(Dezembro 2007)
© Miguel Portugal
Os mais salientados problemas – já clássicos – do país são, como se sabe, a economia, a justiça, a saúde. A educação é também, quiçá ombreando com os problemas sócio-económicos, uma das áreas em que mais urge intervir consequente e coerentemente, embora não haja muita gente a referir-se-lhe com a devida propriedade e profundidade, muito menos propondo hipóteses de solução fundamentadas e exequíveis. O que, aliás, se compreende, uma vez que não é – embora a muitos, incautos, assim pareça – uma área nada fácil de abordar com profundidade, rigor e, portanto, seriedade. Mas há que corresponder ao convite kantiano: “sapere aude!” (“ousa pensar!”) Ousemos.
Educar é alimentar, aqueles que nascem plenos de potencialidades desenvolvimentais e possibilidades de ser – de serem humanos, coisa que só poderão almejar, justamente se aprenderem. Neste sentido etimológico, a educação é a actividade humana por excelência, impregnada de entrega e dádiva, num complexo conjunto de actos de generosidade para com o outro, que permite a perpetuação da humanidade enquanto tal.
Educar é socializar – introduzir os neofitos nos hábitos e costumes da sociedade em que nascem, transformando progressivamente os seus comportamentos biologicamente determinados com que nascem em comportamentos valorizados pela sociedade dos adultos socializados. Educar é normalizar – incutir na criança um conjunto de regras e normas de convivência interpessoal, baseados nos valores mais caros à sociedade e, portanto, cultivados por esta.
São os agentes de socialização (pais, escola, grupo de pares, mass media) que incutem comportamentos, normas e valores.
A educação é de tal importância, que se criou uma instituição para a completar – a escola: um espaço e tempo em que se transmitem às crianças e jovens, sobretudo as artes, técnicas e ciências existentes no seu tempo, com o intuito não só ou não tanto de perpetuar artes, técnicas e saberes, mas, mais importante do que isso, com o intuito de humanizar.
A complexidade da educação deu, inclusivamente, origem a uma reflexão filosófica (Filosofia da Educação), a uma arte (a pedagogia) e, hoje, às Ciências da Educação.
Uma das maiores, mais complexas, mas também mais desejáveis revoluções escolares foi a democratização do ensino. É altamente desejável que todas as crianças e jovens, de todo o mundo, independentemente da proveniência social, económica, cultural e étnica possam ter contacto com o saber humano existente ao tempo.
Os problemas de exequibilidade desta ideia são, todavia, imensos. Constitui uma das aporias da educação: a escola deve ir à procura de todos ou todos devem ir à procura da escola? É possível encontrarem-se a meio caminho?
O que se passa hoje na escola portuguesa é uma profunda desorientação em termos de filosofia e política da educação. Ninguém sabe muito bem o que é ou que deve ser o serviço público de educação. A ideologia mais socializante, que se tem entranhado no ME nas últimas décadas, tem-se deixado embarcar nas ondas modais das novas pedagogias do contrato pedagógico com o aluno, da sobrevalorização dos meios em detrimento dos fins, das competências despidas de conhecimentos e o resultado tem sido o consequente e óbvio facilitismo, que consiste em fazer passar a ideia ingénua e perniciosa de que todos podem aprender tudo, não aprendendo, tendencialmente, quase nada!
As crianças e jovens de proveniências sócio-económicas mais favorecidas acabam por não sofrer tanto a influência nefasta desta onda pedagogia, que forma pouco e não instrui praticamente nada, uma vez que frequentam as melhores escolas (privadas e mesmo públicas), em que tais pseudo-experimentalismos ideologicamente teimosos e cientificamente infundados não colhem. Por seu lado, os mais desfavorecidos, ganham apenas uma melhor socialização – quando é o caso –, pois, como não estão tão bem preparados, ab ovo, para aprender, desce-se o nível, ensina-se pouco, avalia-se menos e aqueles, os mais famintos, os que mais precisavam, são, ainda assim, os que menos têm da escola. Em suma, um maior cuidado na aplicação da pedagogia do contrato (que não é, necessariamente, um mal em si!), um maior rigor na avaliação (avaliar é orientar boas, correctas aprendizagens – como é possível ainda termos que relembrar isto?!) de conhecimentos e competências (e não apenas de competências vazias!) e, portanto, uma maior exigência de resultados beneficiará todos os alunos, mas ainda mais, justamente, aqueles que mais precisam de aprender, aqueles cujo sucesso na vida está irremediavelmente dependente da escola, daquilo que os professores lhes ensinarem e fizerem aprender.
Para se conseguir tal desiderato, há que apostar:
1. Na formação pedagógica e científica, no empenho e dedicação e perfil dos professores, coisa que poderá começar a acontecer – e tal não é certo – também (embora a formação inicial seja outra vertente a não assumir como não problemática) com o novo regime de avaliação de desempenho dos professores.
2. Nas condições sociais de base, com que deverão ser dotadas as crianças, para que se possam adaptar melhor ao processo de ensino-aprendizagem. Nisto, a família tem falhado, sobretudo ao nível da actividade socializadora, normalizadora, disciplinadora e orientadora. O que seria de esperar, do poder político, era uma forte campanha de sensibilização, mas também de exigência, no sentido de que cada encarregado de educação seguisse as instruções dos técnicos educativos (psicólogos, assistentes sociais e professores) para melhorar (o que é sempre possível!) as condições de aprendizagem dos seus educandos. As crianças (e os encarregados de educação, enquanto tal) também precisam e merecem novas, mas reais, oportunidades!
3. Mas haveria que apostar também – e isto é, actualmente, o maior falhanço político – numa decidida e factualmente verídica mentalidade de empreendedorismo qualitativo e verdadeiramente qualificado das pessoas, a fim de melhorarem efectivamente as suas vidas e a dos seus filhos. Claro que este clima de permissivismo alienador e populismo serôdio – que afecta mais profundamente os mais desfavorecidos – em nada contribui para esta necessária mudança, antes continua a iludir, a adiar e entravar o caminho em direcção a uma vida satisfatória para milhares de seres humanos, que está dependente da possibilidade de virem a assumir um papel na sociedade e cultura (papel esse, que concederia liberdade económica, social, cultural, em suma, humana!), coisa só conseguida através de uma boa educação/formação/instrução!
Ainda iremos a tempo?! A questão talvez seja – ainda haverá competência e energia?
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