domingo, 25 de outubro de 2009

"Pare, escute, olhe"

A longa metragem "Pare, escute, olhe", de Jorge Pelicano, um documentáriuo sobre a linha do Tua, ganhou ontem seis prémios, três num festival em Seia e outros três no DocLisboa. Mais uma oportunidade para quem ainda não se apercebeu do que está em jogo na construção de uma barragem no rio Tua, de se abrir à reflexão crítica sobre uma obra destruidora de uma das linhas ferroviárias de montanha mais belas do mundo.
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No site do DocLisboa pode ler-se esta descrição do documentário:
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Seria bom que, no que toca a decisões políticas, ao invés de se deixarem conduzir pelo ímpeto da modernização irreflectida e a todo o custo, os nossos representantes decisores poíticos parassem, escutassem e olhassem um pouco à sua volta.

quinta-feira, 22 de outubro de 2009

Liberdade de expressão

Quando, há algum tempo atrás, se elevou a bandeira da liberdade de expressão para legitimar as famosas “caricaturas de Maomé” contra a rebelião dogmática e “atrasada” dos fundamentalistas islâmicos, tudo pareceu demasiado simples: o caricaturista tinha o direito fundado na liberdade de expressão de caricaturar o profeta e o povo islâmico não tinha o direito de o impedir. Na altura talvez tenha sido dos poucos a lembrar o facto de civilização ocidental e mundo islâmico viverem em dois paradigmas culturais e ético-políticos de tal modo distintos, cuja incomensurabilidade exigia algum cuidado nas apressadas comparações – apesar do princípio liberal da liberdade de expressão ser, no Ocidente, um princípio inquestionável, a sua universalização, não sendo fácil, requer uma prudência acrescida (talvez fosse bom ter consciência de que tal princípio muito dificilmente poderá ser valorizado, muito menos de forma imposta, no mundo islâmico ainda muito pouco secularizado).

Agora, o Nobel português da literatura vem, no seu recente Caim e mais uma vez, criticar e até, ao que parece, parodiar a Bíblia. Mas cidadãos de um país integrado, não só geográfica mas também historicamente, na secularizada civilização ocidental reagem na desmesura de quem não lhe permite, ao escritor, a liberdade de exprimir as suas ideias.

Este caso faz-me lembrar a defesa que, no séc. XIX, o filósofo liberal britânico John Stuart Mill fez da liberdade de expressão, na sua obra Sobre a Liberdade:

«(…) o mal particular em silenciar a expressão de uma opinião é que constitui um roubo à humanidade; à posteridade, bem como à geração actual; àqueles que discordam da opinião, mais ainda do que àqueles que a sustentam. Se a opinião for correcta, ficarão privados da oportunidade de trocar o erro por verdade; se estiver errada, perdem uma impressão mais clara e viva da verdade, produzida pela sua confrontação com o erro – o que constitui um benefício quase igualmente grande.»

O euro-deputado do PSD que veio “pedir a cabeça” do ateu militante José Saramago (aqui), incorre num erro grosseiro, que parece tomar conta de muitos cidadãos que ascendem à vida pública – uma pobreza confrangedora de pensamento e uma ignorância da história das ideias políticas, escolhos que provocam o tropeço em contradições e o atropelo dogmático e incrivelmente inconsciente dos princípios estruturantes da própria civilização em que vivem e ajudam a gerir a vida pública dos seus concidadãos.
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É claro que a liberdade de expressão tem limites, como qualquer defensor lúcido desse princípio fulcral sabe (como o próprio Mill! Veja-se, a propósito, a crónica de hoje de João Cardoso Rosas no "i"). Mais complicado é definir, fundadamente, tais limitações. Muito diferente é arrasar grosseiramente o próprio princípio da liberdade: ao invés de discutir a crítica saramaguiana, ataca-se a pessoa, incorrendo na, infelizmente, muito usada falácia ad hominem, que torna o argumento completamente inválido. Mário David não só veio assim ajudar a alimentar uma polémica comercialmente rentável para o escritor, como veio mostrar o quão longe da civilização democrática liberal se encontra o pensamento e a acção de muitos dos cidadãos portugueses, incluindo aqueles em que se depositam, através de um acto gerador de representatividade, as grandes responsabilidades públicas.

Só nos resta esperar que alguns Saramagos continuem a exprimir livremente as suas ideias problematizadoras das crenças mais fundamentais da nossa civilização e que sejamos livres de o ler ou de o não ler. Mas espera-se também que haja capacidade de, reflectindo em tais críticas, mostrar, com elevação e qualidade intelectual, que, se for o caso, são críticas inválidas.

quarta-feira, 21 de outubro de 2009

A moda do “politicamente correcto”

Géopolitique (Paris, 2005) n.º 89
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O political correctness é uma moda iniciada em universidades americanas, rapidamente estendida a todo o mundo ocidental, que consiste em pretender moralizar o vocabulário político no que toca a designar pessoas ou grupos considerados, com ou sem razão, como sendo tratados de forma indigna pela suposta “ideologia dominante” da civilização ocidental.
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Assim, passou a utilizar-se: “afro-americanos” em vez de “negros”; “americanos de origem” (native americans), em lugar de “índios”; “Humankind”, ao invés de “Mankind”; “pessoa diferentemente provida de capacidades psíquicas”, no lugar de “doente mental”; ou, entre nós, introduzidos por políticos socialistas, por exemplo, “portuguesas e portugueses”, em vez do gramaticalmente correcto e simples “portugueses” ou “o aluno ficou retido”, em vez de “o aluno reprovou”, já que se trata, objectivamente, de informar o aluno que terá que voltar a aprender mais e melhor e prestar provas de que realmente sabe. (Repare-se como a expressão “o aluno ficou retido”, que os doutos ideólogos do Ministério da Educação impuseram ao discurso dos professores, pode ser tão nefasta como sugerir que reprovar é algo monstruoso, traumático e “coisa antiga”, ultrapassada, conservadora! De facto, a pouco feliz e, sem dúvida, despropositada expressão, parece mostrar que “alguém” não permite que o aluno prossiga o seu processo de aprendizagem, como se fossem uns “mauzões”, que desejassem prejudicar o aluno; quando o que se trata é de beneficiar o aluno com a informação verdadeira de que não aprendeu conhecimentos e, tantas vezes, sobretudo competências, suficientes para continuar a aprender conhecimentos e desenvolver competências mais complexas e que, por isso, deve voltar a repetir o processo de aprendizagem que lhe permita, de facto, aprender para, depois de examinado, vir a ser efectivamente aprovado para aceder a um patamar superior.)

Este movimento moralizante, algo artificioso, foi levado muito a sério, mesmo em países civilizacionalmente (ditos) insuspeitos. Em 1991, o governo federal canadiano chegou mesmo a distribuir à imprensa e instituições interessadas uma brochura com as expressões “politically correct” a empregar para as diferentes formas de doenças. O filósofo Luc Ferry, ex-Ministro da Educação francês, conta que, quando foi convidado a fazer uma conferência em Montréal, no início da década de noventa, sobre a Declaração dos Direitos do Homem, a Universidade lhe pediu, sob pressão dos movimentos feministas, para alterar o nome da conferência (“Sur la déclaration des droits de l’homme de 1789”) para a forma artificiosa e descontextualizada “Sur la déclaration des droits humains de 1789”!

A esta moda vocabular podem juntar-se infelizes leis proibitivas de opiniões ditas desviantes da norma, como leis que penalizem quem afirme opiniões sobre o genocídio dos judeus pelos nazis durante a Segunda Guerra Mundial que divirjam da versão correntemente admitida, bem como leis ou projectos de lei que se têm discutido a respeito da homofobia ou da islamofobia, ou seja, de tudo o que não agrada à opinião dominante.

Ora, este ímpeto moralizador – atractivo tanto, por um lado, para socialistas como, por outro, para conservadores – não só não tem sentido, como coloca em perigo a convivência livre e democrática. Estas censuras, tanto as ditas “progressistas” como as “reaccionárias”, tanto morais como, pior ainda, legais, não fazem sentido, a não ser que se entenda que, por exemplo, a verdade científica acerca da homossexualidade ou do Islão tenha sido alcançada e que o progresso do conhecimento parou, o que não é fácil de sustentar de forma racional e intelectualmente responsável. Não passam, pois, de dispositivos repressivos que pretendem identificar os pontos de vista da classe política no poder com um pretenso saber absoluto, quando tais pontos de vista são, pelo contrário, tão frágeis quanto altamente influenciados pela moda e pelos media.

Afinal, normalizar o discurso ou proibir formas de pensar, não é outra coisa senão a tentativa artificiosa (e, portanto, não naturalmente democrática) de legitimação de dogmas de Estado, de formas de censura e de coerção ilegítimas do pensamento do indivíduo e, além disso, com resultados práticos completamente superficiais (ao nível da linguagem) em lugar de essenciais (na acção). Tais formas de coerção pouco diferem (a não ser na ausência de fogueiras) da velha e reiteradamente reprovável Inquisição!

terça-feira, 20 de outubro de 2009

As ideias ao PSD

Estão a surgir propostas para a revitalização política do PSD, um dos maiores partidos portugueses (ver aqui ou aqui). Marcelo Rebelo de Sousa, a marcar, indelevelmente, a agenda política do partido, ou Morais Sarmento, com a concordância da distrital de Lisboa avançam com a ideia de que é imperioso agora reflectir sobre os princípios e ideias políticas centrais do partido, relegando para segundo plano a questão dos nomes candidatos a suceder a Manuela Ferreira Leite.
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Finalmente, as pessoas com maiores responsabilidades no partido parecem compreender que há que empreender um sério e clarificador debate de ideias fundamentais, de carácter ideológico, estratégico e, portanto, eminentemente político, sob pena de fazer implodir o partido enquanto instituição politicamente útil.
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É hora de avançarem as ideias para iniciar a discussão. O rosto que as comunicará aos portugueses e as representará na cena política nacional deverá surgir depois. Este seria o caminho -- veremos se assim será percorrido!

sexta-feira, 16 de outubro de 2009


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Dar a pensar
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«Se os homens fossem anjos, nenhum governo seria necessário. Se os anjos governassem os homens, não seriam necessários nem controlos externos nem internos sobre o governo. Ao criar um governo que será administrado por homens sobre homens, a grande dificuldade reside no seguinte: devemos, em primeiro lugar, capacitar o governo para controlar os governados; e em seguida, obrigá-lo a controlar-se a si próprio. A dependência do povo é, sem dúvida, o controlo primário sobre o governo; mas a experiência ensinou à humanidade a necessidade de precauções adicionais.»

James Madison, “O Federalista”, 51

quarta-feira, 7 de outubro de 2009

Ideias luminosas

A Campanha eleitoral para as Autárquicas é sempre interessante. Pode muito bem servir para verificar as diferenças, profundamente ideológicas por vezes, entre os candidatos. No exemplo de Sintra e a propósito de um dos problemas do concelho - a insegurança e criminalidade -, duas soluções paradigmáticas: Fernando Seara, candidato do PSD, propõe mais efectivos da PSP e GNR; Ana Gomes, euro-deputada socialista, critica, afirmando que a insegurança e criminalidade não se resolvem apenas com medidas securizantes, "é preciso investir nos equipamentos sociais, por exemplo com uma maior iluminação das ruas..." Solução (?) tipicamente socialista, para mostrar que se é diferente dos ditos conservadores sociais-democratas.
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Toda a gente percebe que, com ruas melhor iluminadas, a criminalidade diminui. Polícias, opressão..., para quê, quando podemos resolver os problemas reais com modernaças ideias luminosas?!

quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Especulações

Há na blogosfera quem sustente a hipótese teórica de Cavaco Silva não indigitar José Sócrates para Primeiro-Ministro (por exemplo, no Abrupto de Pacheco Pereira e mesmo no Jugular, em que participam os deputados eleitos pelo PS, João Galamba e Miguel Vale de Almeida). É possível, mas unicamente na medida em que tudo pudesse ser possível. Na realidade, não é nada crível - seria um erro político, que Cavaco, obviamente, não cometerá.
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(Para um resumo das possibilidades constitucionais e políticas, veja-se aqui.)

A política do Presidente

O Presidente da República cooperou estrategicamente com o governo de Sócrates, por concordar com o seu inicial ímpeto reformista e por discordar do rumo do seu partido. A forma autoritária e pouco dialogante de Sócrates e, sobretudo, as traições cometidas (como o Estatuto dos Açores), bem como uma nova orientação do PSD do agrado de Cavaco Silva, com a chegada de Ferreira Leite, fizeram crescer o conflito político, relegando a relação entre ambos – Presidente e Primeiro-Ministro – para uma tolerável relação puramente institucional.

Mas mesmo esta estava fadada para se quebrar: o caso da alegada participação dos assessores do Presidente na elaboração do programa do PSD e o ultimato arrogante e institucionalmente impróprio dos deputados socialistas que o pressionaram a esclarecer o caso, bem como as suspeitas de falta de segurança em Belém e eventual vigilância exercida pelo governo, fizeram perder a paciência ao homem político, que, apesar de Presidente da República, não deixa de ser, com todo o direito, um zoon politikon – um “ser vivo político”, alguém que tem ideias (e qualidades e vontade de as defender) sobre a melhor forma de gerir a vida pública.

Quanto a escutas, é bem possível que as não haja. Apesar do clima que o PS e o governo liderado por José Sócrates sempre imprimiu à governação e ao modo como lidou com os seus opositores ter, irremediavelmente, provocado receios públicos em manifestar opinião mais crítica, na tomada de posição pública, no exercício de decisões contrárias à vulgata socialista (sim, porque casos houve em que existiram represálias, não se tratou de mera invenção). E a suposta ignorância informática de Cavaco (com a qual tanta gente, algo ingenuamente, já tem gracejado), ao aparentar espanto pelo seu sistema informático estar vulnerável, pode muito ser justamente uma hábil aparência (afinal, o seu discurso está pleno de conteúdo latente) – o que Cavaco pode estar a querer dizer é que, como o seu sistema informático é, como qualquer outro, vulnerável, as suas dúvidas acerca da possibilidade de poder ser vigiado não se podem dissipar.

Quanto ao aproveitamento político do fantasma das escutas (termo utilizado à boca cheia por quem interessado na desmesura e na suposta “inventona”), é claro como o PS aproveitou o erro político de Cavaco, ao ter permitido que se avolumassem tais suspeitas, para o “colar ao PSD” e para fugir ao debate dos verdadeiros problemas do país. E o PSD, refém da que viria a ser percepcionada como a traição cavaquista (embora seja injusto não compreender que Cavaco viveu legitimamente dividido entre o espírito de missão em torno dos interesses nacionais e a hipótese do atempado esclarecimento da questão, o que sempre lhe poderia valer a acusação de querer beneficiar o PSD), perdeu-se na “asfixia democrática”, quando deveria ter discutido os outros problemas centrais do país.

O cargo de Presidente da República também é um cargo político, desempenhado por um homem político, que está a fazer política. Teria sido evitável? “Ninguém é de ferro”. Será oportuno, neste momento? Talvez até seja mesmo.