quinta-feira, 19 de abril de 2007

Leituras...

...a propósito, designadamente, do que está verdadeiramente em questão no caso da licenciatura de Sócrates e na falta de qualidade do ensino superior em Portugal, mas também em questões como a Ota, que requerem uma avaliação científica e técnica, que apelam a uma verdade exterior à política, que a ela deveria recorrer.

Verdade e Política é o título do texto de Hannah Arendt, publicado pela primeira vez no The New Yorker, em Fevereiro de 1967 e integrado na obra Between Past and Future, e de que existe tradução portuguesa da Relógio D’Água Editores, 1995.

Arendt, uma das mais importantes filósofas do séc. XX, que reflectiu profundamente sobre a política, conhecida pela sua imponente denúncia do totalitarismo, reflecte neste texto sobre uma questão sempre premente quando se pensa na actividade política: por que razão não tem a verdade poder no domínio político, «o qual, mais do que qualquer outra esfera da vida humana, garante a realidade da existência aos homens que nascem e morrem» (p.9)?

Sendo a acção política vista como uma selecção de meios para atingir fins, a mentira pode facilmente ser considerada como um instrumento relativamente inofensivo do arsenal da acção política, quando substitui meios mais violentos. Mas se é a acção política que nos permite viver o melhor possível, organizando a vida comum, o curto lapso de tempo que constitui a nossa existência, não deveria ela ser orientada pela verdade?

No entanto, o poder político nem sempre teve uma coabitação pacífica com a verdade! De qualquer modo, a verdade sempre fugiu ao controlo político e o moderno poder constitucionalmente arreigado acaba sempre por reconhecer que tem interesse na solidão do filósofo, no isolamento do sábio e do artista, na imparcialidade do cientista e do juiz e na independência do repórter... É a integridade intelectual a qualquer preço, que orienta a busca da verdade e que, por isso, vive em permanente fuga face aos assaltos do poder político.

«A verdade, ainda que sem poder e sempre derrotada quando choca de frente com os poderes existentes quaisquer que eles sejam, possui uma força própria: sejam quais forem as combinações dos que estão no poder, são incapazes de descobrir ou inventar um substituto viável. A persuasão e a violência podem destruir a verdade, mas não podem substituí-la.» (p. 53)

Por isso, designadamente a imprensa como o Ensino Superior detêm funções políticas importantes, mas são (e devem continuar a ser) realizadas a partir do exterior do domínio político, com toda a autonomia e integridade intelectual que as coloca numa esfera superior à esfera política – a da verdade.

Arendt defende, pois, a tese de que a esfera da acção política, apesar da sua grandeza, é limita, não esgota a totalidade da existência do homem e do mundo. É apenas no respeito pelos seus próprios limites, que a esfera política (em que somos livres de agir e de transformar) permanecerá intacta, conservará a sua integridade e poderá manter as suas promessas de organização de um mundo melhor. Quanto à verdade, não a podemos mudar, mas é nesse sentido que ela pode ser «o solo sobre o qual nos mantemos e o céu que se estende por cima de nós» (p.59).

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