sexta-feira, 9 de abril de 2010

Homossexualidade 5. Contrária à Natureza?

A par da ideia de que a homossexualidade possa ser uma ameaça aos valores da família, a ideia de que é contrária à natureza é um dos argumentos mais frequentes a favor da discriminação, com base na sua suposta impermissibilidade ética.

Mas o que significa “contrário à natureza”?

Uma das formas de definir aquilo que é “conforme a natureza” consiste em apresentar características ou comportamentos que são partilhados pela maioria. Tudo o que escapa a esta maioria seria contrário à natureza. Trata-se, pois, de uma noção meramente estatística. Assim, a homossexualidade seria contrária à natureza, neste sentido, e, portanto, considerada má. Mas o mesmo se poderia dizer de outras características humanas menos comuns, como ser canhoto. Porém, ser canhoto não é certamente um motivo para considerar alguém eticamente mau. Além de que, muitas vezes, as qualidades raras são até consideradas boas.

Outra forma de definir a conformidade com a natureza tem a ver com a finalidade de uma coisa. As várias partes do nosso corpo parecem servir finalidades particulares: os olhos servem para ver, o coração para bombear sangue, as pernas como meio de locomoção... Também a finalidade dos órgãos genitais seria a procriação – o sexo serve para procriar. Assim, poderia dizer-se que o sexo homossexual é contrário à natureza, porque é uma actividade sexual que não serve a sua finalidade natural. No entanto, se o sexo homossexual for condenado por esta razão, então teríamos, consistentemente, de condenar eticamente muitas outras práticas sexuais, como a masturbação, o sexo oral ou até mesmo o sexo praticado por mulheres após a menopausa. Tais práticas seriam tão “contrárias à natureza” e, supostamente por isso, tão más como o sexo homossexual. No entanto, este argumento não é válido: parte do princípio de que é eticamente errado usar partes do nosso corpo para finalidades diferentes das suas finalidades naturais, o que é claramente falso. Para além da finalidade natural dos olhos consistir em ver, não parece errado usá-los para namoriscar ou fazer um sinal; para além da finalidade natural dos dedos ser agarrar e mexer, não parece errado usá-los para os estalar ao compasso da música.

Em suma: não é pelo facto de uma característica ou comportamento escapar à maioria, que temos de o considerar eticamente mau; como também não é racional afirmar que não se possam usar partes do nosso corpo para outras finalidades para além daquelas que parecem estar definidas por natureza. "Contrário à natureza" tem sido utilizado como termo comparativo de avaliação ética. Mas se não se encontrar melhor explicação para “contrário à natureza”, toda esta linha argumentativa terá de ser rejeitada. Por isso, a tentativa, muito disseminada, de reprovar eticamente a homossexualidade por alegadamente ser “contrária à natureza” falha, uma vez que não se vislumbram razões válidas que a sustentem.

2 comentários:

Anónimo disse...

Eu pus recentemente uma votaçao no meu blog acerca da adopçao homossexual. adivinhe só o que está a ganhar...

Miguel Portugal disse...

Acerca de muitos assuntos complexos e delicados do ponto de vista dos valores que damos às coisas, o preconceito e os sentimentos são sempre muito fortes. Não há mal nenhum em termos sentimentos e mesmo alguns preconceitos podem até ser, provisoriamente, úteis na orientação da nossa acção. Mas nem sentimentos e muito menos preconceitos servem para justificar a verdade/falsidade de proposições como "a homossexualidade é eticamente errada" ou "nunca devemos mentir". Apenas boas razões servem esse desígnio.