quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Dar a pensar...

[A propósito dos excessos da propaganda política demagógica]

«GÓRGIAS – (...) Supõe que um orador e um médico aparecem juntos numa cidade qualquer à tua escolha; se se travar uma discussão na assembleia do povo, ou em qualquer outra reunião, para decidir qual dos dois será eleito médico, eu declaro que o médico será ignorado e preferido o orador, se este assim quiser.

O mesmo se passaria em relação a qualquer outro profissional com quem o orador entrasse em competição: este último conseguirá ser escolhido porque não há assunto algum sobre o qual um homem que sabe retórica não possa falar diante de uma multidão de forma mais persuasiva que um homem de ofício, seja ele qual for. Aqui tens o que é a retórica e qual é o seu poder.
(…)
SÓCRATES – (...) És capaz, dizes tu, de ensinar a retórica a quem desejar aprendê-la contigo?

GÓRGIAS – Sou.

SÓCRATES – E de tal maneira que possa obter o assentimento de uma multidão numerosa sobre qualquer assunto, persuadindo-a sem a instruir?

GÓRGIAS – Perfeitamente.

SÓCRATES – Dizias há pouco que, mesmo em assuntos de saúde, o orador é mais persuasivo do que o médico.

GÓRGIAS – Com efeito, perante uma multidão.

SÓCRATES – Perante uma multidão quer dizer, sem dúvida, perante aqueles que não sabem? Porque, perante aqueles que sabem, é totalmente impossível que o orador seja mais persuasivo do que o médico.

GÓRGIAS – Tens razão.

SÓCRATES – Se ele é mais persuasivo do que o médico, será então mais persuasivo do que aquele que sabe?

GÓRGIAS – Absolutamente.

SÓCRATES – Sem ele próprio ser médico, não é verdade?

GÓRGIAS – Sim.

SÓCRATES – Aquele que não é médico ignora o que sabe o médico.

GÓRGIAS – Evidentemente.

SÓCRATES – Assim, quando o orador triunfa do médico, é um ignorante falando perante ignorantes que prevalece sobre o sábio? É exactamente isso que acontece ou é outra coisa?

GÓRGIAS – É isso, pelo menos neste caso.

SÓCRATES – Também em relação às outras artes, o orador e a retórica têm, sem dúvida, a mesma vantagem: a retórica não tem necessidade de conhecer a realidade das coisas, basta-lhe uma certa técnica de persuasão que ela inventou para parecer, perante os ignorantes, mais sábia do que os sábios.

GÓRGIAS – Não é uma maravilhosa facilidade, Sócrates, sem qualquer estudo das outras artes, graças unicamente a esta, poder estar à altura de todos os especialistas?»

Platão, Górgias 456b-c, 458e-459c.

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