quinta-feira, 8 de julho de 2010


Leituras…

…do clássico (já com mais de um século) Max Weber, A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, trad. port. Ana Falcão Bastos e Luís Leitão (Lisboa: Ad Astra et Ultra, SA, 2010), obra funda-mental da sociologia e indispensável para compreender esse ethos, que nos forma ainda a vida, do capitalismo moderno.

O problema de que parte Weber é o de saber porque razão o capitalismo moderno se desenvolveu nos países protestantes e não tanto nos católicos. A sua tese é a de que há uma essencial relação entre o “espírito do capitalismo” e aspectos religiosos puros, que originaram a ética protestante e fizeram com os países em que dominava esta confissão religiosa tivessem superado os países católicos em desenvolvimento económico. O capitalismo moderno não aconteceu por questões meramente financeiras – v.g., um maior afluxo de dinheiro –, nem foi engendrado por «especuladores aventureiros e sem escrúpulos», como sempre houve em todas as épocas, mas sim porque um novo espírito (“espírito do capitalismo”) orientou a acção de homens devotos: «pelo contrário, foram homens educados na dura escola da vida, simultaneamente ponderados e audaciosos, mas sobretudo sóbrios e perseverantes, perspicazes e inteiramente dedicados à sua actividade, professando concepções e “princípios” rigidamente burgueses.» (p. 67)

A originalidade da tese de Weber consiste em afirmar que estas qualidades pessoais têm uma origem religiosa, no protestantismo, cuja consequente ética conduziu a um ascetismo secular (transformações essas integradas no processo de secularização, que Weber cunhou como “desencantamento do mundo”), ao contrário da ética católica que afastou o homem do mundo e o colocou no Além e via a acção profissional como algo de mundano e, portanto, afastado da graça. O protestante acreditava que, para agradar a Deus, glorificando-o, e atingir a salvação com a segurança da certitudo salutis, teria que responder ao seu calling / Beruf (“vocação”, “vocação profissional” ou “profissão enquanto vocação”), trabalhando árdua, constante e, sobretudo, eficazmente, cumprindo o seu “dever profissional” e gerando dinheiro, dentro dos limites da lei. Mas não sem escrúpulos, nem com o intuito de o esbanjar, evitando o consumismo, pois o puritanismo ascético das seitas protestantes (calvinismo, pietismo, metodismo, baptismo) implicava uma disciplina rigorosa que afastava o homem dos prazeres da carne, do luxo ou da simples fruição e acumulação de bens materiais.

Portanto, o que começou por ser uma disciplina férrea com o fito da salvação eterna deu lugar a uma organização sócio-económica racionalista, geradora de recursos possibilitadores de uma vida de bem-estar para a maioria, sobremaneira nos países mais ricos do norte da Europa e E.U.A., cujos indivíduos abraçaram uma ética protestante que valorizava o trabalho empenhado, esforçado e de qualidade.

A tese weberiana tem sido, naturalmente, muito discutida e até posta em causa. De qualquer modo, constitui actualíssima leitura em tempo de crise económica. Sobretudo, parece-me importante reflectir neste ethos capitalista: a inevitabilidade de viver sob uma sociedade liberal e capitalista não deverá incutir no indivíduo uma séria procura da sua vocação e um espírito de missão, um redobrado cuidado na forma como exerce (com qualidade) a sua profissão, que é uma forma de cooperar com os outros e, com os outros, tornar possível, gerando e gerindo recursos, uma vida melhor para todos? O capitalismo pode até não ser uma inevitabilidade. Mas talvez seja, globalmente, o menos ineficaz dos sistemas económicos para possibilitar uma vida melhor para todos e, portanto, talvez não seja mau ou sequer desumano – se adequadamente compreendido.

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