sexta-feira, 29 de junho de 2007

Afinal... era simples!

Ontem, no pragama da SIC Notícias "Negócios da Semana", o ex-Ministro das Finanças do I Governo Constitucional Medina Carreira apresentou uma lúcida, surpreendentemente simples visão crítica demolidora do status quo político em Portugal. A falta de uma coordenação geral (Sócrates «não tem tempo, nem conhecimentos para o fazer»!), que articule as várias reformas, indispensáveis, mas desgarradas e, como é apanágio do bom (mau!) portuguesismo, sem estudos de fundo, são as ideias centrais da crítica benfazeja de Medina. Uma das análises políticas mais profundas dos últimos tempos, que nos obriga a reflectir em duas coisas:
1. como parece simples governar, hoje, o país, assim haja competência para o fazer;
2. como há grandes políticos em Portugal... mas que não estão a exercer cargos públicos, para desgraça de todos!

sexta-feira, 22 de junho de 2007

Exame de História – de “dragão” para “tigre”!


Mais erros científicos do ME. Por exemplo, quando se escreve, numa pergunta da prova de exame nacional de História do 12.º ano, “tigres” do oriente, quando se deveria ter escrito “dragões”, e quando ambas as designações são usadas cada uma para um grupo determinado de países com ritmos de desenvolvimento diferentes, então das duas uma: ou os responsáveis pela elaboração do exame não dominam esta temática ou então não sabem que o rigor conceptual é característica essencial da ciência e dos seus representantes escolares, como são os professores (o que inclui os examinadores).
Numa altura em que a dignidade profissional dos professores foi tomada de assalto pelo ME, talvez não fosse má ideia não cometer erros destes, justamente por profissionais que trabalham no próprio ME! Ou esses também estarão perdidos?!
E o caso é grave: trata-se de uma prova de exame elaborado pelo ME, o que transmite uma ideia de incompetência, e, além disso, são erros que podem ter confundido milhares de estudantes que se esforçaram para serem avaliados numa prova tão exigente, como é um exame final, e cujos resultados obtidos servirão para concorrer ao ensino superior!
A arbitrariedade, o relativismo completamente infundado e a incoerência imperam, finalmente, nos responsáveis, quando não foram capazes sequer de assumir o erro, ao contrário do que foi feito com uma questão do exame de Física e Química do 12.º ano, que, por conter um erro que não permitia resolver adequadamente a questão foi, muito acertadamente, anulada!
É caso para perguntar que população está a ganhar, e o que está a ganhar, com esta equipa ministerial!

A tentação do controlo ou o “Big Brother” à espreita!

O totalitarismo espreita a cada esquina. Ou: há cada vez mais esquinas em que o totalitarismo espreita! Um totalitarismo moderado, disfarçado, talvez mesmo inconsciente – mas, de qualquer modo, uma tentação.
Um pouco no sistema de ensino – por muito que a intenção não seja essa, as políticas educativas, fazendo baixar o nível de exigência, produzem a perversa consequência do real empobrecimento das aprendizagens, afectando sobretudo os mais desfavorecidos, que mais dependem de um ensino de qualidade (confronte-se, em baixo, o slogan-mentira orwelliano «ignorância é força»!). Agora na criação de uma base de dados pessoais dos funcionários públicos... Eis a tentação – desta feita, socialista – de controlo dos cidadãos através de um poder político mais omnipotente e omnipresente, que se vai revelando, paulatinamente.
Talvez não fosse má ideia reler um pequeno excerto da obra “1984”, onde George Orwell (pseudónimo de Eric Blair, 1903-1950) põe a nu, numa sátira terrífica, o terror do poder político totalitário (mesmo antes de Hannah Arendt o ter feito), que, justamente através do poder manipulatório da linguagem, da informação, da comunicação social, pode exercer sobre o indivíduo um poder avassalador, sugando-lhe toda a liberdade.

«Lá em baixo, na rua, o vento sacudia o cartaz descolado e a palavra SOCING aparecia e desaparecia caprichosamente. SOCING. Os princípios sagrados do SOCING. Novilíngua, duplopensar, a mutabilidade do passado. Winston sentiu-se como se errasse pelas florestas do fundo do mar, perdido num mundo em que o monstro era ele próprio. Estava só. O passado estava morto, o futuro afigurava-se inimaginável. Que certeza podia ter que de que um único ser humano hoje vivo estivesse do seu lado? E como saber se o domínio do Partido não duraria para sempre? Á guisa de resposta, vieram-lhe ao espírito as três palavras de ordem inscritas na fachada branca do Ministério da Verdade:
GUERRA É PAZ
LIBERDADE É ESCRAVIDÃO
IGNORÂNCIA É FORÇA.
Tirou do bolso uma moeda de vinte e cinco cêntimos. Também aí, em pequenas letras nítidas, estavam inscritas as mesmas palavras de ordem e, na outra face, a efígie do Big Brother. Até na moeda os olhos perseguiam uma pessoa. Nas moedas, nos selos, nas capas dos livros, no invólucro dos maços de cigarros – em toda a parte. Sempre aqueles olhos a fitar-nos e aquela voz a envolver-nos. Na vigília ou no sono, a trabalhar ou a comer, em casa ou na rua, no banho ou na cama – não havia fuga possível. Nada nos pertencia, excepto os poucos centímetros cúbicos dentro da nossa cabeça.»

(George Orwell, 1984, Lisboa, Antígona, 1999, 3.ª edição, p. 32)

A boa literatura pode ser de uma clarividência arrebatadoramente reveladora!

quarta-feira, 20 de junho de 2007

Os pontos nos iis... no “insino” e na “iducação” em Portugal!

Não! Este não será um comentário ao exigente exame nacional do 12.º ano de Língua Portuguesa – atenção: a disciplina já não se chama Português (oh, Literatura Portuguesa, onde é que tu já vais...!) –, que serviu para testar os conhecimentos e competências da língua mater dos alunos no final do ensino secundário! Já que esta competência é central na formação básica e secundária e no acesso ao ensino superior, então é perfeitamente lógico que se exija o seu pleno domínio...!
Mas não, o intuito é outro: trata-se da saga do Ministério da Educação (e das finanças!) contra os professores... que continua – agora são os professores de matemática (os únicos!) responsáveis pelo mau desempenho dos alunos; e a Associação de Professores de Matemática... que se vão embora (veja-se aqui e aqui), não os queremos cá para criticar a nossa política educativa, até porque de Ensino da Matemática nada percebem, claro, e, portanto, com nada de bom podem contribuir para resolver este flagelo nacional!
Há que fazer uma avaliação crítica, mas serena e tão rigorosa quanto possível, do status quo na educação, hoje, em Portugal:
1. O insucesso escolar é elevado e o nível de desempenho escolar dos nossos alunos é, em geral, mau.
2. Há que conceder que uma das razões tem que ver com o desempenho de alguns maus professores, que se encontram no sistema, que ensinarão mal e avaliarão pior.
3. Mas esta não é certamente a única causa: não se pode escamotear a profunda desmotivação para o saber e as várias (por vezes, grosseiras) indisciplinas, que afectam muitos alunos, bem como o alheamento e ou impreparação larvar para a cabal (e hoje bastante exigente) orientação educativa, que afecta os pais e encarregados de educação de muitos alunos.
Soluções?! Julgo que se deve conceder que uma das soluções para obviar ao fraco desempenho de alguns professores passa pela revisão do Estatuto da Carreira Docente, designadamente ao nível do sistema de avaliação. O que existia penso que era um convite ao laxismo, desresponsabilização e outros vícios, que, aliás, afectam outros funcionários do Estado português, bem como era profundamente injusto ao premiar praticamente por igual aqueles que responsável e seriamente se empenhavam como os que o não faziam! No entanto, esta reforma – designadamente ao nível do sistema de avaliação de desempenho – não é perfeita. Talvez tenha ficado aquém do desejável! E para que os professores passassem a ensinar melhor era necessário também que os programas passassem a incluir verdadeiramente (muitas vezes) o verdadeiro saber actual e as (des)orientações pedagógicas que o Ministério tenta impor (há décadas), permitissem um ensino exigente e, concomitantemente, uma avaliação rigorosa e justa para todos.
Mas as causas que envolvem os próprios alunos e, sobretudo, os pais e encarregados de educação ficam por atacar. É mais fácil (e dará mais votos?!) gerar um clima negativo face aos professores, colocando nas suas mãos não só as únicas causas, mas também as únicas soluções possíveis para os problemas educativos, do que projectar uma efectiva solução abrangente, que passará, necessariamente, por uma alteração da atitude, não só de muitos professores, mas também de muitos pais e encarregados de educação face ao saber, à qualificação e à excelência como meios necessários para uma vida melhor.
E depois não se vê muito bem como é que uma atitude persecutória, autoritarista e, por vezes, mesmo desrespeitadora das qualidades intelectuais, dos conhecimentos científicos e pedagógicos de muitos professores e da sua transcendente função pública, por parte do Ministério da Educação, resolverá o problema – com certeza real – do fraco desempenho docente de alguns professores.
E também é parte do problema – e não da solução – o facto do congelamento ininterrupto das carreiras ser profundamente injusto para tantos profissionais empenhados, motivados (tanto quanto as circunstâncias adversas o permitem!) e qualificados, que olham, por exemplo, para os salários principescos de tantos gestores públicos e... se sentem, claro, com inesgotáveis forças para vencer este desígnio nacional, que é permitir às crianças e jovens uma vida melhor – mais culta, capaz e económica e socialmente digna!
Em suma: há professores que podem e devem fazer melhor; mas esta forma pouco democrata de comunicar com eles não só não vai resolver como poderá até agravar os problemas, o que seria, nesta altura, um erro político talvez irremediável. E quando parece cada vez mais difícil interferir na atitude dos alunos e dos pais face à sua educabilidade, tanto mais importante se revela o papel do professor a quem se pede um esforço complementar e que, por isso, deveria logicamente ser merecedor de todo o mais elevado respeito.
Talvez não tivesse sido má ideia ganhar os professores... e aí sim, não perderíamos ninguém! Mas, ao invés da união colectiva e algum espírito comunitário em torno de um desígnio nacional da maior importância, foi a velha atitude portuguesinha do bota-abaixo, do ressentimento, do pessimismo e da perseguição direccionada, que, mais uma vez, se impôs!

segunda-feira, 18 de junho de 2007

Examinar






Iniciaram-se hoje os exames nacionais e a nível de escola do 9.º ano e para conclusão do ensino secundário e acesso ao ensino superior. Este instrumento de avaliação de conhecimentos e competências dos alunos, bem como do próprio sistema educativo, tem sido frequentemente posto em causa.
É fácil argumentar que um momento apenas, pode arruinar todo um percurso de um aluno. Mas é fácil também esquecer o que verdadeiramente está em jogo – uma, de entre outras, prestação de provas. Mas não é isso que pretende ser uma avaliação – verificar se o aluno aprendeu? E não é isso que irão encontrar os jovens, quer acedam ou não ao ensino superior, na vida fora da escola, na sociedade do conhecimento – em tantas ocasiões, não necessitarão de apreender/relembrar e, portanto, saber um conjunto de informações e aplicá-las competentemente numa situação dada?
De qualquer modo, os exames continuam a ser um instrumento importantíssimo e extremamente útil para aferir conhecimentos e competências (hoje, mais do que nunca!) e – o que é tantas vezes esquecido – funcionam como um elemento integrante das próprias aprendizagens e podem, senão devem, funcionar como incremento das mesmas. E os jovens, desde que devidamente orientados, auxiliados e habituados a tal prática compreenderão muito bem a sua inevitabilidade, mas também o seu valor como batalha a vencer.
Afinal, numa sociedade em que os jovens aprendem até inclusivamente com muitos adultos a fugir desesperadamente do esforço, do empenho e da qualidade da acção profissional, examinar é naturalmente algo muito mal vindo. Só uma sociedade cultural, sócio-económica e, portanto, humanamente desenvolvida enfrenta o esforço, o empenho, a dedicação e a exigência como tomando parte de uma das tarefas mais importantes para o desenvolvimento humano integral de cada indivíduo, que é o ensino e a aprendizagem. E os exames são aí algo de necessário, embora também algo enfrentado de modo positivo e auxiliado por um conjunto de atitudes e comportamentos psicologicamente bem orientados… para o sucesso!

terça-feira, 12 de junho de 2007

O paradoxo do ovo e da galinha

Um paradoxo é aquilo que é contrário à opinião, o «que chamamos “coisas que maravilham”» (Cícero) – e maravilham dado que propõem algo que parece estranho que possa ser tal como se diz que é.
O paradoxo do ovo e da galinha consiste nisto: a galinha nasce do ovo, mas o ovo é posto por uma galinha – ovo ou galinha, o que apareceu primeiro? Plutarco (c.46-c.120) terá sido o primeiro a mencionar este paradoxo.
Aristóteles (c.384/3-322 a.C.) acreditava que as espécies sempre existiram e que, portanto, não tiveram um começo – se esta perspectiva fosse verdadeira, nem ovo nem galinha teria surgido primeiro!
Mas a Biologia moderna mostra-nos que isto é falso. Mesmo apesar do conceito de “espécie” estar hoje em dia a ser alvo de críticas e haja mesmo quem negue inclusivamente a sua existência, uma das respostas que ganhou adeptos na comunidade científica coloca e ovo primeiro: um organismo particular não pode mudar a sua espécie durante a sua vida; a mudança provém de uma mutação quando dois organismos (de uma espécie diferente da galinha) fazem criação, produzindo um ovo de galinha; o ovo precede a galinha, que nasceu dele; logo, o ovo apareceu primeiro. Neste caso, não interessa quem são os pais deste ovo de galinha primordial, pois essa espécie não continuou no ovo, uma vez que se deu uma mutação e o seu material genético determina a natureza da sua descendência – se é um ovo de galinha, então será uma galinha que dele nascerá.
Outra resposta para o paradoxo diz que sem galinha não há ovo! Embora o zigoto resulte de macho e fêmea, o ovo circundante provém apenas da galinha; só uma galinha pode pôr um ovo de galinha; logo, a galinha vem primeiro. Nesta perspectiva, presumivelmente, terá havido uma mutação que deu origem a um zigoto de galinha (como passageiro embrionário), enquanto se encontrava no interior de um ovo que não era de galinha. Quando essa galinha for pôr ovos, porá um ovo de galinha, mas a galinha veio primeiro.

Referências:
David Waller, “The chiken and her egg”, Mind 1998, vol. 107.
Roy Sorensen, A Brief History of the Paradox, Oxford, OUP 2003, p.11.
Michael Clark, Paradoxes from A to Z, London, Routledge 2007, second edition.

segunda-feira, 11 de junho de 2007

Afinal... todos fazem humor!

Afinal, todos dizemos piadas acerca de assuntos, que, por serem importantes, são justamente alvo da inteligência humana, que consiste em fazer humor (uma forma espirituosa de crítica) diante daquilo que, devendo ser, não é!
Agora, imagine-se que tudo tinha decorrido, digamos, com normalidade, na licenciatura do Primeiro Ministro... e estaríamos certamente agora a gracejar sobre outras, quiçá mais interessantes, limitações do ser humano!

terça-feira, 5 de junho de 2007


Leituras...



...com mais de uma década, mas que comemoram exemplarmente o dia Mundial do Ambiente. Entre a já abundante bibliografia na área da filosofia do ambiente, será justo destacar uma obra que merecidamente pode muito bem ser apresentada como um clássico, pelo menos nos títulos disponíveis na língua de Camões: Luc Ferry, A Nova Ordem Ecológica, Edições Asa (Lisboa 1993).
O ex-Ministro da Educação Francês, Luc Ferry, eminente filósofo e ensaísta francês, defensor do humanismo secular, apresenta uma excelente síntese do que está em jogo na forma como o homem se foi relacionando com a natureza e do que subjaz às concepções dessa relação:

«A primeira – sem dúvida a mais banal, mas também a menos dogmática, porque menos doutrinária – parte da ideia de que, através da natureza, é ainda e sempre o homem que se trata de proteger, ainda que seja dele próprio como quando representa o aprendiz de feiticeiro. O ambiente, neste caso, não é dotado de um valor intrínseco.» (...)
«A segunda figura dá um passo no sentido da atribuição de uma significação moral a certos seres não humanos. Consiste em tomar a sério o princípio “utilitarista” segundo o qual é preciso não somente descobrir o interesse próprio dos homens, mas, de um modo mais geral, tender a reduzir ao mínimo o total dos sofrimentos no mundo, assim como a aumentar tanto quanto possível a quantidade de bem-estar. (...) todos os entes susceptíveis de prazer e de dor devem ser tidos por sujeitos de direito e tratados como tal.»
«A terceira forma é a que [se encontra] na reivindicação de um direito das árvores, ou seja, da natureza enquanto tal, designadamente das suas formas vegetal e mineral. (...) já não é o homem, considerado como centro do mundo, que se deve, prioritariamente, proteger de si próprio, mas sim o cosmos enquanto tal que deve ser defendido contra os homens. O ecossistema – a “biosfera” – é, desde logo, investido de um valor intrínseco bem superior ao dessa espécie, afinal de contas razoavelmente prejudicial, que é a espécie humana.» (pp. 25-7)

A crítica filosófica ecologista erigiu-se, pois, contra o humanismo e antropocentrismo da modernidade, arreigando-se em poderosos pensamentos de Heidegger e Hans Jonas e recuperando um certo Espinosa contra Descartes; daí sulcando um caminho, em que, quase “lado a lado”, conservadores e esquerdistas, desde a ecologia nazi (as primeiras leis ecológicas do mundo!) à deep ecology ("ecologia profunda") e ao ecofeminismo, não conseguiram, porém, escapar aos excessos de fé do fundamentalismo verde. A solução passa, segundo argumenta Ferry, por uma shallow ecology (“ecologia superficial” ou “ambientalista”), uma ecologia democrática, que não perca a modernidade humanista, mas antes sulque o caminho da sua perfectibilidade.

segunda-feira, 4 de junho de 2007

Serralves em festa... para um museu vivo e aberto!

O Museu de Serralves levou a cabo, nos últimos dois dias, a iniciativa "Serralves em festa". O museu abriu os portões do seu esplendoroso jardim ao grande público, numa inicitiva inédita, durante "40 horas non-stop", com um leque alargado e multifacetado de iniciativas culturais direccionados a um público mais diversificado: música, dança, teatro, marionetas... (Destaque-se as iniciativas direccionadas a crianças, aposta clara na formação de novos futuros públicos.) Exemplarmente organizado, com iniciativas programadas hora a hora (a festa até contou inclusive com honras de chefe de estado!), parece ter sido um sucesso, dada a quantidade de pessoas que respiraram o ar verdejante daquele imenso espaço ajardinado.
Pode sempre levantar-se a questão de saber até que ponto todo aquele público voltará, com mais disponibilidade, para, noutras circunstâncias, contemplar efectivamente as obras de arte que ali estão e por ali vão passando. O poeta mítico da Trácia, Museu, tinha um papel na mitologia grega de guia iniciático aos mistérios; é claro que nem todos estariam em condições de serem iniciados aos mistérios e à seita órfica! Mas é certo também que esta inspiração onomástica nos pode fazer repensar o papel dos museus, no que toca à relação com o grande público: até que ponto não poderão/deverão ter um papel iniciático, agora mais democrático, à arte e à cultura. Entre um museu fechado de uma elite, natural mas não necessária, e um museu aberto a múltiplos possíveis públicos, é inteligente optar por este último, gerido com abertura, embora sem perder a contida qualidade do espaço de cultura viva, como é o caso de Serralves.

sexta-feira, 1 de junho de 2007

O filósofo e sociólogo amelão Arnold Gehlen (1904-1976) referia, a propósito da tese segundo a qual o ser humano é um ser inacabado, que o ser humano nasce sempre antes do tempo, para dizer o carácter frágil e a necessidade ética de cuidado, que exige do outro.
A característica antropológica mais importante da puerilidade é, certamente, a carência: alimentar, afectiva, securizante, educativa e cultural.
No melhor dos mundos, em que as cartas dos direitos humanos e da criança estão redigidas, sobra ainda um espaço imenso de mal fundamental, bárbaro, simiesco e entrópico, que é o que atinge as crianças, sob a forma de fome, exploração laboral, ignorância e de uma pluralidade brutal de maus tratos, incluindo molestação sexual... sobretudo por esse terceiro mundo fora, algo perdido e com certeza esquecido.