“Sombra laranja” (Museu Guggenheim, Bilbau, Abril 2009) © Miguel Portugal |
domingo, 28 de novembro de 2010
quinta-feira, 25 de novembro de 2010
Dar a pensar...
[3.º ciclo]
«Quem conheça a estrutura curricular do 3.º ciclo em Portugal decerto perceberá o impacto que provoca em qualquer aluno. Basta para o efeito consultar os horários de qualquer escola e a lista de professores afectos a cada uma das disciplinas ou áreas curriculares para se perceber como as 27 horas lectivas se distribuem por cerca de 15 ou 16 componentes, a que poderão corresponder outros tantos docentes. Depois de olhar bem para os horários e para a forma como se distribuem tempos e meios tempos, ao longo do dia, não será difícil ficar surpreendido com o facto de a maioria dos alunos conseguir ter sucesso.
Ouso dizer que os autores desta organização curricular devem ter pensado em tudo, menos nos alunos e qualidade das aprendizagens. A dispersão curricular, as cargas horárias mal distribuídas, a quantidade de docentes e a consequente dificuldade de articular e integrar tudo isto convergem no princípio de ensinar mal um pouco de tudo, quando seria preferível ensinar bem o que é fundamental.
Esse mesmo princípio conduz à desvalorização do que considero serem saberes axiais e estruturantes das aprendizagens: o Português e a Matemática. A ideia de que todas as disciplinas devem ter, especialmente nesta fase dos trajectos educativos, a mesma carga horária (ou muito próximo disso) é a revelação de que tudo parece estar feito para se ter insucesso escolar.
Para percebermos melhor este problema, elaborámos um quadro com a distribuição percentual dos tempos curriculares afectos a cada uma das matérias leccionadas, comparando, para dois momentos do trajecto escolar, a distribuição média dos países da OCDE.»
David Justino, Difícil é Educá-los (Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2010) 77-8.
quarta-feira, 24 de novembro de 2010
Greve de protesto - ponto final, parágrafo
Um dos desabafos que mais ecoam sempre que se avizinha uma greve é a de que aderir a ela não trará as alterações à realidade política que se espera. Se acrescentarmos o argumento económico de que uma greve geral, com uma ampla adesão, como a que decorre hoje, traz avultados prejuízos para o país (estima-se em 500 milhões de euros) e aderir a uma greve geral parece um sacrilégio irresponsável.
Parece. Mas talvez não seja. Se esta greve traz prejuízos económicos para o país, é bom lembrar que ela se fará, sobretudo, como acto de protesto colectivo contra, precisamente, os prejuízos económicos, financeiros e sociais provocados por políticas erradas, durante demasiado tempo, principalmente por estes últimos governos, que acrescentaram a perfídia da ilusão e engrossaram o aproveitamento pessoal da situação de hegemonia de poder.
O mesmo vale para o facto de a greve, por si mesma, não fazer reverter a situação: ela serve para mostrar o descontentamento massivo e decisivo face aos reiterados erros políticos. Serve para marcar um decisivo ponto final, com mudança de parágrafo.
Não é uma greve ideológica -- dos "trabalhadores", dos oprimidos e excluídos do sistema capitalista, bode expiatório de todos os males. Não. É uma greve democrática, de protesto -- de todos quantos compreendem a necessidade de mudanças políticas estruturais urgentes. Depois, há que recomeçar, com verdade, empenho, competência e esforço -- de todos.
terça-feira, 23 de novembro de 2010
Custos da greve... e das más políticas?
Estima-se que, se metade dos trabalhadores aderirem à greve geral de amanhã, isso terá um impacto negativo para a economia portuguesa de cerca de 280 milhões de euros. Qual terá sido o real impacto negativo para a economia do país, se tivermos em conta apenas metade dos erros políticos e técnicos cometidos pelos nossos governantes na última meia dúzia de anos?
segunda-feira, 22 de novembro de 2010
Dar a pensar...
[Sobre o 1.º e 2.º ciclos do ensino básico]
[2.]
Em segundo lugar, esses estudos, nomeadamente os baseados nos resultados dos testes e provas de aferição nacionais, revelam ainda algumas surpresas. Por exemplo, os resultados dos alunos do 6.º ano são geralmente piores que os do 4.º ano. Será que os alunos perdem competências na passagem do 1.º para o 2.º ciclo? Ou será que essa transição não é acompanhada de uma melhor articulação de conteúdos e de procedimentos entre os vários saberes? Será ainda que os conhecimentos e competências adquiridos no 1.º ciclo não são suficientemente consolidados para que os alunos possam enfrentar os desafios mais complexos que os anos seguintes vão trazer?
A nível macro, que respeita à forma como se organiza o ensino, o 2.º ciclo sempre foi um dos pontos de tensão do sistema de ensino português, desde o velho “complementar” até ao “ciclo preparatório”, acabando por transferir essa tensão para a Reforma de 1986 com a introdução do actual “ensino básico” de nove anos. Coincidindo com o período da pré-adolescência, trata-se de uma transição crítica nos trajectos escolares que não tem sido gerida da melhor forma.
Ao nível intermédio, a organização das escolas, separando as escolas do 1.º ciclo das EB23, obriga a uma transição de ambiente escolar e de estrutura curricular para as quais os alunos não estão devidamente preparados e capacitados.
A nível micro, relativo aos processos de aprendizagem, é conhecido o facto de algumas competências fundamentais, quer na língua materna quer na matemática, precisarem da continuidade dos processos e de ambientes de aprendizagem estáveis para se consolidarem.
É por estas razões que há muito defendo um ensino primário de seis anos de forma a assegurar essa consolidação e a fazer coincidir os problemas da transição escolar para o período de entrada da adolescência. Lembre-se que o início antecipado da escolarização dos alunos no 1.º ciclo (a partir dos 6 anos e muitos ainda com 5) é uma razão adicional para repensar o tal ciclo primário de seis anos. Não é por acaso que em muitos países europeus se continua a limitar o acesso das crianças à escola primária até aos 7 anos, considerada a idade adequada.
Poderemos, assim, estar perante uma clara inadequação entre o que se pretende ensinar e o que é possível aprender.»
David Justino, Difícil é Educá-los (Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2010) 75-6.
sexta-feira, 19 de novembro de 2010
Dar a pensar...
[Sobre o 1.º e 2.º ciclos do ensino básico]
[1.]
«Os relatórios nacionais que foram elaborados pelo Gabinete de Avaliação Educacional da Ministério da Educação sobre os resultados dos estudos PISA e sobre as provas de aferição aos 4.º, 6.º e 9.º anos de escolaridade constituem um bom manancial de informação sobre a qualidade das aprendizagens, os seus problemas e as suas limitações. (…)
Em primeiro lugar (…) todos os resultados revelam que os alunos portugueses conseguem melhores resultados nos itens que testam os conhecimentos adquiridos, no domínio de procedimentos e na compreensão dos conceitos utilizados [saberes que exigem menor elaboração cognitiva]. Pelo contrário, as dificuldades surgem na compreensão de textos não narrativos, na interpretação e resolução de problemas matemáticos e na capacidade de raciocínio complexo, desde a análise à síntese ou ao raciocínio inferencial [retirar uma conclusão a partir de observações ou a partir de premissas]. (…) A capacidade de abstracção é claramente mais reduzida.
Não estamos, assim, perante dificuldades decorrentes da aquisição de conhecimentos, mas antes da capacidade de saber pensar os problemas que são colocados, especialmente os que não seguem a rotina das aprendizagens.»
[Continua]
quinta-feira, 18 de novembro de 2010
Dia Mundial da Filosofia
(Visite a página da UNESCO) |
O Dia Mundial da Filosofia é uma iniciativa da UNESCO, que se comemora desde 2002. Inscreve-se numa estratégia geral deste organismo da ONU de valorização daquela área do saber: «to reaffirm the true value of philosophy, that is to say the establishment of dialogue that must never cease when it comes to essential matters, and of thought which gives us back a large part of human dignity whatever our condition.» E, em particular, numa estratégia de procurar persuadir os estados a introduzirem ou alargarem o ensino da filosofia a todo o ensino secundário.
Aprender filosofia permite aumentar a consciência de mundo dos jovens, futuros adultos, desenvolver a capacidade especulativa (pensar sobre o possível) e, portanto, a criatividade – um dos motores da evolução civilizacional, sobremaneira em tempos de crise. Mas permite também desenvolver competências que podem ser usadas na vida com outros. É essa também a convicção daquela organização, ao salientar o vínculo entre filosofia e democracia e filosofia e cidadania, já que aprender filosofia permite desenvolver as capacidades de análise, de problematização e reflexão crítica, de utilização rigorosa de conceitos, de argumentação e exposição clara de ideias – capacidades que fazem da filosofia uma área do saber que também pode ser útil para a vida com outros no seio de exigentes sociedades democráticas, com problemas complexos a pedir soluções complexas.
Em Portugal, há muito que o ensino da filosofia faz parte integrante do curriculum do ensino secundário, tomando parte da formação geral dos alunos do 10.º e 11.º ano. Neste particular, podemos dizê-lo, estamos à frente da maioria dos países do mundo! De facto, desde 1791, no contexto da Reforma Pombalina, começou a ensinar-se filosofia naquilo que hoje designamos por ensino secundário, tradição apenas abalada em 1903 e 1904, em que houve propostas de abolição da disciplina do curriculum do ensino secundário.
A comemoração deste dia faz sentido, também em Portugal, no quadro desta tradição, no intuito de a reforçar: cabe ao Ministério da Educação uma responsabilidade acrescida, em termos legislativos, mas também no que toca, por exemplo, a uma rigorosa e adequada arquitectura de uma (agora novamente) projectada avaliação externa, extremamente importante para aumentar a relevância desta área do saber, potenciando o empenho de alunos e professores; cabe às Universidades uma preocupação continuada com a formação inicial de professores (filosófica e didáctica); cabe sempre o papel determinante (sobretudo, ao nível motivacional, deontológico-profissional e da formação contínua) àqueles que constituem o rosto da filosofia junto dos jovens – os professores.Em Portugal, há muito que o ensino da filosofia faz parte integrante do curriculum do ensino secundário, tomando parte da formação geral dos alunos do 10.º e 11.º ano. Neste particular, podemos dizê-lo, estamos à frente da maioria dos países do mundo! De facto, desde 1791, no contexto da Reforma Pombalina, começou a ensinar-se filosofia naquilo que hoje designamos por ensino secundário, tradição apenas abalada em 1903 e 1904, em que houve propostas de abolição da disciplina do curriculum do ensino secundário.
Para compreender a política
«A filosofia política pode tentar acalmar a nossa raiva e frustração contra a sociedade e a sua história mostrando-nos como as suas instituições, quando propriamente entendidas de um ponto de vista filosófico, são racionais e se desenvolveram ao longo do tempo da maneira como o fizeram para atingir a sua forma racional actual.»
(John Rawls)
(John Rawls)
Dar a pensar...
«Considerem-se os grandes filósofos: Platão, Aristóteles, Descartes, Locke, Hume e Kant, por exemplo. Se pensássemos que não mereciam ser lidos, quem mereceria? Mas porque é que os lemos? Será porque provaram ou estabeleceram resultados sólidos? Nas palavras do falecido Berton Dreben, filósofo de Harvard muito influente apesar de ter publicado muito pouco: “Pensem em Leibniz. Talvez o homem mais inteligente que alguma vez viveu. Mas quanto do seu trabalho filosófico correspondia à verdade? Quanto é que faz sequer sentido?”. Dreben descreve a seguir a Fenomenologia do Espírito de Hegel como “talvez a maior realização e a maior loucura do homem”.
O que quero dizer é que valorizamos o trabalho dos maiores filósofos pela sua força, rigor, profundidade, capacidade inventiva, perspicácia, originalidade, visão sistemática e, sem dúvida, por outras virtudes ainda. A verdade, ou pelo menos toda a verdade e nada mais que a verdade, parece vir lá bem para o fim da lista. Mas temos de ser cuidadosos. As obras dos grandes filósofos só poderiam ter sido criadas se os seus autores acreditassem apaixonadamente que tinham acabado de descobrir a verdade, ou que estavam prestes a fazê-lo. A busca determinada da verdade está no centro de toda a grande filosofia. O valor das obras resultantes, todavia, não depende de esta meta ter sido ou não realmente atingida. Dito cruamente, há coisas muito mais interessantes do que a verdade.»
Jonathan Wolff, Porquê Ler Marx Hoje?, trad. port. Joana e Francisco Frazão (Lisboa: Cotovia, 2003) 115-6.
terça-feira, 16 de novembro de 2010
Dar a pensar...
[Sobre qualidade da educação e importância do reconhecimento social]
«Ao que parece, os países socialistas da Europa de Leste haviam conseguido, num curto período de duas a três décadas, formar as novas gerações combinando mais e melhor educação para todos, como poucos, muito poucos, países ocidentais haviam conseguido.
Esta é uma das excepções frequentemente invocadas para contrariar a regra do difícil equilíbrio entre mais e melhor educação, mas não a única. À tentação de associar esse sucesso educativo com a natureza dos regimes políticos vigentes nos países do Leste até final da década de 80, nomeadamente a sua dimensão totalitária assente na capacidade coerciva do Estado perante a limitada liberdade dos cidadãos, contrapõe-se a experiência dos países do Norte da Europa, com especial destaque para a Finlândia, a Holanda, a Dinamarca ou o mais recente desempenho dos sistemas educativos dos chamados Tigres Asiáticos, que viram os seus elevados desempenhos escolares reconhecidos pelos estudos internacionais (TIMSS, PISA).
Tratando-se de regimes políticos claramente divergentes dos antigos países do Bloco Soviético, conseguem apresentar desempenhos educativos bem superiores aos que conseguiram manter aquele legado, tal como ao revelado pela maior parte dos países ocidentais mais ricos e com maior nível de desenvolvimento dos respectivos sistemas educativos.
O que parece ressaltar destas segundas excepções é o facto de se tratar de sociedades em que a educação está associada a um elevado reconhecimento social. Nuns conta a tradição e a cultura protestante, noutros o legado cultural do confucionismo que confere aos letrados e à educação um elevado valor social. Em ambos distinguem-se sistemas de autoridade e de disciplina extremamente rigorosos e eficazes, associados a um valor acrescido do mérito nos mecanismos de ascensão social.
Nestes países, o princípio de equidade, mais do que um objectivo que orienta a missão da escola, é uma consequência de um sistema de valores que elege o trabalho, a disciplina e a exigência como referências fundamentais da escolarização.»
David Justino, Difícil é Educá-los (Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2010) 36-7.
segunda-feira, 15 de novembro de 2010
A teoria da ajuda
Luís Amado, entre outros aflitos, quer a ajuda do PSD para um governo de coligação. Coisa apenas possível – como ele e muitos outros dentro do PS sabem muito bem – sem a presença de Sócrates. Teria que se ir embora e para bem longe.
Seria ridículo pensar que o PSD, única alternativa minimamente decente, fosse entrar no atoleiro governativo deste PS e afundar-se com ele no desgoverno do país. Se Sócrates e os seus acólitos têm passado estes últimos anos numa governação ilusionista e depauperadora do futuro dos portugueses, cometendo erros (políticos e não políticos) atrás de erros, nada melhor para a sua sobrevivência futura, como partido do arco do poder, do que continuar a iludir, agora com a ajuda do maior partido da oposição, para depois conseguir partilhar e mesmo diluir responsabilidades.
O PS vai mesmo cair nas ruas da amargura nos próximos anos, pois Sócrates não sairá tão facilmente, dado que nem pode permitir que se descubram mais maleitas, nem tem para onde ir. E o PSD de Passos Coelho estará plenamente consciente que só irá para o poder pela mão dos eleitores.
E o país? Parece que a situação exige um compromisso para executar (e não apenas aprovar) este e outros orçamentos austeros. Mas quem disse que isso não possa ou deva ser feito pelo partido eleito democraticamente para governar?
Esta teoria da ajuda – anda cá ajudar o que eu, irresponsavelmente, estraguei durante estes anos! – é tão perniciosa quanto subtil, pois cria a ideia de que é uma inevitabilidade para o país, quando é apenas uma tábua de salvação para um partido político que tem passado os últimos anos a oferecer, escandalosamente, favores e a aumentar o seu poder (político e económico), em lugar de governar o país com seriedade e verdade.
O país ganhará, pois, muito mais com uma clarificação democrática, no devido tempo. Afinal, espera-nos trabalho árduo para reorganizar a casa, o que terá que ser feito com rigor, clarividência e a salvo de outros interesses meramente partidários e pessoais de gente excêntrica com pouca paciência para uma democracia exigente e sem vontade de trabalhar com mérito para o bem público.
sexta-feira, 12 de novembro de 2010
Leituras…
…de David Justino, Difícil é Educá-los (Lisboa, Fundação Francisco Manuel dos Santos 2010), obra-síntese sobre os principais problemas sócio-políticos da educação em Portugal, com dados sociológicos, históricos, filosóficos e políticos é mais um opúsculo daquela fundação no intuito de conhecer e pensar o país, desiderato tão necessário em tempos de crise tão acentuada.
Começando com um diagnóstico do atraso da educação em Portugal, avança depois para os problemas da interacção qualidade/quantidade em educação, o problema da equidade social (causa ou efeito da educação?), as finalidades da educação e o papel do estado na educação de cidadãos livres.
Sempre com a ajuda de dados empíricos fornecidos por estudos nacionais e internacionais, o sociólogo David Justino – ex-Ministro da Educação no XV Governo Constitucional (2002-2004) – defende claramente, entre outras, as seguintes teses:
1. o atraso na educação em Portugal deve-se a uma incapacidade, profunda e enraizada na sociedade, de nos educarmos mais e melhor;
2. tal atraso apenas se ultrapassa com a «devolução das escolas às comunidades locais, diversificação e descentralização competitiva» (p. 118), frisando a importância do reconhecimento social da educação, a descentralização e autonomia maior das escolas e a liberalização das políticas de gestão escolar, que recuariam o Ministério da Educação para a sua verdadeira função, a de financiamento, concepção do curriculum mínimo nacional, definição de padrões de referência das aprendizagens, avaliação externa, inspecção, auditoria e processo legislativo inerente;
3. é necessário apostar verdadeiramente na formação de base, concedendo mais tempo lectivo para as disciplinas axiais (matemática e língua portuguesa), num 1.º ciclo de seis anos, que obviaria aos problemas (causadores de insucesso) da transição do actual 1.º ciclo para o 2.º, quando os pré-adolescentes, como comprovam os estudos, beneficiariam de maior estabilidade (mono-docência) até ao início da adolescência, para aí, sim, mudarem de escola e passarem a ter mais professores;
4. menos dispersão disciplinar no actual excessivamente complexo (em termos curriculares) 3.º ciclo e mais concentração de meios nas disciplinas mais importantes…
Chama a atenção para o mau contributo das tendências românticas na pedagogia contemporânea, ao não terem visto que não é a maior equidade social que trará maior qualidade ao ensino, mas precisamente o inverso; a melhor forma de atingir a (por todos) querida qualidade do ensino «não será “descer” ao aluno, mas fazê-lo “subir” a um nível superior de capacidade intelectual» (p. 90); de caminho, denuncia os nefastos tiques modais do “eduquês”, como o “aprender brincando”, a ilusão tecnológica ou o pseudo-sucesso (meramente estatístico) para todos.
Sem peias, aponta também como aspectos negativos: o recuo das autarquias quando se trata de assumir responsabilidades políticas em matérias educativas; o corporativismo e conservadorismo dos professores (sempre avessos, desde sempre, a qualquer mudança, embora hoje cada vez mais fustigados por mudanças constantes, mal arquitectadas e pior explicadas); a influência desmedida e prejudicial dos sindicatos, que se centram em aspectos excessivamente laborais e não necessariamente pedagógicos e organizacionais, o que tende a conduzir qualquer mudança reformadora ao fracasso; ou a excessiva mediatização dos aspectos educativos, que prejudica mais do que ajuda a solucionar os problemas estruturais do nosso sistema.
Não se compromete muito sobre dois temas políticos “quentes” – carreira e avaliação de desempenho docente. Mas afirma claramente a extrema importância desta última e revela a sua total descrença face ao actual sistema:
«Duvido que tal sistema [de avaliação de desempenho docente] já exista e que permita reconhecer o mérito dos melhores, valorizar o trabalho dos que são apenas bons e afastar aqueles que, por razões objectivas, não podem continuar a exercer a profissão de professor.
O défice de avaliação do desempenho docente é claramente uma das causas do défice da qualidade da educação em Portugal, em especial do ensino público.» (p. 81)
Pequena obra, mas bem informada, de raro desinteressado rigor e minimamente orientada para soluções; por isso, tamanha de importância, em sector tão desnorteado quanto determinante para o futuro de Portugal e dos portugueses que nele resistirem. De leitura obrigatória para todos: professores, pais, autarcas, deputados – crentes, críticos e desavindos. Basta saber ler… E, claro está, pensar um pouco, de forma responsável e consequente.
quinta-feira, 11 de novembro de 2010
Fotografias
domingo, 7 de novembro de 2010
Dar a pensar...
[Sobre quantidade e qualidade na educação]
«No mundo de hoje, a organização dos sistemas nacionais de ensino não apresenta diferenças relevantes. A começar no papel do Estado, passando pela organização dos ciclos de ensino e das práticas escolares, para chegar às próprias políticas educativas. Pouco, muito pouco consegue fugir aos padrões internacionais. O conjunto de saberes que ocupam o fundamental do processo de aprendizagem é igualmente muito semelhante: língua materna, língua estrangeira, ciências, matemática, geografia, história, etc. (…).
«No mundo de hoje, a organização dos sistemas nacionais de ensino não apresenta diferenças relevantes. A começar no papel do Estado, passando pela organização dos ciclos de ensino e das práticas escolares, para chegar às próprias políticas educativas. Pouco, muito pouco consegue fugir aos padrões internacionais. O conjunto de saberes que ocupam o fundamental do processo de aprendizagem é igualmente muito semelhante: língua materna, língua estrangeira, ciências, matemática, geografia, história, etc. (…).
O que faz a diferença é cada vez mais a qualidade das aprendizagens, a forma como se ensina e se aprende em contexto de sala de aula, o nível de qualificação dos pais e dos professores, o ambiente social e cultural em que as crianças crescem, a eficácia dos valores sociais, as expectativas de todos face ao futuro e o sistema de oportunidades que a sociedade tem ou não tem a capacidade de criar.
Nesta perspectiva e em primeiro lugar, a qualidade da educação tende a expressar-se pela forma como o sistema de ensino (…) consegue responder aos desafios com que é confrontado, à prossecução dos objectivos que a sociedade previamente define e à capacidade de mobilização dos actores e das instituições para o sucesso da missão.
Em segundo lugar, expressa-se através das capacidades desenvolvidas nos alunos, dos conhecimentos adquiridos às maneiras de pensar, da forma como resolvem problemas complexos às condutas evidenciadas no relacionamento com os outros, enfim, na maneira como revelam o seu grau de preparação para entrar na vida activa e para nela obterem sucesso pessoal e colectivo.
E como se avalia essa qualidade de educação? Como sabemos se melhorámos e progredimos ou, pelo contrário, regredimos? Só há uma forma: pelos resultados obtidos relativamente aos objectivos propostos e pela sua comparação com idênticos resultados obtidos noutros países em circunstâncias similares.
De que serve ter mais educação se tal não se reflectir numa capacidade das novas gerações para enfrentar os problemas profissionais, sociais e culturais de um país? De que serve ter uma população cada vez mais escolarizada se esta não possuir as competências indispensáveis ao desenvolvimento das actividades estruturantes da vida colectiva?»
David Justino, Difícil é Educá-los (Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2010) 33-4.
sexta-feira, 5 de novembro de 2010
Leituras...
... de Maria do Carmo Vieira, O Ensino do Português (Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2010), na qual a autora coloca a nu as fragilidades pedagógicas das últimas reformas no sistema de ensino e as suas nefastas consequências para todos os alunos.
Reformas que começaram por - mal, na opinião da autora - destruir, de forma acrítica, tudo o que se relacionasse com a ditadura, se prolongaram com «a entrada em cena de teorias pedagógicas, decorrentes das Ciências da Educação, já contestadas e analisadas nos seus efeitos nefastos, nos anos 50 e 60 nos EUA» (p. 104), se fortaleceram com o programa "Educação e Formação 2010" elaborado pela Direcção-Geral de Educação e Cultura da Comissão Europeia e que o nosso sapiente ME facilmente abraçou.
Tais reformas introduziram no ensino do Português uma desvalorização crescente da literatura e cultura da língua em favor de aprendizagens superficiais: como ridigir um email, preencher um documento impresso e analisar textos jornalísticos. Acresce a banalização e quase supressão da avaliação e concomitante florescimento de procedimentos avaliativos infantis e infantilizantes. E para rematar, um profundo desvalorizar da formação científica de todos os professores, apostando o nosso ME em formação exclusivamente pedagógica, minada esta que está por aquelas "novas" pedagogias, embora já "envelhecidas" pela análisa crítica, objectiva, designadamente nos EUA.
A autora aponta como solução uma sólida e necessariamente mais exigente formação científica inicial e contínua, principalmente no (tão fulcral para todo o sistema) ensino básico, programas adequados às exigências crescentes de cada nivel de ensino e que valorizem os conteúdos para assim «devolver à escola a sua função historica de espaço de conhecimento, de cultura e de formação, fruto de um trabalho contínuo e empenhado de múltiplas gerações que a inércia não pode interromper» (p. 105).
Útil não só para professores de Português e outros professores, mas também para o público em geral, que queira começar a perceber exactamente o que se passa com o ensino dos seus filhos, que futuro lhes proporcionará efectivamente esta "escola" e que alternativas benfazejas existem.
quinta-feira, 4 de novembro de 2010
O puxão de orelhas de Ferreira Leite
José Sócrates gostou de ouvir Ferreira Leite a apelidá-lo de irresponsável e incompetente. Masoquista. Afinal, Ferreira Leite disse ontem na AR que «este é o Orçamento de que o país precisa no sentido em que tenta corresponder ao que nos é exigido por terceiros – e é se queremos que nos financiem». Coitado, até que enfim que alguém o ouviu!
Mas Sócrates não quis sentir – há muito que está imune a estas coisas – o puxão de orelhas aos meninos que andam a brincar à política partidária de puro mantimento e acesso ao poder (para si e para o seu séquito de inúteis), em detrimento do serviço público que deveriam estar a prestar à sociedade. Como também não quis ouvir o que a ex-Ministra das Finanças disse ainda a propósito deste inevitável orçamento: «A verdadeira questão política é como é possível um governo conduzir o país a ponto tal que exige este tratamento»!
Pois. Essa parte parece que não interessa. Mas é de suprema importância. Afinal, as políticas surrealistas, ilusionistas e manipulatórias seguidas pelo governo socialista redundaram num fracasso estrondoso. E não foi apenas devido à crise financeira global, embora naturalmente também. Mas não se podem escamotear as despesas incomportáveis de um estado “socialíssimo”, com uma administração pública ainda extremamente mal organizada, despesista e improdutiva, as tão importantes quão pesadas parcerias público-privadas (!)… e, claro, todo aquele manancial de fáusticas despesas afectas ao governo e, em particular, ao gabinete do PM, reveladoras de um novo-riquismo provinciano e, claro, de uma irresponsabilidade a toda a prova. (Veja-se a este propósito reportagem da Sábado da semana passada. Pode comprovar-se, entre outras delícias, que o governo dispõe de 448 automóveis para trabalhar, o nosso PM tem, para si e para o seu chefe de gabinete, 20 motoristas (não se sabe quantos automóveis para uso pessoal) e até vai receber bem mais no próximo ano do que o seu homólogo espanhol. É de loucos!)
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