1. O grupo ecologista “Verde Eufémia” destruiu parte de um milheiral em Silves. A GNR não actuou cabalmente em conformidade com as suas obrigações legalmente instituídas. O governo meteu os pés pelas mãos: o Ministro da Agricultura, depois de se precipitar na acusação, sem provas, de um partido da oposição de estar envolvido no triste episódio, cometeu a gafe de oferecer apoio judiciário ao agricultor lesado; e o Ministro da Administração Interna limitou-se, de forma completamente desadequada, a vestir a pele de comentador político, tecendo considerações sobre se aquele crime seria um crime público ou semi-público! E para fechar “a novela política do Verão”, o Bloco de Esquerda foi, no mínimo, ambíguo, para não dizer irresponsável, nas declarações sobre o caso: primeiro, Miguel Portas a agitar, regozijando-se com o acto, a bandeira da desobediência civil, numa atitude pouco ponderada (portanto, pouco seriamente política!); depois, Francisco Louçã, diante do acutilante Mário Crespo no jornal das 9 da SIC Notícias, a não conseguir mais do que um comprometedor e mesmo, estou em crer, embaraçoso «não aprovamos!”.
Afinal, nem o governo nem o Bloco de Esquerda foram capazes de condenar o acto: o primeiro, através de palavras, mas sobretudos de acções, e o segundo, por via de uma clara assunção político-ideológica – ou condenava e tomava parte do grupo de partidos efectivamente democráticos ou apoiava abertamente, assumindo-se como um partido marxista-leninista, com métodos tudo menos democráticos de fazer prevalecer as suas posições “políticas”!
2. O problema não é propriamente o pensamento de Marx, que alimenta o tronco essencial do socialismo, tão legítimo – mesmo para quem não se deixa convencer por ele – como qualquer outra tentativa de conhecer a sociedade e de teorizar acerca da sua mais justa organização. O problema é o Marxismo, que é outra coisa diferente – as interpretações mais ou menos radicalizadas e intransigentes do pensamento original, algumas delas que o próprio Marx ainda chegou a reprovar. O problema, conhecido, do marxismo-leninismo é precisamente a rejeição, assumida claramente por Lenine, da política como actividade prática, natural e apaziguadora do homem, em prole da ideia de uma ideologia única verdadeira, apenas acessível aos altos dirigentes da classe trabalhadora e que deveria ser imposta por todos os meios necessários. Como afirmou criticamente a propósito um académico socialista britânico (democrático, portanto!), «qualquer socialismo que destrói as liberdades dos outros e destrói a verdade destrói-se a si próprio».(1)
A forma como os partidos ou outras associações de extrema esquerda, como o Bloco de Esquerda e este “Verde Eufémia”, convivem com a atitude revolucionária voraz e intolerante de imposição ideológica e com a respectiva e inevitável violência que lhe está necessariamente associada, fazem deles associações partidárias com um pé dentro e outro fora... da política! Como diria a campeã da crítica ao totalitarismo, Hannah Arendt, quando surge a violência, acaba a política!
3. Quanto à desobediência civil, trata-se de uma teoria política com sólidas raízes na história do pensamento político e na prática do Ocidente, que consiste no intuito de resistir à injustiça política e de produzir uma mudança no exercício da autoridade política e não (ao contrário do que acontece com uma convencional infracção à lei) obter alguma vantagem pessoal. De qualquer modo, as tentativas de justificação da desobediência civil sempre tiveram – e apesar das múltiplas diferenças, desde Henry Thoreau até Mahatma Gandhi ou Martin Luther King – um fundo ético e uma preocupação moral prática muito forte, na tentativa justamente de afastar a justificação deste instrumento político legítimo para longe do arbitrário, reprovável e portanto infundado desrespeito convencional pela lei.
Deve este instrumento democrático muito sério ser, pois, usado notavelmente de forma muito séria, quando efectivamente esteja em causa o contrato celebrado entre o povo e a organização política que institui a ordem pública e, sob o império da lei, dirige os destinos básicos dos cidadãos.
4. Será o caso dos transgénicos uma razão legítima de revolta contra o(s) Estado(s)? Talvez não. O que não retira em nada a legitimidade do debate esclarecido e crítico sobre a sua introdução na nossa cadeia alimentar. O que não significa que a lei comunitária existente, que permite já uma pequena percentagem de transgénicos na cadeia alimentar, seja correcta. Há muito ainda a reflectir e a ponderar sobre esta aventura biológica, que é ainda a engenharia genética aplicada aos produtos agro-alimentares.
A questão é que as forças políticas que projectaram e encorajaram a prática deste acto de invasão de propriedade, acabaram por nem sequer atingir os objectivos (apesar de tudo, ainda assim louváveis), que seria colocar o problema ecológico dos organismos geneticamente modificados (OGM) na agenda política... da sociedade civil! Eis como se pode matar o debate e a tentativa, sempre árdua, de consciencialização sobre um tema, no fundo e infelizmente, tão longínquo para a maioria dos portugueses, agora muitos certamente afectados pela força e desengano das imagens – “afinal, os ecologistas (por muito que tenha sido apenas um pequeno grupo) são violentos... não são pessoas altamente instruídas e com consciência de mundo invulgar, capazes de convencer por um mundo melhor!”
5. Quem deseje pensar e agir no sentido da melhor organização da sociedade (i.e., quem deseje fazer política!) tem que tomar uma clara e inequívoca decisão: ou opta pela força das ideias e das palavras para convencer o outro e aí, sim, faz realmente política, ou opta pela força dos actos violentos de agressividade para intimidar ou aniquilar o outro, caindo assim fora do âmbito da verdadeira política. E mesmo quem não está muito particularmente interessado na política activa (o chamado “cidadão comum”), não deixa de ter que tomar uma decisão semelhante: ou apoia a força das palavras e das ideias ou aquiesce irresponsavelmente diante do regresso à violência beligerante pseudo-legitimada pela retórica dos duros!
(1) Bernard Crick, O Socialismo, trad. M. F. Gonçalves de Azevedo (Editorial Estampa, Lisboa, 1988) p. 109.
Afinal, nem o governo nem o Bloco de Esquerda foram capazes de condenar o acto: o primeiro, através de palavras, mas sobretudos de acções, e o segundo, por via de uma clara assunção político-ideológica – ou condenava e tomava parte do grupo de partidos efectivamente democráticos ou apoiava abertamente, assumindo-se como um partido marxista-leninista, com métodos tudo menos democráticos de fazer prevalecer as suas posições “políticas”!
2. O problema não é propriamente o pensamento de Marx, que alimenta o tronco essencial do socialismo, tão legítimo – mesmo para quem não se deixa convencer por ele – como qualquer outra tentativa de conhecer a sociedade e de teorizar acerca da sua mais justa organização. O problema é o Marxismo, que é outra coisa diferente – as interpretações mais ou menos radicalizadas e intransigentes do pensamento original, algumas delas que o próprio Marx ainda chegou a reprovar. O problema, conhecido, do marxismo-leninismo é precisamente a rejeição, assumida claramente por Lenine, da política como actividade prática, natural e apaziguadora do homem, em prole da ideia de uma ideologia única verdadeira, apenas acessível aos altos dirigentes da classe trabalhadora e que deveria ser imposta por todos os meios necessários. Como afirmou criticamente a propósito um académico socialista britânico (democrático, portanto!), «qualquer socialismo que destrói as liberdades dos outros e destrói a verdade destrói-se a si próprio».(1)
A forma como os partidos ou outras associações de extrema esquerda, como o Bloco de Esquerda e este “Verde Eufémia”, convivem com a atitude revolucionária voraz e intolerante de imposição ideológica e com a respectiva e inevitável violência que lhe está necessariamente associada, fazem deles associações partidárias com um pé dentro e outro fora... da política! Como diria a campeã da crítica ao totalitarismo, Hannah Arendt, quando surge a violência, acaba a política!
3. Quanto à desobediência civil, trata-se de uma teoria política com sólidas raízes na história do pensamento político e na prática do Ocidente, que consiste no intuito de resistir à injustiça política e de produzir uma mudança no exercício da autoridade política e não (ao contrário do que acontece com uma convencional infracção à lei) obter alguma vantagem pessoal. De qualquer modo, as tentativas de justificação da desobediência civil sempre tiveram – e apesar das múltiplas diferenças, desde Henry Thoreau até Mahatma Gandhi ou Martin Luther King – um fundo ético e uma preocupação moral prática muito forte, na tentativa justamente de afastar a justificação deste instrumento político legítimo para longe do arbitrário, reprovável e portanto infundado desrespeito convencional pela lei.
Deve este instrumento democrático muito sério ser, pois, usado notavelmente de forma muito séria, quando efectivamente esteja em causa o contrato celebrado entre o povo e a organização política que institui a ordem pública e, sob o império da lei, dirige os destinos básicos dos cidadãos.
4. Será o caso dos transgénicos uma razão legítima de revolta contra o(s) Estado(s)? Talvez não. O que não retira em nada a legitimidade do debate esclarecido e crítico sobre a sua introdução na nossa cadeia alimentar. O que não significa que a lei comunitária existente, que permite já uma pequena percentagem de transgénicos na cadeia alimentar, seja correcta. Há muito ainda a reflectir e a ponderar sobre esta aventura biológica, que é ainda a engenharia genética aplicada aos produtos agro-alimentares.
A questão é que as forças políticas que projectaram e encorajaram a prática deste acto de invasão de propriedade, acabaram por nem sequer atingir os objectivos (apesar de tudo, ainda assim louváveis), que seria colocar o problema ecológico dos organismos geneticamente modificados (OGM) na agenda política... da sociedade civil! Eis como se pode matar o debate e a tentativa, sempre árdua, de consciencialização sobre um tema, no fundo e infelizmente, tão longínquo para a maioria dos portugueses, agora muitos certamente afectados pela força e desengano das imagens – “afinal, os ecologistas (por muito que tenha sido apenas um pequeno grupo) são violentos... não são pessoas altamente instruídas e com consciência de mundo invulgar, capazes de convencer por um mundo melhor!”
5. Quem deseje pensar e agir no sentido da melhor organização da sociedade (i.e., quem deseje fazer política!) tem que tomar uma clara e inequívoca decisão: ou opta pela força das ideias e das palavras para convencer o outro e aí, sim, faz realmente política, ou opta pela força dos actos violentos de agressividade para intimidar ou aniquilar o outro, caindo assim fora do âmbito da verdadeira política. E mesmo quem não está muito particularmente interessado na política activa (o chamado “cidadão comum”), não deixa de ter que tomar uma decisão semelhante: ou apoia a força das palavras e das ideias ou aquiesce irresponsavelmente diante do regresso à violência beligerante pseudo-legitimada pela retórica dos duros!
(1) Bernard Crick, O Socialismo, trad. M. F. Gonçalves de Azevedo (Editorial Estampa, Lisboa, 1988) p. 109.