Decorreu na passada sexta-feira, em Viseu, o Colóquio “Complexidade, Valores e Educação do Futuro – em torno de Edgar Morin”, organizado pelo Instituto Piaget, a propósito do seu 30.º aniversário. Edgar Morin, octogenário filósofo francês e um dos maiores filósofos vivos, apresentou “Os caminhos para o pensamento complexo”, uma brilhante síntese do essencial do seu pensamento, num invejável “portunhol”, eficaz e brilhantemente realizado enquanto língua e comunicação.
As traves mestras da sua epistemologia assentam na convicção de que toda a cultura ocidental se enraizou num «modo mutilador de organização do conhecimento, incapaz de reconhecer e apreender a complexidade do real»(1). A crescente especialização disciplinar a que conduziu a ciência moderna, afastou o homem de uma compreensão mais aprofundada do real: há um erro profundo «no modo de organização do nosso saber em sistema de ideias (teorias, ideologias); existe uma nova ignorância ligada ao desenvolvimento da própria ciência; existe uma nova cegueira ligada ao uso degradado da razão; as ameaças mais graves em que a humanidade incorre estão ligadas ao progresso cego e descontrolado do conhecimento (armas termonucleares, manipulações de todas as espécies, desequilíbrio ecológico, etc.)»(2). Morin – sempre serena mas profundamente dramático – alertou para o facto de que “esquartejar a natureza em pedaços está a conduzir à sua destruição”(3).
Houve, é certo, vários filósofos (Platão, Descartes, Kant) que tentaram descobrir a complexidade do real. No entanto, no seu ímpeto racionalizador, perderam essa complexidade, pois encerraram-na num sistema fechado de tentativa de explicação do mundo. Outros houve que – segundo Morin – ainda assim tentaram, através de um pensamento fragmentário, perscrutar essa complexidade, como Heraclito, Espinosa (Deus sive Natura), Pascal (tudo tem conexão), Nietszche, Hegel e Bergson (e a criatividade evolutiva), ou Marx (que era filósofo, economista, historiador, político e, com a sua dialéctica, que herdou de Hegel, nos mostra que não podemos eliminar as contradições, temos de as enfrentar), ou Piaget, Foucault e Kuhn (que, com a sua teoria dos paradigmas, procura mostrar como “há princípios invisíveis que governam o nosso conhecimento”).
Para Morin, “se não procurarmos elucidar esses princípios ocultos do nosso conhecimento, ficamos cegos!” É preciso ver as “conexões entre as coisas, que parecem desligadas”. É claro que “a complexidade não é de hoje” (refere Morin, na sua lúcida e perscrutante humildade), apenas o conceito é novo – ela está latente em toda a história da humanidade, pois “há complexidade onde há pensamento!”
A complexidade é pressentida nalgumas ciências, como a história, que mostra as contradições do real humano – guerras vs. desenvolvimento dos processos económicos e sociais –, ou como a ecologia, verdadeira ciência da complexidade, que implica a Biologia, Botânica, Climatologia, em suma, implica uma tão necessária inter e transdisciplinaridade.
Morin lembra, insistentemente, como o próprio homem é homo sapiens (racionalidade), mas também homo demens (loucura); homo faber (que produz) e homo economicus (que gera dinheiro), mas também é homo ludens (que joga, consome e desperdiça). Morin sugere que “não devemos esquecer a poesia, o mito, a religião, no caminho para a complexidade”, uma vez que “há coisas que escapam a uma razão restringida” – o mistério escapa à razão moderna, que é uma razão fragmentária, restringida, fechada à complexidade do real.
Morin terminou a sua intervenção – prenhe de pensamento – exultando: “temos necessidade de ‘mundiólogos’, que vejam o mundo como um todo complexo”; “a complexidade é um desafio”; “há uma ligação entre conhecimento complexo e via de desenvolvimento civilizacional, que há que mudar”.
_____
(1) Edgar Morin, Introdução ao Pensamento Complexo, trad. port. Dulce Matos (Lisboa: Instituto Piaget, 2008) 5.ª edição, p. 14.
(2) Ibidem.
(3) As expressões “entre aspas” são citações muito próximas das palavras proferidas por Morin na sua comunicação.
As traves mestras da sua epistemologia assentam na convicção de que toda a cultura ocidental se enraizou num «modo mutilador de organização do conhecimento, incapaz de reconhecer e apreender a complexidade do real»(1). A crescente especialização disciplinar a que conduziu a ciência moderna, afastou o homem de uma compreensão mais aprofundada do real: há um erro profundo «no modo de organização do nosso saber em sistema de ideias (teorias, ideologias); existe uma nova ignorância ligada ao desenvolvimento da própria ciência; existe uma nova cegueira ligada ao uso degradado da razão; as ameaças mais graves em que a humanidade incorre estão ligadas ao progresso cego e descontrolado do conhecimento (armas termonucleares, manipulações de todas as espécies, desequilíbrio ecológico, etc.)»(2). Morin – sempre serena mas profundamente dramático – alertou para o facto de que “esquartejar a natureza em pedaços está a conduzir à sua destruição”(3).
Houve, é certo, vários filósofos (Platão, Descartes, Kant) que tentaram descobrir a complexidade do real. No entanto, no seu ímpeto racionalizador, perderam essa complexidade, pois encerraram-na num sistema fechado de tentativa de explicação do mundo. Outros houve que – segundo Morin – ainda assim tentaram, através de um pensamento fragmentário, perscrutar essa complexidade, como Heraclito, Espinosa (Deus sive Natura), Pascal (tudo tem conexão), Nietszche, Hegel e Bergson (e a criatividade evolutiva), ou Marx (que era filósofo, economista, historiador, político e, com a sua dialéctica, que herdou de Hegel, nos mostra que não podemos eliminar as contradições, temos de as enfrentar), ou Piaget, Foucault e Kuhn (que, com a sua teoria dos paradigmas, procura mostrar como “há princípios invisíveis que governam o nosso conhecimento”).
Para Morin, “se não procurarmos elucidar esses princípios ocultos do nosso conhecimento, ficamos cegos!” É preciso ver as “conexões entre as coisas, que parecem desligadas”. É claro que “a complexidade não é de hoje” (refere Morin, na sua lúcida e perscrutante humildade), apenas o conceito é novo – ela está latente em toda a história da humanidade, pois “há complexidade onde há pensamento!”
A complexidade é pressentida nalgumas ciências, como a história, que mostra as contradições do real humano – guerras vs. desenvolvimento dos processos económicos e sociais –, ou como a ecologia, verdadeira ciência da complexidade, que implica a Biologia, Botânica, Climatologia, em suma, implica uma tão necessária inter e transdisciplinaridade.
Morin lembra, insistentemente, como o próprio homem é homo sapiens (racionalidade), mas também homo demens (loucura); homo faber (que produz) e homo economicus (que gera dinheiro), mas também é homo ludens (que joga, consome e desperdiça). Morin sugere que “não devemos esquecer a poesia, o mito, a religião, no caminho para a complexidade”, uma vez que “há coisas que escapam a uma razão restringida” – o mistério escapa à razão moderna, que é uma razão fragmentária, restringida, fechada à complexidade do real.
Morin terminou a sua intervenção – prenhe de pensamento – exultando: “temos necessidade de ‘mundiólogos’, que vejam o mundo como um todo complexo”; “a complexidade é um desafio”; “há uma ligação entre conhecimento complexo e via de desenvolvimento civilizacional, que há que mudar”.
_____
(1) Edgar Morin, Introdução ao Pensamento Complexo, trad. port. Dulce Matos (Lisboa: Instituto Piaget, 2008) 5.ª edição, p. 14.
(2) Ibidem.
(3) As expressões “entre aspas” são citações muito próximas das palavras proferidas por Morin na sua comunicação.
Sem comentários:
Enviar um comentário