sexta-feira, 12 de novembro de 2010

Leituras…

…de David Justino, Difícil é Educá-los (Lisboa, Fundação Francisco Manuel dos Santos 2010), obra-síntese sobre os principais problemas sócio-políticos da educação em Portugal, com dados sociológicos, históricos, filosóficos e políticos é mais um opúsculo daquela fundação no intuito de conhecer e pensar o país, desiderato tão necessário em tempos de crise tão acentuada.

Começando com um diagnóstico do atraso da educação em Portugal, avança depois para os problemas da interacção qualidade/quantidade em educação, o problema da equidade social (causa ou efeito da educação?), as finalidades da educação e o papel do estado na educação de cidadãos livres.

Sempre com a ajuda de dados empíricos fornecidos por estudos nacionais e internacionais, o sociólogo David Justino – ex-Ministro da Educação no XV Governo Constitucional (2002-2004) – defende claramente, entre outras, as seguintes teses:

1. o atraso na educação em Portugal deve-se a uma incapacidade, profunda e enraizada na sociedade, de nos educarmos mais e melhor;

2. tal atraso apenas se ultrapassa com a «devolução das escolas às comunidades locais, diversificação e descentralização competitiva» (p. 118), frisando a importância do reconhecimento social da educação, a descentralização e autonomia maior das escolas e a liberalização das políticas de gestão escolar, que recuariam o Ministério da Educação para a sua verdadeira função, a de financiamento, concepção do curriculum mínimo nacional, definição de padrões de referência das aprendizagens, avaliação externa, inspecção, auditoria e processo legislativo inerente;

3. é necessário apostar verdadeiramente na formação de base, concedendo mais tempo lectivo para as disciplinas axiais (matemática e língua portuguesa), num 1.º ciclo de seis anos, que obviaria aos problemas (causadores de insucesso) da transição do actual 1.º ciclo para o 2.º, quando os pré-adolescentes, como comprovam os estudos, beneficiariam de maior estabilidade (mono-docência) até ao início da adolescência, para aí, sim, mudarem de escola e passarem a ter mais professores;

4. menos dispersão disciplinar no actual excessivamente complexo (em termos curriculares) 3.º ciclo e mais concentração de meios nas disciplinas mais importantes…

Chama a atenção para o mau contributo das tendências românticas na pedagogia contemporânea, ao não terem visto que não é a maior equidade social que trará maior qualidade ao ensino, mas precisamente o inverso; a melhor forma de atingir a (por todos) querida qualidade do ensino «não será “descer” ao aluno, mas fazê-lo “subir” a um nível superior de capacidade intelectual» (p. 90); de caminho, denuncia os nefastos tiques modais do “eduquês”, como o “aprender brincando”, a ilusão tecnológica ou o pseudo-sucesso (meramente estatístico) para todos.

Sem peias, aponta também como aspectos negativos: o recuo das autarquias quando se trata de assumir responsabilidades políticas em matérias educativas; o corporativismo e conservadorismo dos professores (sempre avessos, desde sempre, a qualquer mudança, embora hoje cada vez mais fustigados por mudanças constantes, mal arquitectadas e pior explicadas); a influência desmedida e prejudicial dos sindicatos, que se centram em aspectos excessivamente laborais e não necessariamente pedagógicos e organizacionais, o que tende a conduzir qualquer mudança reformadora ao fracasso; ou a excessiva mediatização dos aspectos educativos, que prejudica mais do que ajuda a solucionar os problemas estruturais do nosso sistema.

Não se compromete muito sobre dois temas políticos “quentes” – carreira e avaliação de desempenho docente. Mas afirma claramente a extrema importância desta última e revela a sua total descrença face ao actual sistema:

«Duvido que tal sistema [de avaliação de desempenho docente] já exista e que permita reconhecer o mérito dos melhores, valorizar o trabalho dos que são apenas bons e afastar aqueles que, por razões objectivas, não podem continuar a exercer a profissão de professor.

O défice de avaliação do desempenho docente é claramente uma das causas do défice da qualidade da educação em Portugal, em especial do ensino público.» (p. 81)

Pequena obra, mas bem informada, de raro desinteressado rigor e minimamente orientada para soluções; por isso, tamanha de importância, em sector tão desnorteado quanto determinante para o futuro de Portugal e dos portugueses que nele resistirem. De leitura obrigatória para todos: professores, pais, autarcas, deputados – crentes, críticos e desavindos. Basta saber ler… E, claro está, pensar um pouco, de forma responsável e consequente.

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