quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

Dar a pensar...

[Sobre avaliação]

«Se a qualidade da educação fosse plenamente assumida como um desígnio colectivo, de há muito estaria interiorizada uma cultura de avaliação dos desempenhos: dos alunos, dos professores, das escolas, mas também das políticas educativas. A avaliação é um requisito da qualidade.

Sempre houve a avaliação dos alunos feita pelos professores durante o processo de ensino e aprendizagem. Trata-se do que muitos designam por “avaliação formativa”, tendo por objectivo monitorizar o que se aprende de forma a identificar deficiências e a permitir reorientar o esforço de aprendizagem para a sua superação. É uma avaliação de carácter interno e da responsabilidade exclusiva do professor, que de forma contínua compara os desempenhos do aluno com os objectivos previamente definidos. Utiliza para o efeito diferentes instrumentos de avaliação directa ou indirecta: observação diária, exercícios, trabalhos escritos ou exposições orais, testes regulares, etc.

O facto de se tratar de uma avaliação extremamente personalizada na relação professor-aluno e susceptível de grande subjectividade relativamente às exigências e aos objectivos da aprendizagem conduziu à introdução das chamadas “avaliações externas”, visando aferir os níveis de desempenho, não só entre vários alunos, mas também entre várias escolas. Estas avaliações externas são por natureza sumativas e restritivas, ou seja, realizam-se num determinado momento do trajecto educativo e cobrem apenas uma parte dos conhecimentos e competências adquiridos, de forma a avaliar se o nível de desempenho está de acordo com os objectivos da aprendizagem, podendo então ser ou não certificadas.
(…)
Porém, para além de aferir, as avaliações externas assumem outros efeitos. Em primeiro lugar, expressam um referencial a atingir que poderá funcionar como elemento adicional de motivação. Em segundo lugar, são um instrumento de regulação, especialmente quando estamos perante sistemas de ensino massificados que visam impor determinados padrões de qualidade de ensino.

Quando, após a Revolução do 25 de Abril de 1974, se suspenderam os exames nacionais, poucos pensaram de acordo com o que é um sistema de avaliação educacional em qualquer país do mundo. Os exames nacionais eram, aos olhos de muitos portugueses, um símbolo e um instrumento repressivo e selectivo do regime totalitário que acabara de ser derrubado. Tudo o que era avaliação externa ou de carácter sumativo foi sacrificado ao primado da “avaliação contínua”. Este foi um erro de consequências dramáticas para o sistema de ensino em Portugal, só equiparável à extinção dos cursos técnico-profissionais, porque pretensamente discriminavam socialmente os alunos.

Mas o mais grave foi ter-se prolongado o erro por quase duas décadas, mantendo-se ainda no presente algumas marcas desse erro. (…)

Trinta e cinco anos de indecisões e de debates ideológicos em torno de aspectos tão decisivos para a educação é tempo perdido em excesso.

Como é compreensível, os exames e testes não estão desprovidos de inconvenientes: a excessiva orientação das aprendizagens para “passar” no exame, o facto de incidirem apenas sobre uma parte das matérias e das competências ensinadas e desenvolvidas, a forma como são elaborados os testes não ser a mais adequada são argumentos atendíveis. Mas qualquer instrumento de avaliação não está isento de limitações que apenas se superam se tivermos uma visão integrada do processo de avaliação. Esses vários instrumentos completam-se e esclarecem-se mutuamente. Haja quem os queira utilizar de forma ponderada e sistemática.»

David Justino, Difícil é Educá-los (Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2010) 84-6.