos investigadores em história militar, que a informação – que se tornou vital nos conflitos belicosos, desde o surgimento do rádio – tem hoje um papel principal naquilo que já se chama “guerra da informação”, que consiste, grosso modo, em manipular a maior quantidade e qualidade de informação, negando o seu benefício aos adversários! É perfeitamente consequente o trabalho da PJ com a procura, tratamento e “sonegação” (entenda-se: não divulgação) de informação neste caso, quando se trata de trabalhar provavelmente frente ao crime organizado, com as potencialidades que este hoje possui. Se houver algo a apontar talvez seja a divulgação excessiva, na tentativa sempre árdua de articular o segredo de justiça com o direito dos cidadãos à informação.

Claro que, diante desta enorme – inevitável, com certeza – confusão informativa veiculada pelos media (veja-se a esquizofrenia dos media britânicos, que agora já admitem a tese da morte da criança, que até ontem era usada como mais uma crítica à actuação da polícia e media portuguesas), associada à sempre legítima e compreensível ansiedade dos familiares, para além dos estranhos contornos de “crime (quase) perfeito”, tornam este caso de investigação policial – convém não esquecê-lo! – sumamente mais complexo do que qualquer caso literário ou cinéfilo!

(P.S.: Benvinda seja a lei comunitária – agora em projecto – que pretende harmonizar o direito penal em todos os países da UE, no que toca a crimes praticados contra crianças.)

terça-feira, 21 de agosto de 2007

Maternidade: do hospital para a beira de estrada!

É já o terceiro parto que um bombeiro voluntário de Mirandela auxilia no IP4, entre Mirandela e Vila Real. Encerrados os serviços permanentes de obstetrícia no Hospital de Mirandela, as parturientes da região têm que ser transportadas para Vila Real, acrescentando ao seu, por vezes, já longo trajecto, mais 60 kms., percorrendo, na totalidade, mais de uma centena de quilómetros, parte deles por estradas ainda características da interioridade transmontana!

Uma palavra, antes de mais, ao heroísmo dos bombeiros, que, além de transportarem pacientes também facilitaram, até agora com êxito, o nascimento daquelas crianças. Porém, não deve ser olvidado que se trata de um rude extrapolar das suas funções e competências, digno de nota! E, mais incrível, tal parece não ter suscitado grandes perplexidades junto das entidades responsáveis!

Ninguém contesta o incontestável: um parto por período nocturno é pouco, relativamente às despesas exigidas para manter o serviço em funcionamento. Mas ninguém, minimamente coerente do ponto de vista ético, compreende que a solução passe por arriscar a vergonha desse mesmo parto... a caminho da solução traçada pela tutela! O mesmo governo que se empenhou na despenalização da IVG e decide encerrar serviços hospitalares permamentes de obstetrícia, causa, à partida e no mínimo, algum desconforto ético. Mas pior é aquilo a que tenho apelidado, não sem alguma tristeza, de "terceiromundialização" do nosso país... e eis mais uma característica: há partos que deixaram de se realizar num hospital e estão agora a realizar-se (embora com a ajuda de soldados da paz de bravura talvez não muito vulgar) em beira de estrada!

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

“Uma no cravo, outra na ferradura!”

Duas coisas (e uma contradição) sobressaem na entrevista que deu hoje Mário Soares ao Diário Económico.

1. É lamentável que um homem conhecido, inclusive além fronteiras, como um eminente lutador pela liberdade, não só contra a ditadura do antigo regime, como lucidamente também contra a emergência de outro totalitarismo, desta feita de esquerda, pela altura do PREC, possa fazer uma incrivelmente infundada apologia do regime totalitarista de Hugo Chaves! Dizer que a Venezuela tem um regime democrático é dizer algo não só claramente falso, como ultrajante para os cidadãos venezuelanos, que vivem a experiência de (entre outras)... falta de liberdade! Desvalorizar o encerramento de um canal de televisão de ampla audiência, que diz mal do governo, e esquecer que os três canais privados que continuam a ter matéria para o fazer chegam, por cabo, apenas a 20% da população, é imperdoável a alguém que politicamente ainda quer ser levado a sério.

2. É agradável conceder ao fundador do socialismo democrático partidarizado em Portugal um bom senso político e um vívido sentido crítico – hoje raros na apatia do P.S. –, ao chamar a atenção ao governo para os seus desvios à política de tradição democrática, que sempre insuflou de ânimo e esperança a vida pública portuguesa depois do 25 de Abril – menos arrogância e autoritarismo e mais auto-crítica, mais diálogo, mais escuta... Afinal, para se governar democraticamente é, naturalmente, necessário ser-se democrata!

Mas se, por um lado, Mário Soares faz – com o seu anti-americanismo ao rubro – um inacreditável branqueamento do regime de Hugo Chaves e, por outro, mostra um oportuno e benfazejo bom senso na crítica ao autismo político do governo Sócrates, então – face a esta nítida contradição política (completada por mais algumas inverdades, designadamente no que toca ao défice que supostamente já estaria controlado!) – que crédito deve merecer esta entrevista a um dos mais proeminentes e importantes políticos da história da democracia portuguesa? (Talvez fosse bom, agora, que pudesse merecer todo o nosso crédito...!)

quinta-feira, 9 de agosto de 2007

Borg to be back!







No torneio de veteranos Grand Champions, a lenda do ténis Bjorn Borg tem brilhado nos courts de Vale do Lobo. Depois de ter ganho ontem a Andrés Gomez e apesar de ter acabado de perder hoje com o cómico e sempre agradável, mas seguro, Thomas Muster, Borg já arrebatou o público português, com a sua fria concentração, uma técnica inigualável e, em geral, ainda um bom jogo de ténis de alto nível.

É uma daquelas personagens do mundo do desporto em geral, que povoa o imaginário de gerações na busca sempre permanente de emoções características do ser humano.

Já toda a gente espera – e legitimamente – que chegue à final do torneio!

quarta-feira, 8 de agosto de 2007

A vergonha continua!

Continuam a ser revelados casos de cidadãos contribuintes do sistema nacional de segurança social, que se encontram em situação de incapacidade para o trabalho, mas que vêem recusados, infundadamente, os seus pedidos de reforma antecipada.

Os sistemas de segurança social em Portugal, designadamente a Caixa Geral de Aposentações, têm evidenciado claras, clamorosas e grotescas injustiças, quando se recusam reformas antecipadas a velhos contribuintes e se enchem os bolsos de jovens contribuintes com chorudas reformas por suposto serviço público devido a principescas divindades, a quem a sociedade (a segurança social) parece tudo dever!!

Isto faz pensar na crítica libertária mais contundente à justiça redistributiva, proposta pelo filósofo político contemporâneo Robert Nozick (1938-2002): a tributação, diz ele, equivale a trabalhos forçados! Imagine-se uma pessoa que trabalha 40 horas semanais e 25% do seu salário é desviado para impostos, para redistribuição pelos mais desfavorecidos (e não só!), para sistemas de segurança social, de saúde, de educação... Assim, durante dez horas por semana (25% do seu tempo de trabalho) é obrigado a trabalhar para as outras pessoas. Durante dez horas por semana pouco mais é do que um escravo! A tributação – prossegue o argumento de Nozick – é, então, escravidão, uma vez que é um roubo do seu tempo. Como pode então alguém que dê valor à liberdade, questiona Nozick, aceitar tal situação?

Apesar de exagerada, esta crítica orienta-nos reflexivamente num momento limite de injustiça, como é o que se vive actualmente no que toca a estes casos de reformas recusadas por juntas médicas, ao que parece, completamente irresponsáveis e incompetentes ou, por hipótese, orientadas para esse fim. Afinal, não é justo desviar parte do salário de quem trabalha para um sistema de segurança social, que não retribui em conformidade com o contrato implícito à partida: suprir as necessidades económicas quando o contribuinte deixa de poder trabalhar. E não o faz por manifesta e rude incompetência e irresponsabilidade! Se um governo (reformista!) não consegue orientar a administração do sistema da segurança social, então mais vale acabar com tal sistema, substituindo-o por sistemas privados de poupança-reforma!

E se estas situações têm chocado, inclusive o governo, não basta alterar a posteriori a lei das juntas médicas. Os responsáveis – técnicos, administrativos e políticos – não podem ficar impunes, sob pena de, por estas e por outras situações, se poder começar a pensar que começam a surgir as condições políticas para uma fundada desobediência civil.