terça-feira, 9 de setembro de 2008

Grandes números, pequenas virtudes!


As estatísticas fornecem um fácil instrumento de propaganda governativa, uma vez que permitem, pelo menos, leituras diferenciadas e a preceito, quando não são mesmo manipuláveis ab ovo. O PM e a ME congratulam-se pelos excelentes resultados alcançados no último ano pelo sistema educativo, o melhor da última década, rejubilando com uma melhoria no número de alunos que transitaram de ano, nos vários ciclos de ensino.

No entanto, o PM e a ME esquecem que:

1. É cada vez mais difícil reprovar um aluno, dado o peso burocrático completamente kafkiano que carregam os docentes, designadamente do ensino básico, se estiverem na eminência de o fazerem.
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2. Apesar de haver menos reprovações, continua a haver um número demasiado elevado de alunos, que, no final de um ciclo de ensino, quando mostram o que aprenderam, continuam a não evidenciar competências e conhecimentos suficientes para transitarem para o ciclo seguinte.

3. As diminutas percentagens de alunos que não transitaram de ano não mostra necessariamente que houve (por muito que, naturalmente, possa ter havido) um significativo acréscimo no envolvimento de professores, alunos e encarregados de educação nesse sentido: isto porque, por um lado, não é mensurável, nem objectivamente fácil de identificar como causa necessária, o empenhamento de professores, muito menos de alunos e encarregados de educação, no sentido de ter sido esse o factor determinante para a melhoria dos resultados (é claro que todos se esforçaram; mas como saber se o fizeram mais este ano do que em anos anteriores?! Pode dar-se o caso de se terem esforçado o mesmo ou ainda menos e terem obtido melhores resultados, desde que o nível de exigência na prestação de provas e ou o rigor na avaliação tenha diminuído!); por outro lado, o único instrumento fidedigno de avaliação efectiva de conhecimentos e competências, que é um exame nacional, tem vindo a ser utilizado (quando é utilizado!) pelo ME de forma pouco rigorosa e, designadamente neste ano transacto, foi utilizado, por vezes, de modo bastante facilitador dos resultados.

Não está em questão o valor da progressão generalizada dos alunos ao longo do seu percurso escolar. Quantos menos chumbarem, tanto melhor, obviamente! Como também não se questiona aqui a valência pedagógica do modelo (aliás, praticado um pouco por essa Europa fora) baseado no princípio da não-retenção do aluno ao longo da escolaridade obrigatória, fornecendo ao aluno que não adquiriu os conhecimentos e competências mínimas próprias de cada ano ou ciclo, uma ajuda suplementar no ano seguinte para recuperar dessas lacunas. Mas a questão não é essa. A questão é que:

1. Quanto ao modelo da não-retenção, há que fazer um efectivo investimento material, pedagógico e, sobretudo, ao nível das mentalidades (de pais, alunos e também professores) no sentido de empreender verdadeiramente – e não apenas para “inglês/burocrata/papalvo ver” – um conjunto de actividades de recuperação do aluno com essas necessidades; mas assumir também que, mais cedo ou mais tarde (como também acontece por essa Europa civilizada fora!), o aluno em questão vai ter que prestar provas daquilo que realmente aprendeu, bem como assumir que é necessário disponibilizar percursos pedagógicos verdadeiramente alternativos e ajustados às necessidades dos alunos e do mundo do trabalho em que, de qualquer modo, poderá vir a inserir-se de modo proveitoso.

2. E depois é preciso compreender que os efectivos critérios de avaliação de conhecimentos e competências (aqueles que se põem realmente em pratica) têm vindo a decair em termos de rigor e exigência ao longo dos últimos anos, instalando-se no sistema de ensino um ambiente de algum facilitismo (lamentado, por exemplo, por docentes do ensino superior!), em muito boa parte da responsabilidade da inabilidade política deste governo e da sua empobrecedora filosofia romântica para a educação. Em suma, ao invés de se ter criado uma dinâmica de incremento do esforço, empenhamento e esperança, passou-se a ideia (intencionalmente ou não) de que pouco mais há a fazer para melhorar, coisa que todos conseguirão com pouco esforço, já que os critérios da escola (dos mauzões dos professores!) é que estavam desajustados!
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Como sabem aqueles que sabem, afinal, quando se quer menos chumbos, “levanta-se o pé”…! E esta desaceleração – como também não é difícil compreender – pode trazer grandes e úteis números, quando habilmente trabalhados no momento por uma máquina propagandística bem oleada e dirigida a um povo bem permeável; mas acarreta a perversa consequência do espectro das pequenas virtudes, que vão continuando a caracterizar – qual fado – a (des)qualificação cultural, profissional e de cidadania de muitos portugueses.

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