quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

Dar a pensar...

[Sobre finalidades da educação]

[1]

«Que tipo de sociedade vamos ter em 2025? Não será fácil responder de forma objectiva e suficientemente ampla a esta questão. Mas conhecemos algumas tendências.

Em primeiro lugar, a incerteza. Os últimos vinte anos da história mundial recolocaram o problema da reduzida visibilidade prospectiva, dificuldade característica dos períodos de obsolescência e aceleração dos processos de mudança. Fenómenos como a globalização, a inovação tecnológica contínua, as novas formas de competitividade nos mercados internacionais, o aumento de mobilidade das diferentes formas de capital, especialmente de capital humano, estão a transformar as bases da organização social, das economias e dos Estados.
(…)
É necessário preparar e educar as novas gerações para a incerteza. Como? Centrando o ensino e as aprendizagens no adquirido fundamental, a saber: diversificada formação cultural (as línguas, as literaturas, a historia, a filosofia, as artes) combinada com uma sólida cultura científica (a matemática e as ciências).
(…)
A incerteza exige, antes de mais, solidez de conhecimentos e capacidade de os mobilizar para situações novas. Essa solidez adquire-se com esforço – nomeadamente de memorização –, treino, trabalho sistemático e disciplina. A capacidade de mobilizar o conhecimento desenvolve-se através da prática de resolução de problemas, do incentivo à reflexão, do raciocínio demonstrativo, do confronto as soluções. Os dois requisitos completam-se e tornam-se indispensáveis principalmente quando sustentados em atitudes favoráveis aos processos de mudança e adaptação, nomeadamente de carácter organizacional.»

David Justino, Difícil é Educá-los (Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2010) 94-5.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

O génio maligno

«(…) Há sempre uma caterva de ingénuos prontos a escrever a história da última idiotice, a solenizar as tolices, a encontrar significados recônditos nas nulidades, a conceder entrada às imbecilidades no ensino de todas as ordens e graus, pensando que fazem obra democrática e progressista, que vão ao encontro dos jovens e do povo, que realizam a reunião da escola com a vida.»
(Mario Perniola, professor de Estética da Universidade Tor Vergata de Roma)

sábado, 12 de fevereiro de 2011

Tiro ao lado ou uma questão de perspectiva

A canção de intervenção “Parva que sou”, dos Deolinda, tem feito furor. Não admira, é um pequeno gritito de dor. Mas quiçá a perspectiva não seja assim tão acertada: afinal, colocar sobre os ombros dos jovens a responsabilidade das condições económicas e sociais actuais é não ter uma consciência política plenamente objectiva. Os políticos que têm ocupado o poder, só os temos porque alguém os escolheu; mas não foram outros senão eles mesmos a cavar a nossa sepultura. Se houve populismo, e não foi pouco, foi porque o povo assim o permitiu; mas sempre foram os políticos na posse do poder a desperdiçar a oportunidade de enveredar por caminhos mais firmes e certeiros, mesmo que menos populares.

Compare-se a letra (que talvez tenha atirado ao lado) do original, com esta versão “à direita” de Rui Passos Rocha, do Douta Ignorância.

“Parva que Sou”, Deolinda:

«Sou da geração sem remuneração
e não me incomoda esta condição.
Que parva que eu sou!

Porque isto está mal e vai continuar,
já é uma sorte eu poder estagiar.
Que parva que eu sou!

E fico a pensar,
que mundo tão parvo
onde para ser escravo é preciso estudar.

Sou da geração 'casinha dos pais',
se já tenho tudo, pra quê querer mais?
Que parva que eu sou!

Filhos, marido, estou sempre a adiar
e ainda me falta o carro pagar,
Que parva que eu sou!

E fico a pensar
que mundo tão parvo
onde para ser escravo é preciso estudar.

Sou da geração 'vou queixar-me p'ra quê?'
Há alguém bem pior do que eu na TV.
Que parva que eu sou!

Sou da geração 'eu já não posso mais!'
que esta situação dura há tempo demais
E parva não sou!

E fico a pensar,
que mundo tão parvo
onde para ser escravo é preciso estudar.»

Versão “à direita” de Rui Passos Rocha, do Douta Ignorância:

«Sou da geração sem remuneração
e sei que me tentam vender uma ilusão.
Os parvos que lá estão!

Porque isto vai mal e está p'ra piorar.
Não é assim tão mau eu poder estagiar.
Que parvos que eles são!

Assim posso demonstrar
que tenho valor
e que, quando for possível,
quererei assinar.

Sou da geração «casinha dos pais».
Como ficaram com tudo, vou exigir-lhes mais.
Que parvos que eles são!

Filhos, esposas, estou sempre a adiar
E a culpa é de quem nos quis deslumbrar.
Que parvos que eles são!

E fico a pensar,
endividar os mais novos,
assim, cada vez mais,

só pode acabar mal.

Sou da geração «vou queixar-me p'ra quê?»
Há alguém bem pior do que eu na TV.
Que parvos que eles são!

Sou da geração «eu já não posso mais»,
que esta situação dura há tempo demais.
E parvos eles não são!
 

Isso faz-me desejar
que quem me governa
pense mais na minha
do que na sua geração.»

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

Americanização da cultura?

Um dos argumentos mais fortemente críticos do fenómeno da globalização, entrados que estamos numa fase altamente acelerada no último meio século, é o do perigo da homogeneização cultural – uma cultura (a ocidental, em particular a americana) disseminar-se-ia de tal modo, que se tornaria dominante, acabando por elidir toda a diversidade cultural, antropologicamente tão rica.

Mas antes de considerações axiológicas (ser bom ou mau), devemos atender a questões de facto – essa homogeneização parece não estar a acontecer, pelo menos nos moldes algo simplistas como os seus críticos inicialmente denunciavam.

Joel Waldfogel e Fernando Ferreira, da Wharton School (escola de gestão da Universidade da Pensilvânia), examinaram as canções que estiveram nas tabelas de música pop mais vendidas de 22 países, entre 1960 e 2007, e depois compararam a quota de cada país no mercado da música pop com a dimensão da sua economia.

Claro que os sucessos americanos dominavam, representando 51% dos discos vendidos durante este período. Mas ajustado ao PIB, a Suécia (quem não se lembra dos bem sucedidos ABBA?) lidera, seguida da Grã-Bretanha. Ao contrário da crítica que alerta para uma americanização da cultural, o que está a acontecer é que há mais pessoas em todo o mundo a ouvir música dos seus países de origem – os artistas estrangeiros representam agora, segundo o estudo, apenas 30% do top de cada país, bem menos do que os 50% registados nos anos 80.

É certo que os artistas mais populares em todo o mundo fazem música rock e hip hop com uma sonoridade tipicamente americana e ainda há uma nítida vantagem em cantar em inglês. Mas o referido estudo mostra que, no lugar de uma monocultura americanizada, os países mais pequenos estão a tornar-se intervenientes significativos no mercado mundial da música.

Fonte:
Joshua Keating, “O poder do soft rock. Terá o domínio cultural americano encontrado a sua Waterloo?”, Foreign Policy - Edição FP Portugal, n.º 18 (Outubro/Novembro 2010) 16.

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

Dar a pensar...

[Sobre a felicidade]

«Valorizamos a felicidade por si mesma e não apenas por ser instrumental. Mas o próprio conceito de felicidade esconde algumas armadilhas. Uma concepção subjectivista da felicidade considera que na felicidade só conta o que uma pessoa sente, interiormente, sendo irrelevante a origem do que a faz sentir-se feliz. Isto é implausível, porque, a ser verdadeira, significaria que seria para nós irrelevante se a fonte da nossa felicidade é a realidade ou uma fantasia. Mas isto não é irrelevante para nós: se uma fonte importante da minha felicidade é a amizade dos meus amigos, é para mim muitíssimo relevante se a amizade deles é genuína ou fingida.

Outra concepção implausível da felicidade é crer que se trata de algo que podemos fazer. Pelo contrário, a felicidade é algo que resulta de muitas actividades a que nos dedicamos, mas não é em si algo que possamos fazer. Porque não é algo que possamos fazer, é também implausível uma terceira ideia comum sobre a felicidade: que é algo que se pode obter fazendo algo momentoso especial, findo o qual ficamos felizes – mais ou menos como alguém que, depois de muito esforço, ganha uma medalha. (…)

A felicidade é um valor fundamental para todos nós, mas não se pode ser feliz visando a felicidade. É-se feliz cultivando-se actividades de valor e alargando a compreensão dos nossos talentos e limites. É-se feliz acrescentando valor ao mundo e apreciando o valor que encontramos no mundo. Mas isto não se faz senão fazendo coisas muito diversas – essas coisas banais que todos fazemos todos os dias e que incluem ser médico e curar pessoas, ou ser escritor e contar histórias, ou ser pai, mãe, filho ou amante carinhoso, ou cozinheiro de talento, ou professor paciente. Entregarmo-nos a actividades de valor é uma condição necessária para a nossa felicidade e há muitas actividades de valor. A verdadeira dificuldade é evitar atribuir valor ao que o não tem e não dar suficiente valor ao que o tem. Mas isso é algo que só aprendemos com a experiência, a reflexão e o estudo. Não há receitas mágicas.

Outra ilusão a evitar quando se reflecte sobre a felicidade é esquecermo-nos de quem realmente somos: mamíferos com certas peculiaridades, e ao mesmo tempo seres cognitivamente sofisticados. Nem deuses, nem bestas – mas um pouco de ambos, num certo sentido. Isto significa que vidas que privilegiem apenas as nossas preferências de mamíferos – a alimentação e o sexo, por exemplo – ou que privilegiem as nossas preferências cognitivas – o estudo e o conhecimento – terão poucas probabilidades de serem realmente compensadoras. Os seres humanos são tão incapazes de uma vida realizada vivendo como porcos como são vivendo como deuses. Daqui conclui-se que a ânsia de imortalidade, que está provavelmente no cerne do impulso religioso de algumas pessoas, pode ser uma tremenda ilusão: sendo nos o que somos – e somos seres intrinsecamente temporais – uma existência sem fim ou atemporal poderá parecer uma promessa paradisíaca, mas é bem mais razoável crer que será, na verdade, diabólica.

Precisamos de ser judiciosos na descoberta do valor, e isto implica dar uma grande atenção à realidade do que somos. (...)»

Desidério Murcho, A Filosofia em Directo (Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2011) 61-2.

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

Do Egipto para o mundo

Um governo serve para gerir o bem público. Nesse sentido, deve ser formado por pessoas capazes de o fazer bem. Nesta ordem de ideias não é logicamente necessário retirar a consequência de que tal governo tenha de ser democrático. Afinal, um ditador benevolente e competente servia perfeitamente este desígnio – governaria bem e ainda com a vantagem de deixar mais tempo livre aos cidadãos para conduzirem as suas próprias vidas sem preocupações políticas. Além disso, quando os cidadãos não são suficientemente capazes de tomar decisões para escolher os seus representantes, alguém terá de assumir essa nobre função por eles.

É nestes termos que mais ou menos todos os ditadores, como Hosni Mubarak e tantos outros, a nível internacional, nacional ou local, pretendem justificar o seu poder intocável e perpétuo. Afinal, é muito comum um qualquer coisa como “tudo farei, mas para vos salvar!” ou “seria o caos se deixasse o governo”. Há por esse mundo fora muitas democracias suspensas por oportunismos que servem “castas”; nenhuma por razões atendíveis, certamente.

Mas será esta justificação da ditadura aceitável? Não. Peca, antes de mais, por pressupor erradamente que o ditador seria incorruptivelmente benevolente, interessado apenas no bem público e não nos seus interesses ou dos seus. Além disso, pressupõe que há indivíduos sumamente competentes, perfeitamente capazes de exercer, sem mácula, as funções governativas. Mas o que é facto é que todo o ser humano é falível – ser humano e não um autómato é, justamente, ser falível. E, assim, não existe tal ditador benevolente e perfeitamente competente. Logo, a ditadura não pode ser a melhor forma de governo.

Aliado a esta falsa infalibilidade de alguns divinos eleitos, os defensores do sistema ditaturial erram, embora em graus variáveis, quando pressupõem que os cidadãos não estão preparados para assumir autonomamente as decisões de escolha dos seus representantes. Afinal, isso é talvez pressupor demasiado. Se pode ser verdade nalguns casos, que é certamente, não é verdade para todos e, em muitas sociedades, até pode ser uma interessada generalização precipitada.

De qualquer modo, sendo o ser humano falível, nada melhor do que arquitectar um sistema de governo capaz de lidar com essa falibilidade. É o caso da democracia. Se por acaso se erra na escolha dos líderes, há sempre a possibilidade de escolher outros. Para além de um conjunto de mecanismos que se desenvolveram ao longo da história, como a separação de poderes e o escrutínio público através de uma imprensa livre, tornarem o sistema democrático bastante bem fortalecido contra uma falibilidade humana nefasta.

Claro que a democracia também tem os seus defeitos. Mas, como dizia o velho Churchill, não deixa de ser «the worst form of government except from all those other forms that have been tried from time to time.» Apenas quem se ilude ainda com a possibilidade de existência do ser humano perfeito é que não está em posição de compreender este raciocínio claro: por muito benévolos e competentes que sejamos, não estamos imunes ao erro; sendo assim, há que permitir que, da sã e aberta concorrência aos lugares da governação, surjam os mais bem posicionados para os ocupar; logo, só um sistema de eleição democrática, plural e livre de representantes dos cidadãos pode atenuar esta falibilidade humana. Tanto quanto sabemos hoje, só a democracia preenche estes requisitos.

Pena é que os ditadores, com excepções desconhecidas, não se apercebam disto senão tarde demais, quase sempre depois de derramado muito sangue e com perdas sacrificiais altamente despropositadas e absurdamente injustas.

quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

Fotografias

“Três taças de gelatina #1”
(Janeiro 2011)
© Miguel Portugal
“Três taças de gelatina #2”
(Janeiro 2011)
© Miguel Portugal
“Três taças de gelatina #3”
(Janeiro 2011)
© Miguel Portugal