O Público volta a levantar suspeições sobre a actuação de José Sócrates, agora alegadamente por ter exercido a sua actividade profissional em período relativamente ao qual declarou à Assembleia da República a dedicação exclusiva como deputado, recebendo indevidamente o subsídio correspondente (aqui), e por ter assinado projectos de engenharia civil, que teriam sido efectuados, não por si, mas por técnicos da Câmara em que vieram depois a ser aprovados (aqui). (A este propósito, o Público solicitou 1000 projectos, seleccionados aleatoriamente, de entre os 4000 que deram entrada na Câmara Municipal da Guarda durante a década de 80 e constatou que 27 tinham a assinatura de José Sócrates.)
A ser verdade o publicado hoje pelo Público, o que está mais uma vez em questão é a atitude de muitas pessoas face ao “incómodo” de ombrear com o humano-ético modo de ser e agir. Porque devemos ser éticos e o que é que isso significa?
A perspectiva ética é a perspectiva segundo a qual um acto é correcto quando é desinteressado e imparcial: quando, ao avaliarmos uma acção, o fazemos a pensar não apenas no nosso interesse mas no interesse de todos e quando não temos em conta a identidade de quem a praticou. Um acto eticamente correcto é, pois, assim, um acto universalizável: se é correcto (ou incorrecto) em determinadas circunstâncias também o será em todas as outras significativamente semelhantes.
Agir com preocupações éticas implica, pois, agir, por vezes, contra os nossos próprios e mais directos interesses e, de qualquer modo, implica não permitir que sejam as vantagens pessoais o critério decisivo de avaliação do acto. Mas, ainda assim, é perfeitamente razoável pensar que devemos agir eticamente, isto é, agir tendo em conta de igual modo os interesses dos outros, pela simples razão de que os interesses dos outros são válidos pelas mesmas razões que os nossos próprios interesses o são. A ética exige, pois, igualdade e a igualdade implica tratar os interesses dos outros como tratamos os nossos.
Ora, o que acontece na vida pública, notavelmente em Portugal, é uma profunda e, quantas vezes pseudo-fundamentada, fuga face à perspectiva ética. Muitos políticos e até pensadores actuam e pensam como se a acção política não fosse uma acção, que muito contundentemente implica a vida de outras pessoas, que, em larga medida, depende das ideias, decisões e, portanto, dos actos políticos!
Independentemente da veracidade de mais esta suspeição levantada contra o carácter de José Sócrates, o problema é a falta de confiança que isso gera nas pessoas, que são necessariamente obrigadas a pensar no conjunto de actos eticamente (pelo menos) duvidosos, que muitos políticos protagonizam ao longo das suas vidas de ascensão ao poder. Assim, a falta de ética na política tem, desde logo, duas consequências graves: afecta o nível de confiança dos cidadãos perante os seus representantes políticos (não há política, sobretudo democrática, sem confiança); e tende a afastar cada vez mais da (desta!) vida pública as pessoas de elevadas competências, mas com uma natural indisposição para se deixarem apanhar por estas teias amordaçantes da “má política”.
O problema é avolumado quando tal atitude refractária face à ética se espraia por largos sectores da sociedade e tende a minar todos os protagonistas, não deixando esperança para excepções. Ainda assim – apesar de muito disseminada por vários estratos sociais e profissionais –, quando se ocupam certos lugares ou desempenham certas funções, o nível de exigência aumenta necessariamente.
E na mesa linha atitudinal, a resposta de Sócrates (como seria, com certeza, a de muitos outros!) à acusação só podia ser altamente falaciosa (falácia é um argumento incorrecto que parece correcto): ao invés de comprovar a falsidade das suspeitas, ataca o autor das mesmas, no caso, o jornal Público, descredibilizando-o, fazendo supor que é já habitual fazer alinhar um conjunto de inverdades contra a sua própria pessoa, com o único objectivo político de o fragilizar! Em Lógica, chama-se a isto argumento ad hominem – em vez de se atacar as ideias, ataca-se a própria pessoa; mas não é pelo facto de ter sido esta ou aquela pessoa a ter defendido certa ideia, que faz dela uma má ou falsa ideia; se for falsa ou uma má ideia, haverá verdadeiras razões que o demonstram. O que se espera de um PM de um estado moderno de cidadãos esclarecidos é que mostre (comprovando clara, inequívoca e serenamente) a falsidade das acusações que lhe possam fazer.
Mas quando a retórica (altamente sofisticada) absorve completamente o exercício político, não resta mais espaço para a ética e, portanto, para o humano.
A ser verdade o publicado hoje pelo Público, o que está mais uma vez em questão é a atitude de muitas pessoas face ao “incómodo” de ombrear com o humano-ético modo de ser e agir. Porque devemos ser éticos e o que é que isso significa?
A perspectiva ética é a perspectiva segundo a qual um acto é correcto quando é desinteressado e imparcial: quando, ao avaliarmos uma acção, o fazemos a pensar não apenas no nosso interesse mas no interesse de todos e quando não temos em conta a identidade de quem a praticou. Um acto eticamente correcto é, pois, assim, um acto universalizável: se é correcto (ou incorrecto) em determinadas circunstâncias também o será em todas as outras significativamente semelhantes.
Agir com preocupações éticas implica, pois, agir, por vezes, contra os nossos próprios e mais directos interesses e, de qualquer modo, implica não permitir que sejam as vantagens pessoais o critério decisivo de avaliação do acto. Mas, ainda assim, é perfeitamente razoável pensar que devemos agir eticamente, isto é, agir tendo em conta de igual modo os interesses dos outros, pela simples razão de que os interesses dos outros são válidos pelas mesmas razões que os nossos próprios interesses o são. A ética exige, pois, igualdade e a igualdade implica tratar os interesses dos outros como tratamos os nossos.
Ora, o que acontece na vida pública, notavelmente em Portugal, é uma profunda e, quantas vezes pseudo-fundamentada, fuga face à perspectiva ética. Muitos políticos e até pensadores actuam e pensam como se a acção política não fosse uma acção, que muito contundentemente implica a vida de outras pessoas, que, em larga medida, depende das ideias, decisões e, portanto, dos actos políticos!
Independentemente da veracidade de mais esta suspeição levantada contra o carácter de José Sócrates, o problema é a falta de confiança que isso gera nas pessoas, que são necessariamente obrigadas a pensar no conjunto de actos eticamente (pelo menos) duvidosos, que muitos políticos protagonizam ao longo das suas vidas de ascensão ao poder. Assim, a falta de ética na política tem, desde logo, duas consequências graves: afecta o nível de confiança dos cidadãos perante os seus representantes políticos (não há política, sobretudo democrática, sem confiança); e tende a afastar cada vez mais da (desta!) vida pública as pessoas de elevadas competências, mas com uma natural indisposição para se deixarem apanhar por estas teias amordaçantes da “má política”.
O problema é avolumado quando tal atitude refractária face à ética se espraia por largos sectores da sociedade e tende a minar todos os protagonistas, não deixando esperança para excepções. Ainda assim – apesar de muito disseminada por vários estratos sociais e profissionais –, quando se ocupam certos lugares ou desempenham certas funções, o nível de exigência aumenta necessariamente.
E na mesa linha atitudinal, a resposta de Sócrates (como seria, com certeza, a de muitos outros!) à acusação só podia ser altamente falaciosa (falácia é um argumento incorrecto que parece correcto): ao invés de comprovar a falsidade das suspeitas, ataca o autor das mesmas, no caso, o jornal Público, descredibilizando-o, fazendo supor que é já habitual fazer alinhar um conjunto de inverdades contra a sua própria pessoa, com o único objectivo político de o fragilizar! Em Lógica, chama-se a isto argumento ad hominem – em vez de se atacar as ideias, ataca-se a própria pessoa; mas não é pelo facto de ter sido esta ou aquela pessoa a ter defendido certa ideia, que faz dela uma má ou falsa ideia; se for falsa ou uma má ideia, haverá verdadeiras razões que o demonstram. O que se espera de um PM de um estado moderno de cidadãos esclarecidos é que mostre (comprovando clara, inequívoca e serenamente) a falsidade das acusações que lhe possam fazer.
Mas quando a retórica (altamente sofisticada) absorve completamente o exercício político, não resta mais espaço para a ética e, portanto, para o humano.
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