quarta-feira, 25 de agosto de 2010



Dar a pensar…


3.
«Um dos elementos constitutivos do espírito capitalista moderno, e não apenas deste, mas da própria cultura moderna, a conduta de vida racional baseada na ideia de profissão como vocação, nasceu – é o que esta exposição deveria provar – do espírito do ascetismo cristão. (…) Esta motivação radicalmente ascética do estilo de vida burguês (…) foi o que na sua sabedoria nos quis mostrar Goethe na sua obra Wanderjahre e no fim que deu ao seu Fausto. Para ele esta constatação significava a despedida de um período da humanidade pleno e belo, que na evolução cultural não voltará a repetir-se, como não se repetirá o florescimento ateniense clássico. O puritano queria ser um homem de profissão – nós temos de o ser. O ascetismo, ao ser transplantado das celas conventuais para a vida profissional, começou a dominar a ética secular e deu o seu contributo para a formação do poderoso cosmos da ordem económica moderna; esta, vinculada às condições económicas e técnicas da produção, com uma força irresistível, determina hoje o estilo de vida, não apenas da população activa mas de todos os indivíduos que nascem dentro desta engrenagem. E, provavelmente, isto poderá continuar a acontecer até que o último quintal de combustível fóssil seja queimado. (…) Ao mesmo tempo que se assistia à transformação e influência exercida pelo ascetismo sobre o mundo, estes bens superficiais adquiriram um poder crescente e depois irresistível, sobre os homens, como nunca antes aconteceu na História. Hoje, o seu espírito escapou-se dessa estrutura, quem sabe se para sempre. O capitalismo triunfante, após ter adquirido bases mecânicas, já não precisa desse apoio. E a boa disposição do iluminismo, o seu sorridente herdeiro, também esmoreceu. A ideia do “dever profissional” ronda pela nossa vida como um fantasma dos conteúdos religiosos do passado. Nos casos em que a “realização do dever profissional” não pode ser directamente ligada aos valores espirituais e culturais mais elevados – ou, ao contrário, quando tem de ser compreendida subjectivamente como uma coacção económica –, o indivíduo de hoje acaba por renunciar a qualquer tentativa de justificá-la. A procura de riqueza, no lugar de maior desenvolvimento – os Estados Unidos –, tende, despida do seu sentido ético-religioso, a associar-se a paixões competitivas, que lhe conferem não raro o carácter de desporto. Ainda ninguém sabe quem habitará essa estrutura vazia no futuro e se, ao cabo desse desenvolvimento brutal, haverá novas profecias ou um renascimento vigoroso de antigos pensamentos e ideais. Ou se, não se verificando nenhum deste dois casos, tudo desembocará numa petrificação mecânica, coroada por uma espécie de auto-afirmação convulsiva. Nesse caso, para os “últimos homens” dessa fase civilizacional, tornar-se-ão verdade as seguintes palavras: “Especialistas sem espírito, folgazões sem coração: estes nadas pensam ter chegado a um estádio da humanidade nunca antes atingido.”»

Max Weber, A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, trad. port. Ana Falcão Bastos e Luís Leitão (Lisboa: Presença/Ad Astra et Ultra S.A., 2010) 197, 198-9.

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