domingo, 23 de outubro de 2011

Descuidos ortográficos

No Jornal de Letras de 7 a 20 de Setembro último, José Carlos de Vasconcelos defende, no editorial, de forma até convincente, a naturalidade de mais um acordo ortográfico, a par de outros que já aconteceram na nossa história. A ortografia linguística não precisa, necessariamente, de se basear em absoluto na etimologia. Admitamos que a razão lhe assiste. Começo a admiti-lo e, escrever na nova grafia, começa até já a ser menos estranho para mim.

Na secção de educação do mesmo eminente jornal literário, pode ler-se uma entrevista ao novo Ministro da Educação e Ciência, com o título reconfortante “Novo ano letivo: aposta na exigência”. A jornalista que assina o trabalho, Francisca Cunha Rêgo, escreve na introdução:

«”Mais rigor, mais trabalho, mais sucesso” são os lemas do Ministro Nuno Crato para este ano letivo. Para concretizar estes objetivos considera indispensável aprofundar a autonomia das escolas, apostar na preparação de professores e concretizar algumas reformas, de par com outras que já veem do anterior executivo.» (Sublinhado meu.)

Pois é, no novo acordo ortográfico cai o acento gráfico no primeiro “e” de “veem”, terceira pessoa do plural do presente do indicativo do verbo… “ver”! Acontece que a jornalista queria ter utilizado, naturalmente, o verbo “vir”, na terceira pessoa do plural do presente do indicativo – “vêm” –, que tem de manter o acento gráfico (caso contrário, não se distinguiria da terceira pessoa do singular – “vem” – do mesmo tempo verbal).

Não, não é gralha tipográfica. Como não é ainda falta de exercício de escrita sob o novo acordo ortográfico. Trata-se, outrossim, do erro ortográfico, aliás muito comum, que consiste em confundir a terceira pessoa do plural do presente do indicativo do verbo “ver” com a mesma terceira pessoa mas do verbo “vir”, que na pena de jornalistas ou outros agentes sociais com responsabilidades sócio-culturais diretas, se transforma em falha técnica grosseira. Errar é humano. Falhar tecnicamente é incompetência.

Num jornal desta dimensão cultural, num número que dá visibilidade à (nova) grafia da língua portuguesa, dando destaque (num editorial apologético) ao novo acordo ortográfico, numa introdução a uma entrevista ao novo MEC e com o subtítulo “aposta da exigência”… não é admissível ou de qualquer modo desculpável este tipo de falhas.

Estes descuidos só desprestigiam a classe dos jornalistas, a língua portuguesa e o próprio ato de escrita, que continua a ser, devido a vários condicionalismos, muito desprezado pelas novas gerações, que necessitam de exemplos à altura. (O essencial – bem escrever… e escrever bem! – continua a ser, talvez demasiadas vezes, arredado para o lugar de acessório.) E o leitor maduro e apaixonado fica frustrado, quando sente o incómodo dissabor da palavra mal escrita ou, quando é o caso, o embaraçoso amargo da frase mal composta. Escrever é uma arte, um jogo,… de qualquer modo uma benesse cultural de quem chega a ser humano, e, como tal, implica rigor e exige cumprimento de regras.

Vale a pena apostar no rigor e na exigência, que aumenta a prazenteira satisfação e nos eleva como ser de cultura – que é como quem diz: de cuidado!

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