segunda-feira, 14 de janeiro de 2008

Melhor gestão das escolas... com menos professores?! O teatro de sombras continua

A proposta de “Regime Jurídico de Autonomia, Administração e Gestão dos Estabelecimentos Públicos da Educação Pré-Escolar e dos Ensinos Básico e Secundário” está em tempo de discussão pública (veja-se no JN). Primeira nota: este período foi iniciado durante a interrupção lectiva do Natal e... já está a terminar; o tempo concedido para discutir (leia-se: reflectir, ponderar e manifestar opinião) tema tão importante e complexo como este é manifestamente curto; a hipocrisia do estilo pseudo-democrático de quem quer parecer que dialoga é já lugar-comum... Afinal, a decisão está tomada!

Mas qual a proposta? No essencial, três coisas.

1. As escolas terão um novo modelo de gestão, que terá um Director em vez da já longa (30 anos) direcção executiva. Argumento central: as escolas precisam de uma autoridade pessoalizada, que faça cumprir o projecto educativo e... faça funcionar cabalmente a escola. Comentário: é verdade, com certeza, que em muitas escolas falte alguma autoridade para fazer cumprir práticas pedagógicas e organizacionais, que, em muitos casos, padecem de falhas técnicas básicas, completamente incompreensíveis e inadmissíveis. (Sejamos sérios: é natural que alguns professores não gostem desta figura que aí vem! Mas quem cumpre, mais facilmente viverá com ela; quem não cumpre, quer-se que passe a cumprir.) Talvez a figura de director (intimidatória/autoritativa, bem à portuguesa?) pareça vir a resolver este problema. Se o resolver, tanto melhor. De qualquer modo, não me parece ser este o problema de fundo. Com director ou com colégio directivo o que é necessário é gerir bem as escolas – fazer aplicar a lei e as directivas aprovadas.

2. A transformação da Assembleia de Escola – órgão (talvez utopicamente democratizante) de reflexão sobre as finalidades a alcançar e objectivos estratégicos a implementar pela escola – em Conselho Geral, em que figurarão representantes da sociedade civil (empresários, autarcas, encarregados de educação...) e professores, que, todavia, serão restringidos a cerca de 30% ou 40% dos lugares! Argumento da tutela: diminuir a representatividade dos professores neste órgão tem como finalidade reforçar a participação das famílias e comunidades na direcção estratégica das escolas. Comentário: está por demonstrar (teoricamente e com dados empíricos) que a presença maioritária destes elementos (sublinhe-se: maioritária; de acordo com a presença e, portanto, corresponsabilização da comunidade educativa), naturalmente desqualificados para tomarem decisões em matéria tão exigente e complexa, como é a educação (mesmo que sejam decisões de âmbito estratégico), podem necessariamente melhorar a resolução dos problemas educativos das escolas!

3. Finalmente, o Conselho Pedagógico – órgão de carácter técnico, onde se discutem questões técnicas, que supervisiona a qualidade técnico-pedagógica da implementação das medidas aprovadas pelas instâncias directivas – manterá representantes de encarregados de educação e, no caso do secundário, de alunos. Comentário: não se vê como é que pais e até alunos possam tomar parte realmente activa e verdadeiramente integrante num órgão com estas atribuições, já que para nele tomar assento é imprescindível um perfil de competências técnicas. Ou não será?! Mesmo que a presença maioritária de actores da sociedade civil, não-professores, fosse, a priori, benéfica no Conselho Geral das escolas, não se percebe por que não se aposta, nesse caso, num forte Conselho Pedagógico, em que deveriam, naturalmente, ocupar lugar os melhores professores e outros técnicos educativos, de preferência e quando possível, com perfil e curriculum especializado em matérias especificamente pedagógicas!

Ora, o que está aqui em questão é, muito simplesmente, por um lado, a continuidade do experimentalismo socialisto-pedagógico irresponsável, com a sua forte componente populista e demagógica, que parece tudo resolver e (quase) tudo vai complicando, e, por outro lado e em concreto, a continuidade das políticas segregacionistas face aos professores, numa política facilitista do bode expiatório – já que os professores (todos!) não percebem nada (nem virão a perceber, contradição que se estranha, pois a reforma do estatuto da carreira docente teria esta finalidade maior – fazer com os professores melhorassem o seu desempenho!), então vamos “salvar” a escola, reforçando os seus órgãos especializados centrais (Conselho Geral e até, num certo sentido, Conselho Pedagógico) com a presença de outros cidadãos não-professores, que, esses sim, resolverão tudo o que os inúteis professores não serão capazes de resolver!

O carácter altamente demagógico desta, mais uma, nova medida legislativa do governo socialista, em matéria educativa, e a forma falaciosa com se tenta fundamentá-la, consiste exactamente em esquecer que a educação (a teoria e a prática!) é das problemáticas mais complexas que o ser humano tem em mãos. De facto, não há muitos que saibam o suficiente de educação para tomar decisões com base em certezas (haverá alguém?) e muito poucos são aqueles que detêm uma consciência (in)formada do quanto ignoram ainda acerca deste tema. Então, se aqueles que mais podem saber, mesmo que ainda poucas certezas tenham, não sabem nada de educação(!), que saberão/poderão aqueles que, estando efectivamente fora do sistema educativo, como na realidade estão, têm ainda menos possibilidades de identificar/enfrentar problemas e reflectir e arquitectar soluções?

Imagine-se o que seria entregar um Conselho Superior da Magistratura a não-magistrados! A aplicação da justiça, coisa difícil, funcionaria melhor se representantes de criminosos, de empresários, de políticos, de cidadãos comuns... fizessem parte de um órgão judicial consultivo? E uma direcção clínica de um hospital, que dizer se nela tivessem lugar representantes de doentes, autarcas, professores...? A administração da saúde melhoraria? E se, para decidir da localização do novo aeroporto de Lisboa, se reunisse uma comissão consultiva que integrasse, na sua maioria, cidadãos não-técnicos, não especialistas na matéria? Talvez não seja difícil perceber imediatamente o carácter absurdo desta ideia ridícula. Porque não é assim quando tal ideia é aplicada à educação?

Portanto, o alvo desta nova lei, intencionalmente ou não, é, incompreensivelmente, continuar a denegrir o estatuto do professor na nossa sociedade e fazer passar a ideia, altamente perversa, de que a responsabilidade única dos principais problemas da educação em Portugal é dos professores! Quanto ao essencial – resolver os problemas educativos –, fica quase tudo na mesma.

Ter ideias novas não é problema. O problema é pensar que as ideias, por serem novas, são inquestionavelmente boas ideias. Em matéria de educação (como noutras) não precisamos de ser e penso mesmo que não devemos ser conservadores nas ideias. Mas precisamos de ideias, não só reformadoras, mas sobretudo seguras, que não coloquem em causa todo um sistema – actualmente muito mais desestabilizado do que aquilo que se possa pensar – de importância fulcral para o futuro das pessoas. Talvez seja por isso, que, tanto à esquerda como à direita, no governo ou na oposição, não se vislumbrem boas ideias!

Sem comentários: