terça-feira, 16 de março de 2010

A importância de educar

«Os homens nasceram uns para os outros; educa-os ou sofre-os.» (Marco Aurélio)

O ser humano é um ser da natureza e, como tal, muito daquilo que faz é determinado pelas suas características biológicas. Procura água quando tem sede, alimento quando tem fome, uma arma quando se sente ameaçado... Mas a evolução tornou-nos também seres racionais, capazes de pensar na melhor maneira de resolver os nossos problemas. Ou seja, quando temos sede, ao invés de nos atirarmos sobre a primeira poça de água barrenta, procuramos uma fonte e até um copo…! Criamos hábitos, acostumamo-nos a agir de certas maneiras, porque encontramos boas razões para pensar que essas formas de agir nos tornam melhores pessoas, mais humanos. Há, verdadeiramente, ser humano, quando a cultura se sobrepõe à natureza.

Uma razão determinante para a criação de princípios e regras de convivência (cultura) foi o facto dos seres humanos viverem juntos e de terem descoberto a maior vantagem em cooperar, em vez de se afrontarem em conflitos insanáveis. Porque somos seres sociais e descobrimos que somos iguais, enquanto seres humanos, criamos normas de convivência social, baseadas em princípios e valores racionalmente justificados, que procuram tornar possível a existência para todos. Matar outro ser humano, por exemplo, é mau, porque todos os seres humanos têm um valor em si mesmo, que é inviolável; e se tornarmos possível a vida segura, sã e feliz para todos, todos beneficiarão de um conjunto inestimável de bens. Há, pois, boas razões para criarmos normas e regras que mantenham aquilo a que damos valor. Há ser humano, quando há capacidade de convivência com outros, a que chamamos socialização e civismo.

O mais decisivo mecanismo de socialização e civismo é a educação. Somos os únicos seres vivos conhecidos que transmitem cultura (valores, costumes, normas de convivência social) aos seus juvenis. Educar é civilizar, é tornar capaz a criança – à partida, naturalmente determinada pelo impulso – de se relacionar humanamente com os outros, aprendendo valores, normas, costumes, para ser aceite na sociedade e ter uma vida verdadeiramente humana. Educar é, pois, tornar mais capaz de viver com outros. Mas isso só é possível se for anulada a violência que nos caracteriza como espécie. Educar é ensinar a criança a resolver os conflitos com outros de forma civilizada e não de forma impulsiva, pela razão e não pela força. Educar é, assim, um processo de anulação da violência.

Os principais e mais determinantes agentes de socialização são a família e a escola. A realidade mostra-nos que, num mundo de grande oferta e amplo acesso à informação, de taxas ainda assim elevadas de escolarização, de auxílio social vário, mesmo assim se cometem falhas de consequências graves, que põem em causa a vida boa, humana, em comum. Há famílias, que, por várias razões (algumas compreensíveis e atendíveis, outras nem por isso), não têm cumprido a sua função de ensinar os comportamentos básicos, que tornam possível outras aprendizagens mais complexas, veiculadas pela escola, e que, assim, põem em causa o futuro dos seus filhos e de outros que com eles convivem.

A escola é, nas palavras sábias do humanista e pedagogo Juan Luis Vives (1492-1540), o local «onde se vai besta e se volta homem»! Mas esta animalidade está hoje, por vezes, de tal modo sedimentada, que se torna dificílimo atenuá-la (quando o desejável era bani-la!). A escola tem a função de ensinar, a todos, um conjunto de conhecimentos, de valores e de competências, hoje cada vez mais determinantes do futuro das nossas crianças e jovens. Mas a escola não se pode privar do poder de ensinar, avaliar, exigir e corrigir comportamentos adequados à idade de cada criança e jovem, sob pena de deixar de cumprir a sua função social e humana. Para isso, deve estar devidamente coadjuvada por meios materiais e humanos, mas, sobretudo, orientada por políticas educativas sérias, sábias, atentas, informadas. A escola tem que ser uma instituição autoritativa. Ter autoridade não é (tanto) deter a legitimidade da força, é (sobretudo) saber: saber o que é importante para transformar uma criança num adulto verdadeiramente livre, sábio, bom – numa palavra, humano. E porque sabe, uma autoridade deve ser respeitada. Criticada racionalmente, sim, quando oportuno (mal de nós se assim não fosse!); ignorada, nunca. Há que procurar esse respeito – esse saber, portanto – e agir em conformidade, com a coragem e serenidade de quem cumpre a missão mais humana de todas. Será reconhecido.

A educação é deveras importante, porque só há ser humano, com uma vida realmente boa, quando aprendemos a sê-lo. Bom seria que aproveitássemos a infeliz ocasião para disso tomarmos verdadeiramente consciência.
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(Publicado in: Jornal Terra Quente, 15-03-2010)

1 comentário:

Bruno Fidalgo disse...

Grande artigo professor.Saudades das suas conversas.Espero que estejas bem.Abraço.