Há um ano, Aires Almeida, destacado professor de Filosofia e membro da Sociedade Portuguesa de Filosofia, publicava no
Público uma apologia dos exames nacionais ("Valorizar os exames para valorizar a escola"), com a qual concordo, em geral, dado que destrói alguns preconceitos (uns de mero senso comum, outros marcadamente ideológicos) face aos exames e apresenta alguns bons argumentos para os tornar um indispensável instrumento (entre outros) de avaliação dos alunos e do sistema de ensino e um importante meio de recredibilização da escola.
Eis o texto integral:
«Aproximam-se os exames nacionais. Por esta altura milhares de estudantes do ensino secundário começam a sentir alguma ansiedade. Tal ansiedade, se não for excessiva, pode até nem ser indesejável. Ao logo das suas vidas pessoais e profissionais, os jovens irão provavelmente passar por situações idênticas, em que, num par de horas, muita coisa importante pode estar em jogo. É bom que estejam preparados para enfrentar tais situações e que sejam mesmo capazes de as encarar como oportunidades a aproveitar.
As coisas parecem complicar-se para alguns estudantes apenas quando não conseguem controlar a ansiedade e ficam num estado de grande nervosismo. Mas isso só acontece porque a realização de exames se tornou, no percurso escolar dos estudantes portugueses, uma coisa rara. Estivessem os estudantes habituados a exames e certamente seriam encarados com naturalidade.
Mas para quê fazer exames, afinal? Algumas pessoas acreditam que os exames nacionais não trazem qualquer vantagem ao processo de avaliação das aprendizagens dos estudantes e que, portanto, são dispensáveis. Há mesmo quem diga que os exames empobrecem e distorcem o processo de avaliação contínua desenvolvido pelos professores ao longo do ano lectivo. Argumentam frequentemente que 1) uma prova de exame nacional não permite avaliar a diversidade de aprendizagens e competências adquiridas durante todo um ano lectivo; que 2) é incorrecto e injusto deixar que o futuro dos alunos se decida numa só prova, podendo eles nem sequer estar nos seus melhores dias; que 3) tratam de forma igual o que é diferente, na medida em que os percursos de aprendizagem de cada aluno são os mais diversos e que 4) não permitem medir com o rigor apregoado o conhecimento dos alunos.
Acontece que nenhum desses argumentos é sólido. Curiosamente, alguns acabam por se refutar a si mesmos.
Atente-se no primeiro. É certo que nenhuma actividade ou instrumento de avaliação permite, isoladamente, avaliar todas as aprendizagens adquiridas pelos alunos. Mas isso só milita a favor da ideia de que a avaliação deve ser tão diversificada quanto possível. Ora, é uma verdade conceptual que um processo de avaliação sem exame nacional é menos diversificado do que um processo de avaliação com exame nacional. Dado que o exame nacional não substitui os instrumentos utilizados pelos professores nas aulas, antes se lhes acrescenta, ele contribui para enriquecer o processo de avaliação, ao invés de o empobrecer.
O segundo argumento tem subjacente uma premissa falsa, a saber, que tudo se decide numa prova de duas horas. Mas as provas de exame apenas contribuem, de forma algo modesta, para a média final de cada disciplina. De resto, ainda que isso não fosse falso, o mesmo raciocínio poderia ser aplicado a cada um dos testes realizados nas aulas. Também aí os alunos podem não estar nos seus melhores dias. Será, pois, que os testes também não devem contar? E será que, recorrendo ao mesmo tipo de argumento, se poderá anular a tal entrevista decisiva a que nos submetemos para obter o tão desejado emprego?
O terceiro argumento é simplesmente inconsistente com a existência de programas nacionais para cada disciplina. Se há programas nacionais, é suposto que os alunos cheguem ao fim do percurso tendo aprendido as mesmas coisas, independentemente do modo como lá chegaram.
Por sua vez, do facto de os exames não medirem tão rigorosamente quanto se supõe os conhecimentos adquiridos não se segue que os exames não tenham qualquer rigor. E muito menos se pode concluir que sejam dispensáveis. As melhores previsões meteorológicas também podem não exibir o rigor desejável, mas isso não as torna dispensáveis.
Em contrapartida, há várias boas razões para a existência de exames nacionais. Em primeiro lugar, introduzem um elemento de maior transparência e equidade no processo de avaliação dos alunos, permitindo também avaliar melhor o próprio sistema. Em segundo lugar, estimulam a excelência do ensino muito mais do que qualquer processo de avaliação dos professores, pois é sobretudo aí que eles se sentem realmente postos à prova quando ensinam. Em terceiro lugar, promovem nos estudantes uma atitude cognitivamente mais responsável e empenhada.
Todavia, isto só é possível com provas de exame bem concebidas. Uma prova bem concebida é uma prova que contenha alguma previsibilidade, mas que não apele ao “empinanço”. É, além disso, uma prova não demasiado longa e prolixa, dando tempo aos alunos para pensarem em vez de se exigir deles respostas apressadas. E não se devem deixar de fora disciplinas estruturantes, como a Filosofia.
A escola tem sido cada vez mais socialmente desvalorizada nos últimos tempos. Os exames podem contribuir para a revalorizar e lhe dar alguma credibilidade social. Uma escola sem exames é uma escola que corre o risco de se descredibilizar irremediavelmente.»