segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Dar a pensar...


[Sobre o 1.º e 2.º ciclos do ensino básico]

[2.]

Em segundo lugar, esses estudos, nomeadamente os baseados nos resultados dos testes e provas de aferição nacionais, revelam ainda algumas surpresas. Por exemplo, os resultados dos alunos do 6.º ano são geralmente piores que os do 4.º ano. Será que os alunos perdem competências na passagem do 1.º para o 2.º ciclo? Ou será que essa transição não é acompanhada de uma melhor articulação de conteúdos e de procedimentos entre os vários saberes? Será ainda que os conhecimentos e competências adquiridos no 1.º ciclo não são suficientemente consolidados para que os alunos possam enfrentar os desafios mais complexos que os anos seguintes vão trazer?

A nível macro, que respeita à forma como se organiza o ensino, o 2.º ciclo sempre foi um dos pontos de tensão do sistema de ensino português, desde o velho “complementar” até ao “ciclo preparatório”, acabando por transferir essa tensão para a Reforma de 1986 com a introdução do actual “ensino básico” de nove anos. Coincidindo com o período da pré-adolescência, trata-se de uma transição crítica nos trajectos escolares que não tem sido gerida da melhor forma.

Ao nível intermédio, a organização das escolas, separando as escolas do 1.º ciclo das EB23, obriga a uma transição de ambiente escolar e de estrutura curricular para as quais os alunos não estão devidamente preparados e capacitados.

A nível micro, relativo aos processos de aprendizagem, é conhecido o facto de algumas competências fundamentais, quer na língua materna quer na matemática, precisarem da continuidade dos processos e de ambientes de aprendizagem estáveis para se consolidarem.

É por estas razões que há muito defendo um ensino primário de seis anos de forma a assegurar essa consolidação e a fazer coincidir os problemas da transição escolar para o período de entrada da adolescência. Lembre-se que o início antecipado da escolarização dos alunos no 1.º ciclo (a partir dos 6 anos e muitos ainda com 5) é uma razão adicional para repensar o tal ciclo primário de seis anos. Não é por acaso que em muitos países europeus se continua a limitar o acesso das crianças à escola primária até aos 7 anos, considerada a idade adequada.

Poderemos, assim, estar perante uma clara inadequação entre o que se pretende ensinar e o que é possível aprender.»

David Justino, Difícil é Educá-los (Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2010) 75-6.

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