Cavaco. Dos que votaram, a maioria votou nele. Ganhou. As suas palavras de vitória foram descomedidas. Em contraste com a sua campanha serena e elevada, em que não respondeu às críticas, algumas legítimas, contra o seu carácter ético, Cavaco atirou, finalmente (e a matar!), contra os seus delatores. Estes, por sua vez, não conseguiram, durante a campanha, mostrar como qualquer candidato a qualquer cargo público, notavelmente ao cargo de mais alto magistrado da nação, deve manter uma integridade ética à prova de qualquer suspeita. Cavaco não o conseguiu. Os seus opositores não conseguiram mostrar se isso era ou não verdadeiramente importante politicamente neste contexto actual (que é sempre, resta saber em que medida).
Mas se a integridade ética deveria ser condição necessária para aceder a um cargo político (uma questão de confiança), não é certamente uma condição suficiente. Os eleitores mostraram isso mesmo. Afinal, era necessário também um garante de que o país possa retomar algum rumo ou, pelo menos, uma segurança de que não irá fugir-lhe demasiado. Cavaco mostrou ser essa garantia. Mais ninguém.
Alegre fez uma campanha estranhíssima, com o apoio do PS e contra o governo PS, com o apoio do BE, grande crítico do governo PS. Não poderia ter funcionado. Não conseguiu evitar o populismo da busca algo desesperada de casos que abalassem a integridade ética de Cavaco e, paradoxalmente ou não, foi exasperantemente incapaz de demonstrar como essa falta de integridade poderia ser má para o actual momento do país.
Nobre, uma nobre “vitória”. O Alegre de 2011, o independente que confirmou a tese de que a política democrática não se faz, exclusivamente, (tóxico)dependente de associações partidárias. Afinal, os movimentos cívicos de cidadãos, que se não reconhecem justamente com as máquinas partidárias, por vezes carregadas de seguidismos acéfalos e, certamente, com pouca capacidade crítica e oportunismo quanto baste em lugar de autonomia, são uma realidade em qualquer sistema político democrático sadio. Com um problema: não conseguem ser, pelo menos ainda, forças suficientemente mobilizadoras de poder.
A abstenção. Claramente uma derrota da esquerda, normalmente mais empenhada no acto político popular do voto, e do centro esquerda, que poderia ter reafirmado a sua convicção socialista! Derrota com Alegre à cabeça. Se era altura para mostrar que o contraponto do governo PS estava errado, era agora. Não foi. Porque não estava errado. Cavaco continuará a mostrar o caminho e a apontar os erros, à espera que o governo de Sócrates caia pelo seu pé. A sua cooperação poderá até ser, assim o status quo o exija, mais actuante, mas não será nenhuma bomba-atómica, porque Cavaco é um homem de paz, na sua prudência. Sócrates terá que cair pelo seu pé. E nisso há aparente acordo no PSD (talvez não tanto no PP), que espera a sua vez, aparentemente a resguardar os interesses do país a um linchamento socrático.
Para o fim, o pior: José Manuel Coelho e os cartões de cidadão. Coelho teve 4,5% dos votos. O mega-populista e demagogo, candidato disfarçado de homem do povo (como se, no caso do nosso povo, isso fosse salvífico!), o quase “Tiririca português”, mostra como a cultura, tout court, e a cultura política, em particular, de muitos portugueses continua a ser uma das forças de bloqueio da mudança necessária, neste aferrolhamento sócio-político-civilizacional em que encalhámos. É lamentável pensar como muitos há ainda que “pensam” que votar “Coelhos” é a melhor forma de exercer o seu direito cívico.
O pior dos piores, a abstenção provocada pela vergonhosa incompetência administrativa relativa a eleitores portadores de cartão de cidadão. Própria de terceiro mundo, esta imagem de um país modernaço sem capacidade para operar com as máquinas e se organizar é confrangedora. Devia sê-lo sobretudo para o governo, que protagoniza mais uma calamitosa incompetência, a denegrir ainda mais a imagem do país e a defraudar direitos políticos básicos dos cidadãos. Inaceitável, embora já tudo seja, por ora, expectável.