A teoria da democracia participativa defende um maior envolvimento individual na discussão e tomada de decisões políticas, mais oportunidades e respeito pelas vozes discordantes – coisas que, supostamente, se conseguiriam agora, com os progressos das T.I.C., bastante bem – e um alargamento da tomada de decisões a todas as situações (as pessoas deveriam ser consultadas não apenas relativamente a matérias legislativas, mas a todas as matérias que as afectam, como no local de trabalho, na família e noutras instituições da sociedade civil). Os defensores da democracia participativa afirmam que apenas o envolvimento activo e democrático em todas as questões relevantes para as pessoas pode proporcionar uma verdadeira liberdade e igualdade para todos e só assim os cidadãos se sentiriam motivados para obedecer, de uma forma verdadeiramente voluntária, à autoridade política.
Mas há limitações para este sistema:
1. Dificilmente se poderá conceber uma política completamente participativa e, a sê-lo, é muito provável que se revele extremamente ineficiente. Como defendeu já J. Stuart Mill (em 1861), enquanto os grupos são preferíveis, em termos de deliberação, aos indivíduos isolados, os indivíduos são muito melhores do que os grupos no que respeita à acção!
2. Por outro lado, seria muito difícil, mesmo numa fantasia política informatizada, determinar qual a ordem de trabalhos, a agenda política relevante do dia, para se discutir!
3. E como disse Oscar Wilde «o problema do socialismo é ocupar demasiadas noites», o que, aplicado mais exactamente à democracia participativa, quer dizer que, mesmo que queiramos envolver-nos activamente nas decisões políticas (que nos dizem respeito), também queremos fazer outras coisas com igual valor!
Em suma: mesmo que a democracia participativa seja atraente é muito difícil faze-la funcionar de uma forma eficaz, que valorize os esforços; mesmo que uma sociedade participativa seja melhor do ponto de vista da preservação da liberdade e da igualdade, parece que não é tão boa num ponto igualmente fulcral para a vida das pessoas, que é a prosperidade económica e a realização de planos de vida individual.
Por isso, vingou, sobretudo por impulso de J. Stuart Mill, uma outra forma de democracia, mais capaz de sobreviver no mundo moderno, que é a democracia representativa: as pessoas elegem representantes, que fazem as leis e as põem em prática. Há mais vida para além do debate político!
É claro que esta forma de democracia pressupõe, necessariamente, educar os cidadãos para a cidadania, para não permitir que os administradores da res publica tenham demasiado poder e, por isso, não exclui, antes continua a exigir, uma participação activa, para além do acto eleitoral.
Mas este sistema de democracia representativa também tem falhas:
1.É possível que este sistema encoraje pessoas sem valor ou inaptas a apresentarem-se a eleições. Já desde Platão que se percebeu que o exercício de governar exige conhecimentos e competências e quem os tem são normalmente aqueles que menos querem fazê-lo! As características que mais provavelmente conduzem ao sucesso na política – a bajulação, a duplicidade, a manipulação – são aquelas, todavia, que menos desejaríamos ver nos nossos governantes!! Para obviar a este problema, existe a “separação de poderes” (tematizada por John Locke e Montesquieu) – colocar em mãos diferentes o poder legislativo, executivo e judicial, para haver uma fiscalização rigorosa e assim evitar a corrupção entre os governantes.
2. Mas o maior obstáculo ao governo representativo, alertou já Mill, é o possível comportamento dos eleitores, que deveriam votar de acordo com o que pensam ser o interesse geral, mas em que o interesse pessoal ou de classe acaba por prevalecer, para além da ignorância face ao bem público poder inviabilizar aquela prerrogativa.
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Face a virtudes mas também a vícios, bem se compreende o aforismo de Lord Acton (1834-1902), celebrizado por W. Churchill em 1947, segundo o qual «a democracia é a pior forma de governo excepto todas as outras formas que foram ensaiadas»!
É claro que a democracia representativa tem limitações. O comportamento errado dos eleitores pode tentar evitar-se ou, pelo menos, atenuar-se com um mais elevado nível educativo geral e de cidadania em particular; a questão dos políticos incompetentes só pode ser combatida, além da separação de poderes, com mais participação esclarecida!
Por isso, a questão relativa à ratificação do tratado europeu não é saber se é ou não oportuno agora falar de um referendo em Portugal (para não “assustar” os outros cidadãos dos outros países, como se em Portugal o resultado não fosse pelo sim ao tratado e como se os outros se pudessem deixar influenciar, de qualquer modo, por nós!!). A questão é, isso sim, saber até que ponto devemos confiar sempre na competência política dos nossos representantes, para tomarem, por nós, todas e quaisquer decisões políticas, incluindo as mais substanciais ou de fundo.
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Não devemos esquecer que a democracia é um método de decisão plural, que envolve mecanismos de fiscalização, mas também pressupõe necessariamente algum grau de participação popular. Talvez a questão política substancial que está em jogo – uma constituição (por muito disfarçada que esteja, embora só aparentemente, sob a designação de “tratado simplificado”!) – seja matéria para ser referendada, apesar de todas as imperfeições inerentes ao instituto do referendo, notavelmente no que respeita à posse das informações relevantes por parte dos cidadãos em geral e disponibilidade competente para uma decisão racional com os olhos postos no interesse geral.
De qualquer modo, decidir algo tão substancial sem consultar os cidadãos e ainda por cima depois de uma promessa eleitoral nesse sentido, seria defraudar a própria essência da democracia, mesmo representativa – confiar nas promessas dos representantes –, e afastar ainda mais os cidadãos das tomadas de decisões mais fundamentais. A democracia necessita de mais participação. Os representantes parecem, por vezes, insuficientes e ou insuficientemente competentes!
De qualquer modo, decidir algo tão substancial sem consultar os cidadãos e ainda por cima depois de uma promessa eleitoral nesse sentido, seria defraudar a própria essência da democracia, mesmo representativa – confiar nas promessas dos representantes –, e afastar ainda mais os cidadãos das tomadas de decisões mais fundamentais. A democracia necessita de mais participação. Os representantes parecem, por vezes, insuficientes e ou insuficientemente competentes!
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