quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Os bons resultados do PISA

Os resultados do PISA 2009 foram ontem divulgados. Portugal subiu a prestação dos seus alunos na leitura, o principal item avaliado, relativamente a 2000. Isso é bom. Já não foi tão boa a reacção política do governo. A ME, Isabel Alçada, ainda procurou o politicamente correcto elogio aos professores, procurando cumprir a, agora impossível, missão de recuperação das boas relações entre governo e professores. José Sócrates não gosta de professores. É natural: os bons professores ensinam e fazem aprender, isto é, mobilizam para o esforço de verdadeira apreensão do saber e desenvolvimento de competências necessárias a usá-lo; os bons professores julgam, para avaliar, e avaliam para melhorar e aumentar o saber adquirido. (Não será por acaso que algumas das medidas educativas dos governos de Sócrates vão no sentido de desvalorizar o saber, a avaliação e a autoridade benigna dos professores e de promover a obtenção de diplomas obviando ao esforço de verdadeiramente saber!)

Para Sócrates, os factores que verdadeiramente terão determinado aqueles “excepcionais” resultados são as políticas educativas.

O cúmulo é colocar pelo meio do discurso a ideia tão contestada dos agrupamentos de escolas, como exemplo de uma medida que tenha contribuído para aquele sucesso. Impossível: os testes do PISA foram realizados em 2009 e a esmagadora maioria dos agrupamentos realizaram-se em Agosto/Setembro de 2010!

Depois, Sócrates comete um erro lógico-argumentativo mais subtil: como foram tomadas algumas medidas de política educativa antes da realização dos testes, então essas medidas são a causa dos bons resultados. Trata-se de um argumento que parece bom, mas não é. Os lógicos medievais chamaram-lhe argumento post hoc, ergo propter hoc, “depois disto, logo por causa disto”: já que isto aconteceu antes, então é a causa para o que aconteceu depois. Mas isto é uma falácia: pode ter acontecido antes, mas não ter necessariamente determinado o que aconteceu depois; uma sequência temporal não é necessariamente uma sequência causal.

É claro que foram tomadas medidas educativas positivas, designadamente o plano nacional de leitura, que podem estar por detrás destes bons resultados. Mas não podemos saber se foi esta, necessariamente, a medida determinante ou o único factor determinante; é mais plausível pensar num conjunto de factores que contribuíram e noutros (outras medidas educativas) que poderiam ter contribuído para resultados efectivamente bons. No próprio programa PISA se chama a atenção para os cuidados a ter quando se retiram conclusões: de facto, a partir dos dados fornecidos pelo PISA podem analisar-se as «potenciais influências» nas performances dos estudantes nos vários países. Mas, o próprio memorando afirma textualmente que o PISA «não pode delinear o trajecto individual de um estudante e não pode, portanto, estabelecer relações causais»; o que pode é comparar o grau de associação de vários factores em diferentes países com os sucessos educacionais (PISA brochure, p. 9, sublinhados meus).

Além das políticas educativas, outros factores podem ter sido determinantes ou até mais determinantes. O que de facto acontece é que, houve uma catadupa de medidas educativas pseudo-reformistas, nada enquadradas com um rumo, necessário, e muito menos explicadas e devidamente fundamentadas junto dos professores. Estes, tantas vezes, trabalham apesar do ME e do desnorte evidenciado nas medidas avulsas e a la carte, que ora vão num sentido ora noutro, ora avançam ora recuam. Os bons professores têm feito, nos últimos anos, entre outros, um esforço para continuarem a utilizar estratégias de ensino motivadoras, mas eficazes, para continuarem a fazer aprender uma população escolar que, no entanto, vive sob uma sociedade que reconhece muito pouco a determinante mais-valia da educação e que, portanto, actua de forma muito pouco eficaz para que os esforços de aprendizagem dêem resultados.

Por isso, o esforço dos professores (muito pouco articulado por políticas educativas produzidas de forma autista, pouco coerentes e pouco eficazes) é um factor a ter em conta, como sublinhou Isabel Alçada, na explicação destes bons resultados dos alunos portugueses em literacia da leitura, factor que não deveria ser menosprezado, como fez o PM, sob pena de se continuar a cavar o fosso entre o governo e os professores, principais actores no processo educativo.

Mas, mais. Se analisarmos os dados do PISA acerca da literacia da leitura (item principal avaliado), mais aprofundada e atentamente (o que nem sempre é feito), podemos encontrar pequenas subtilezas, mas importantes para uma análise mais rigorosa e que nos conduz a conclusões mais sustentadas.

Numa escala de 1 a 698 pontos, Portugal obteve uma classificação de 489, mais 19 pontos do que em 2000 (470), ano com o qual se deve estabelecer a comparação. Outros sete países tiveram bons resultados: Chile, Israel e Polónia e os parceiros Peru, Albânia, Indonésia e Lituânia (todos, mais 20 pontos). Os melhores continuam a ser:

Xangai (China) – 556 (parceiro)
Coreia – 539
Finlândia – 536 (2000-546; 2003-543; 2006-547 – quebra de 10 pontos)
Hong-Kong (China) – 533
Singapura – 526
Canadá – 524
Nova Zelândia – 521
Japão – 520
Austrália – 515
Holanda – 508
Bélgica – 506
Noruega – 503
Estónia e Suíça – 501
Polónia e Islândia – 500

(Apenas países acima dos 499)

A média da OCDE é agora de 493. Conclusão: embora perto, estamos ainda aquém da média da OCDE e, naturalmente, há ainda muitos países (e não apenas do norte da Europa!) bem melhores do que nós.

Depois, parece bom termo-nos aproximado de países como a Suécia (é sempre bom compararmo-nos com os grandes do norte da Europa!). Mas, na realidade, aproximamo-nos da Suécia, não tanto pelo nosso resultado ter sido excepcional, mas porque a Suécia também viu decrescer significativamente o seu resultado (menos 19 pontos), tal como a Irlanda (menos 31), a Austrália e República Checa (menos 13), todos eles, excepto a República Checa, à nossa frente! Conclusão: o nosso resultado não é ainda tão “excepcional” quanto isso.

Há, pois, que prosseguir, de preferência definindo e estabilizando políticas educativas a longo prazo e para além das várias legislaturas, recuperando a comunicação entre ME e professores, apostando numa formação inicial de professores de qualidade certificada, promovendo o reconhecimento social da educação e preparando-nos para uma verdadeira descentralização, com aumento responsável da autonomia das escolas e envolvimento responsável das autarquias e consequente diminuição do centralismo (financeira e mesmo, muitas vezes, pedagogicamente) nefasto do ME.

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