terça-feira, 30 de setembro de 2008

Pobres de espírito!

Uma vereadora do PS, responsável durante anos pela Acção Social da Câmara de Lisboa, arrendou uma habitação de duas assoalhadas à Câmara Municipal de Lisboa (que passou a ser propriedade desta por vias obscuras!) pelo valor de 146€… e reformou-se agora com a renda de 3350€!

Não é sem alguma tristeza que escrevo isto…, mas isto só é possível num país em que a cidadania generalizada, realmente crítica e informada, emigrou e “isto” não é outra coisa – é necessário dizê-lo – senão o resultado de uma pobreza de espírito confrangedora, que não permite a muitas pessoas que ocupam cargos públicos fazê-lo com o mínimo de ética espectável.

segunda-feira, 29 de setembro de 2008

Não há tempo para rigor!

O tempo da política propagandista, demagógica e eleitoralista não é o tempo das políticas reformistas profundas, enraizadas na assunção das necessidades e consciencialização dos cidadãos. Tal se nota claramente no tão importante processo de avaliação de educadores e professores do ensino básico e secundário, que o governo quer implementar “para ontem”, à revelia da complexidade que este processo detém “em qualquer parte do mundo” (civilizado, pelo menos!), se a finalidade maior for uma efectiva melhoria do sistema de ensino, ao nível do desempenho docente e consequente melhoria das reais aprendizagens de conhecimentos e competências dos alunos.

Muitos professores e algumas escolas vêm agora requerer, com base numa recomendação (algo genérica, diga-se, e, portanto, estéril, sem querer comprometer muito!) do Conselho Científico de Avaliação de Professores (CCAP), a eliminação dos resultados dos alunos como critério no processo de avaliação dos professores. A razão central é fácil de compreender, embora, pelos vistos, não por todos: tal critério poderá perverter o essencial – as reais aprendizagens dos alunos estarão preteridas por um resultado final determinado a priori por uma percentagem de sucesso, que é uma meta a alcançar pelo professor, não tanto no seu trabalho missionário, mas na sua avaliação de desempenho! Pense-se num critério que baseia a avaliação do desempenho do professor no sucesso exponencial dos alunos, que é cada vez mais “estatístico” e menos real! Ora, a única forma de avaliar justa e eficazmente os resultados dos alunos realmente conducente a um incremento da melhoria da praxis docente com consequentes maiores e melhores aprendizagens efectivas dos seus alunos, seria através de rigorosos exames nacionais em finais de ciclo de ensino, que verdadeiramente testassem conhecimentos e competências ensinados e apreendidos. Mas isso é muito pouco popular, pois vivemos um clima tão surreal como paradoxal: crescente necessidade vital de reais qualificações pluridisciplinares e, por outro lado (para atacar a crise!), um facilitismo hedonista pacóvio, que vem adormecendo o povo, através de salvíficos planos tecnológicos (por muito necessários que sejam), que injectam computadores e quadros electrónicos em salas de aula degradadas (mas pintadas de fresco por fora!), qual opiáceo político que mantém os mais desfavorecidos agarrados a um terceiro-mundismo dilacerante.

Só não vê quem não quer ver: num país de muito fraca cultura de avaliação da qualidade do desempenho profissional, começa-se por impor, de modo completamente desenraizado, um processo de avaliação altamente burocratizado (segundo alerta da CCAP), com critérios altamente discutíveis e mesmo pedagogicamente perigosos, que poderá colocar em risco o que resta da escola pública.

Mas… não há tempo para estas considerações incómodas. E é sempre fácil afirmar uma ou outra brilhante sentença travestida de contra-argumento, característica de quem se encontra precisamente desprovido de uma verdadeira qualificação lógico-argumentativa (daquelas que se aprendem na “escola real” e não virtual!), como por exemplo (eis uma das mais imbecilizantes e alienantes): “os professores (pelo vistos, todos!) parecem não querer o sucesso dos seus alunos”!

Aguarda-se o que dirá o ME perante mais uma recomendação de um conselho consultivo criado pelo próprio ME!

quarta-feira, 24 de setembro de 2008

Se não é propaganda...?!

Com o "Magalhães" de vento em popa (salvo um ou outro filtro de barragem de conteúdos indesejados para crianças do 1.º ciclo, que caíram borda fora), o governo prepara uma verdadeira campanha eleitoral, que arrasará qualquer possibilidade de compreensão mais profunda e serena do tão complexo problema da educação em Portugal, que se encontra numa importante fase de viragem.

No caso do salvífico computadorzito, há que perguntar uma ou duas coisas:

1. Qual a finalidade pedagógica do "Magalhães"? Haverá já um projecto pedagógico delineado pelo ME que mostre como este instrumento beneficiará as aprendizagens de conhecimentos e competências básicas disponibilizadas pelo 1.º ciclo?

2. Qual o peso e importância que a manipulação do computador terá no quotidiano das aprendizagens dos alunos? Será um meio ou um fim?
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3. Serão as funcionalidades e possibilidades de soft e hardware adequadas a crianças do 1.º ciclo? (No caso da câmara de vídeo incorporada, pessoalmente, não considero apropriada para jovens adolescentes, quanto mais para crianças do 1.º ciclo!)
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Claro que a dotação das escolas com computadores é, hoje, algo de perfeitamente banal de tão necessário que é, ao nível dos instrumentos didácticos disponibilizados. No entanto, esse instrumento pode ser completamente alienante para crianças e jovens (como mostram vários estudos efectuados) e, se não houver cuidado, podemos estar a educar para a alienação! Quanto ao controlo parental, sabemos que tal é algo difícil de se fazer em muitos lares portugueses!
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Quando se faz propaganda, não se reflecte no essencial, mas é o essencial que aqui vale a pena ser pensado!

Propaganda ou futuro?

No início da semana a ME, Maria de Lurdes Rodrigues, anuncia o paraíso: em breve haverá 100% de sucesso no final do 9.º ano de escolaridade, alegando que estão reunidas em Portugal as mesmas condições que têm permitido que isso aconteça em muitos países da Europa.

Todavia, este argumento de MLR suscita – a quem se interessa, de facto, por estas questões – duas dúvidas.

1. O que entende MLR e o ME por sucesso escolar? Será um quadro de resultados positivos no final do ensino básico, independentemente daquilo que os alunos, de facto, tenham apreendido, em termos de conhecimentos e competências? Se assim for, como já tive, infelizmente, oportunidade de referir, basta “levantar o pé” e os resultados – não as aprendizagens – “melhoram” e é bem possível atingirem o místico número 100 (%)! E como se “levanta o pé”? Através da megaburocratização kafkiana que pressiona os professores que detenham informações necessárias e suficientes para reprovar o aluno (fazê-lo reaprender melhor!) e através de exames de conhecimentos e competências de “fácil acesso para todos”!

2. Depois, é importante perguntar que condições são as necessárias, que existem nos países em que o sucesso é, de facto, de 100%, que a ME afirma existirem em Portugal. A sra. Ministra não as referiu, a não ser que entenda que essas sejam os “factos” dos nossos alunos serem tão capazes como os europeus, dos nossos professores serem tão qualificados e empenhados como os seus congéneres do restante sol poente e das escolas estarem, em breve, transformadas em escolas do (nosso) futuro… (em termos informáticos, claro!) Mas será que a nossa escola está efectivamente organizada para incrementar hábitos de trabalho e de verdadeira aprendizagem de conhecimentos e competências nos alunos como uma imperiosa necessidade de sobrevivência no mundo de hoje? E os encarregados de educação, terão a mesma concepção dos seus congéneres europeus acerca da verdadeira importância da escola e dos hábitos de trabalho que devem incutir aos seus educandos para a ela se adaptarem e, com isso, crescerem como seres humanos melhor adaptados ao exigente mundo da vida?

Sejamos claros: há francas possibilidades – ou é necessário acreditar nisso – para que o verdadeiro sucesso atinja todos os alunos no ensino básico. Mas são, neste momento, apenas possibilidades, que é necessário colocar em acto!

A sra. Ministra esquece que as verdadeiras condições para atingir tal meta passam por, entre outras: aumentar o número de horas semanais que o curriculum em Portugal, ao contrário do resto da Europa, dedica à Matemática e à língua materna; diminuir o tempo que os alunos passam em áreas não curriculares, como “estudo acompanhado” e, principalmente, “área de projecto” (não tanto porque estas áreas de estudo não façam sentido, mas porque é necessário disponibilizar mais tempo para aquelas disciplinas nucleares); restituir aos professores o tempo, a serenidade e a confiança necessários para que, enquanto eternos apaixonados estudantes que são (devem ser ou devem mostrar que o são!), façam o seu trabalho, que consiste, não em preencher papéis inúteis, mas em preparar (científica e didacticamente) o contacto das crianças e dos jovens com o fabuloso mundo da cultura e do conhecimento humano; e, at last but not least, incrementar, junto dos encarregados de educação, uma verdadeira atitude de orientação responsável e atenta dos seus educandos, instituindo, por exemplo, hábitos de verdadeiramente consequentes visitas às escolas dos filhos, onde encontrarão professores devidamente sensibilizados e qualificados (que os há, embora seja, com certeza, necessário mais e melhor) para os aconselhar, porque a educação é tão importante ou fulcral quanto a saúde! (Haverá, por exemplo, algum item programático no curriculum da educação para adultos, ao nível das Novas Oportunidades, que contemple tão elevado desígnio? Ou a ideia é mesmo apenas atribuir diplomas para aumentar as salvíficas estatísticas?!)

Quando um Ministro da Educação profere aquelas belas palavras, das duas uma: ou tem na sua posse sólidos elementos para mostrar como isso é, efectivamente, possível e quando; ou então está apenas a autopromover-se com vista a uma outra finalidade, que não a de incrementar políticas educativas. É fácil, com o nível cultural e a “filosofia” de vida de muitos encarregados de educação hoje em Portugal, apelar às emoções do povo (mas mesmo assim, já há quem esteja atento)! Mais difícil – porque mais exigente, embora não impossível – é pensar profundamente políticas educativas de verdadeiro sucesso para um verdadeiro futuro de possibilidades para todos.

sexta-feira, 19 de setembro de 2008


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Dar a pensar

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«A tradição democrática liberal é formada por um ideal de liberdade, igualdade e realização que na melhor das hipóteses foi realizado apenas parcialmente e que poderá não estar ainda completamente imaginado. O significado espiritual da história [das] nações democráticas é principalmente a história da busca deste ideal. O coração da tradição liberal é um processo criativo, um método de transformação social e individual, construído para permitir aos homens e às mulheres a incorporação deste ideal.
(...)
A democracia liberal é uma estratégia social que permite aos indivíduos viverem uma vida boa. Está inalteravelmente oposta à ignorância. Defende que o conhecimento e a compreensão têm o poder de libertar as pessoas. O sangue vital é a comunicação livre construída na liberdade de inquérito, discussão e reunião. O poder libertador da democracia está também estritamente ligado ao que podemos chamar de método democrático da verdade, que confia na experiência e na inteligência experimental. A ideia de absolutos morais e de uma hierarquia fixa de valores é rejeitada. Nenhuma ideia do bem está acima do criticismo, mas isto não conduz a um relativismo sem direcção. Através da experiência, com a ajuda da inteligência experimental, poderemos encontrar vastas bases para fazer juizos de valor objectivos numa situação particular.»
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Steven C. Rockefeller, "Comentário" in: Charles Taylor et al, Multiculturalismo, trad. port. de Marta Machado (Lisboa: Instituto Piaget, 1998) 105, 109-110.

segunda-feira, 15 de setembro de 2008

Olímpicos -- amostra fidedigna

Afinal de contas, a representação portuguesa nos Jogos Olímpicos acabou por constituir uma amostra bastante fidedigna do país que somos, embora gostássemos de não ser: dirigentes que prometem medalhas ao governo, outros supeitos de desviarem fundos; governo que governa na esperança de propaganda, venha de onde e como vier; atletas sonolentos, preguiçosos e pouco dotados comunicacionalmente; e, naturalmente, também alguns (poucos) campeões.

Se não é este o país que realmente somos...!

quinta-feira, 11 de setembro de 2008

Professores de confiança, políticos nem por isso!

Muito pertinente reflexão de Carlos Fiolhais, a propósito do último folhetim propagandista de José Sócrates sobre a "renovada" imagem (aos seus olhos de eleito, claro) dos professores! Afinal, nem todos somos ingénuos, incrédulos ou ineptos... Se os professores mantêm hoje a confiança dos portugueses, talvez seja por terem prosseguido a sua acção sem confiarem muito nalguns políticos portugueses!

11 de Setembro

Há 7 anos atrás, nesta precisa hora, ruía a segunda torre gémea do World Trade Center, em Nova Iorque, por força do brutal atentado terrorista. Aqui fica mais um simbólico minuto de silêncio em solidariedade com o povo americano, porque, afinal, como disse, de modo feliz, o Mayor de Nova Iorque, «hoje assinala-se o sétimo aniversário sobre o dia em que o nosso mundo ruiu»!

terça-feira, 9 de setembro de 2008

Grandes números, pequenas virtudes!


As estatísticas fornecem um fácil instrumento de propaganda governativa, uma vez que permitem, pelo menos, leituras diferenciadas e a preceito, quando não são mesmo manipuláveis ab ovo. O PM e a ME congratulam-se pelos excelentes resultados alcançados no último ano pelo sistema educativo, o melhor da última década, rejubilando com uma melhoria no número de alunos que transitaram de ano, nos vários ciclos de ensino.

No entanto, o PM e a ME esquecem que:

1. É cada vez mais difícil reprovar um aluno, dado o peso burocrático completamente kafkiano que carregam os docentes, designadamente do ensino básico, se estiverem na eminência de o fazerem.
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2. Apesar de haver menos reprovações, continua a haver um número demasiado elevado de alunos, que, no final de um ciclo de ensino, quando mostram o que aprenderam, continuam a não evidenciar competências e conhecimentos suficientes para transitarem para o ciclo seguinte.

3. As diminutas percentagens de alunos que não transitaram de ano não mostra necessariamente que houve (por muito que, naturalmente, possa ter havido) um significativo acréscimo no envolvimento de professores, alunos e encarregados de educação nesse sentido: isto porque, por um lado, não é mensurável, nem objectivamente fácil de identificar como causa necessária, o empenhamento de professores, muito menos de alunos e encarregados de educação, no sentido de ter sido esse o factor determinante para a melhoria dos resultados (é claro que todos se esforçaram; mas como saber se o fizeram mais este ano do que em anos anteriores?! Pode dar-se o caso de se terem esforçado o mesmo ou ainda menos e terem obtido melhores resultados, desde que o nível de exigência na prestação de provas e ou o rigor na avaliação tenha diminuído!); por outro lado, o único instrumento fidedigno de avaliação efectiva de conhecimentos e competências, que é um exame nacional, tem vindo a ser utilizado (quando é utilizado!) pelo ME de forma pouco rigorosa e, designadamente neste ano transacto, foi utilizado, por vezes, de modo bastante facilitador dos resultados.

Não está em questão o valor da progressão generalizada dos alunos ao longo do seu percurso escolar. Quantos menos chumbarem, tanto melhor, obviamente! Como também não se questiona aqui a valência pedagógica do modelo (aliás, praticado um pouco por essa Europa fora) baseado no princípio da não-retenção do aluno ao longo da escolaridade obrigatória, fornecendo ao aluno que não adquiriu os conhecimentos e competências mínimas próprias de cada ano ou ciclo, uma ajuda suplementar no ano seguinte para recuperar dessas lacunas. Mas a questão não é essa. A questão é que:

1. Quanto ao modelo da não-retenção, há que fazer um efectivo investimento material, pedagógico e, sobretudo, ao nível das mentalidades (de pais, alunos e também professores) no sentido de empreender verdadeiramente – e não apenas para “inglês/burocrata/papalvo ver” – um conjunto de actividades de recuperação do aluno com essas necessidades; mas assumir também que, mais cedo ou mais tarde (como também acontece por essa Europa civilizada fora!), o aluno em questão vai ter que prestar provas daquilo que realmente aprendeu, bem como assumir que é necessário disponibilizar percursos pedagógicos verdadeiramente alternativos e ajustados às necessidades dos alunos e do mundo do trabalho em que, de qualquer modo, poderá vir a inserir-se de modo proveitoso.

2. E depois é preciso compreender que os efectivos critérios de avaliação de conhecimentos e competências (aqueles que se põem realmente em pratica) têm vindo a decair em termos de rigor e exigência ao longo dos últimos anos, instalando-se no sistema de ensino um ambiente de algum facilitismo (lamentado, por exemplo, por docentes do ensino superior!), em muito boa parte da responsabilidade da inabilidade política deste governo e da sua empobrecedora filosofia romântica para a educação. Em suma, ao invés de se ter criado uma dinâmica de incremento do esforço, empenhamento e esperança, passou-se a ideia (intencionalmente ou não) de que pouco mais há a fazer para melhorar, coisa que todos conseguirão com pouco esforço, já que os critérios da escola (dos mauzões dos professores!) é que estavam desajustados!
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Como sabem aqueles que sabem, afinal, quando se quer menos chumbos, “levanta-se o pé”…! E esta desaceleração – como também não é difícil compreender – pode trazer grandes e úteis números, quando habilmente trabalhados no momento por uma máquina propagandística bem oleada e dirigida a um povo bem permeável; mas acarreta a perversa consequência do espectro das pequenas virtudes, que vão continuando a caracterizar – qual fado – a (des)qualificação cultural, profissional e de cidadania de muitos portugueses.

O que se joga na construção de uma barragem

(Cahora Bassa, Moçambique)
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Dois dos maiores problemas do mundo actual são a falta de recursos hídricos e a crise energética. Com o crescimento da população, o aumento da poluição de rios e lagos, entre outros, a crise da água é um facto que deve preocupar os decisores políticos, mas igualmente a sociedade em geral. Também devido ao aumento populacional e ao desenvolvimento das sociedades aumentou a procura e o consumo de energia em todo o mundo, de que a crise do petróleo é um exemplo paradigmático. A construção de barragens tem sido uma solução clássica atraente para resolver os dois problemas: aumenta as reservas de água e propicia a produção de energia.
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Contudo, com a construção de barragens jogam-se, irremediavelmente, possibilidades que nem sempre são consciente nem amplamente debatidas. A destruição de habitats naturais, de flora e fauna, colocam em causa o equilíbrio ecológico, que, em última análise, terá efeitos nefastos na cadeia alimentar humana, no ambiente (contribuindo, por exemplo, para as alterações climáticas) e na investigação científica (a biodiversidade é, por exemplo, um amplo reservatório de soluções medicinais ainda por conhecer, que cada vez se encontra mais reduzido – ao desaparecer uma espécie viva, animal ou vegetal, podem estar a perder-se, irremediavelmente, substâncias químicas que poderiam vir a ser fundamentais na produção de medicamentos, bem como possibilidades de conhecimento, de maior compreensão do mundo em que vivemos).
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Mas com a construção de uma barragem joga-se também uma alteração morfológica profunda da geografia dos locais, irrecuperável no futuro. Quando se constrói uma barragem está a alterar-se para sempre (note-se o peso deste PARA SEMPRE!) a paisagem natural de um vale, que o ser humano futuro jamais poderá recuperar. Caso se venham a encontrar, no futuro, outras soluções para os problemas que as barragens, hoje, pretendem resolver, os vindouros muito dificilmente (para não dizer que será completamente impossível!) poderão desconstruir as barragens e recolocar no seu lugar os vales e montanhas com fauna e flora primitiva e, assim, poderem vir a beneficiar da sua vital importância!
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E para além daquele impacto ecológico referido, a construção de uma barragem poderá colocar igualmente em causa coisas de grande valor, como uma paisagem única e esteticamente valiosa e ou um potencial investimento turístico e consequente mais-valia para o desenvolvimento económico de uma região, como é o caso do vale do Tua, serpenteado pela bela linha férrea. (Não podemos esquecer que o nosso país tem condições naturais excepcionais para atrair turismo; no caso, a linha do Tua é um claro exemplo de potencial turístico de elevada qualidade, bem diferente daquele potenciado por uma artificial albufeira!)
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Ora, escolher simplesmente (demasiado simplesmente) uma barragem em detrimento de uma paisagem e infra-estrutura ferroviária patrimonial – com potencial turístico de futuro, com amplo espectro no mercado turístico europeu e mundial e com consequentes mais-valias económicas evidentes para a região –, com base no argumento da necessidade de construir mais um reservatório aquífero e uma central de produção energética tem um grave e profundo significado. Significa que se está, inconscientemente, a reduzir o ser humano a um animal consumidor de energia e de água, como se ser humano consistisse apenas em consumir água e energia. Trata-se de uma desumanização do homem e da sua consequente animalização.
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Por um lado, é claro que a água é condição necessária de sobrevivência do ser humano no mundo (sem água não há vida, incluindo vida humana). Mas a água não é uma condição suficiente – é preciso algo mais do que água para se viver como ser humano; são igualmente necessários, designadamente, locais que proporcionem experiências estéticas significativas, como belas paisagens miradas através de uma janela de um calmo comboio, bem como fontes de rendimento para as populações. Por outro lado, há outras fontes de produção de energia e, de qualquer modo, talvez se pudesse, neste caso, construir a barragem noutro local da bacia do Tua ou mesmo noutra bacia e, assim, conciliar as duas coisas.
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Sendo a experiência estética uma das mais gratificantes e profundamente constitutivas da nossa humanidade, de que somos capazes, e tratando-se a linha do Tua de um dos mais belos percursos ferroviários da Europa, então, além de valor patrimonial, pode, caso seja alvo de uma exploração profissional e sustentada, vir a ter um valor turístico ainda maior e vir a transformar-se, de facto, numa mais-valia para o desenvolvimento económico da região.
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Ficar sem o único rio selvagem português (com a construção da barragem do Baixo Sabor) e sem a sui generis linha ferroviária do Tua (com a construção da Barragem do Tua) é talvez perder demasiado em troca de ganhos bem menos valiosos e inevitáveis do que se faz crer!Seria, pois, bom que, ao invés de se pretender realizar dogmaticamente programas de governo, de modo completamente descontextualizado e linear, se compreendesse profundamente o que se joga na construção de uma barragem – particularmente nesta – e que se fizesse da decisão política uma decisão verdadeiramente ponderada, sustentada e partilhada!
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(Publicado in Terra Quente, 15-08-2008)

quarta-feira, 3 de setembro de 2008



Fotografias...



“Black seat of power #1”
(Dezembro 2007)
© Miguel Portugal


“Black seat of power #2”

(Dezembro 2007)

© Miguel Portugal