sábado, 12 de fevereiro de 2011

Tiro ao lado ou uma questão de perspectiva

A canção de intervenção “Parva que sou”, dos Deolinda, tem feito furor. Não admira, é um pequeno gritito de dor. Mas quiçá a perspectiva não seja assim tão acertada: afinal, colocar sobre os ombros dos jovens a responsabilidade das condições económicas e sociais actuais é não ter uma consciência política plenamente objectiva. Os políticos que têm ocupado o poder, só os temos porque alguém os escolheu; mas não foram outros senão eles mesmos a cavar a nossa sepultura. Se houve populismo, e não foi pouco, foi porque o povo assim o permitiu; mas sempre foram os políticos na posse do poder a desperdiçar a oportunidade de enveredar por caminhos mais firmes e certeiros, mesmo que menos populares.

Compare-se a letra (que talvez tenha atirado ao lado) do original, com esta versão “à direita” de Rui Passos Rocha, do Douta Ignorância.

“Parva que Sou”, Deolinda:

«Sou da geração sem remuneração
e não me incomoda esta condição.
Que parva que eu sou!

Porque isto está mal e vai continuar,
já é uma sorte eu poder estagiar.
Que parva que eu sou!

E fico a pensar,
que mundo tão parvo
onde para ser escravo é preciso estudar.

Sou da geração 'casinha dos pais',
se já tenho tudo, pra quê querer mais?
Que parva que eu sou!

Filhos, marido, estou sempre a adiar
e ainda me falta o carro pagar,
Que parva que eu sou!

E fico a pensar
que mundo tão parvo
onde para ser escravo é preciso estudar.

Sou da geração 'vou queixar-me p'ra quê?'
Há alguém bem pior do que eu na TV.
Que parva que eu sou!

Sou da geração 'eu já não posso mais!'
que esta situação dura há tempo demais
E parva não sou!

E fico a pensar,
que mundo tão parvo
onde para ser escravo é preciso estudar.»

Versão “à direita” de Rui Passos Rocha, do Douta Ignorância:

«Sou da geração sem remuneração
e sei que me tentam vender uma ilusão.
Os parvos que lá estão!

Porque isto vai mal e está p'ra piorar.
Não é assim tão mau eu poder estagiar.
Que parvos que eles são!

Assim posso demonstrar
que tenho valor
e que, quando for possível,
quererei assinar.

Sou da geração «casinha dos pais».
Como ficaram com tudo, vou exigir-lhes mais.
Que parvos que eles são!

Filhos, esposas, estou sempre a adiar
E a culpa é de quem nos quis deslumbrar.
Que parvos que eles são!

E fico a pensar,
endividar os mais novos,
assim, cada vez mais,

só pode acabar mal.

Sou da geração «vou queixar-me p'ra quê?»
Há alguém bem pior do que eu na TV.
Que parvos que eles são!

Sou da geração «eu já não posso mais»,
que esta situação dura há tempo demais.
E parvos eles não são!
 

Isso faz-me desejar
que quem me governa
pense mais na minha
do que na sua geração.»

2 comentários:

Viagem Sem Retorno disse...

Parva que sou

Viagem Sem Retorno disse...

Gosto...

Aproveito para deixar o endereço do meu blog http://viagemsemretorno.blogspot.com/