terça-feira, 17 de maio de 2011

Dar a pensar...

[Sobre verdade, objectividade e subjectividade]

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«A ideia comum é que áreas científicas como a física ou a engenharia são objectivas, ao passo que áreas como as artes ou a política são subjectivas. Supostamente, no primeiro caso, haveria uma representação da realidade tal como ela é – espelhar-se-ia a realidade –, ao passo que no segundo caso seria apenas uma questão de opinião pessoal, precisamente por ser impossível espelhar qualquer realidade.

O primeiro aspecto a sublinhar é que a ideia de que algumas das nossas convicções são subjectivas tem de pressupor a objectividade para não ser incoerente. Pois a ideia é que as opiniões estéticas do Ega, por exemplo, são subjectivas – mas, sob pena de incoerência, não pode ser subjectiva a nossa opinião de que ele tem as opiniões que tem. Que o Ega tem as opiniões que tem é uma verdade tão objectiva como as verdades da física sobre os átomos. (…)

O segundo aspecto a sublinhar, e este é crucial, é que uma verdade pode ser relacional sem ser subjectiva em qualquer acepção suficientemente densa para a distinguir de verdades objectivas. Imagine-se que o Ega está numa ponta da Rua do Carmo e o Pedro na outra. Do ponto de vista do Ega, a rua é a descer; do ponto de vista do Pedro, a rua é a subir. Mas é uma mesma realidade que está na origem dos dois juízos, e os dois juízos são perfeitamente compatíveis. Apenas temos de compreender que quando o Ega diz que a rua é a descer quer dizer que do seu ponto de vista é a descer; do ponto de vista do Pedro é a subir. E se trocassem de posição, a rua seria a subir para o Ega e a descer para o Pedro.

Nada disto tem que ver com a relatividade da rua em si; a sua inclinação não é relativa: é perfeitamente objectivo que quando se está numa ponta, a rua é a descer desse ponto de vista, e quando se está na outra é a subir. Caso o Ega, colocando-se do ponto de vista do Pedro, afirmasse que a rua é a descer, diria objectivamente uma falsidade.»

Desidério Murcho, A Filosofia em Directo (Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2011) 91-2.

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