sexta-feira, 22 de junho de 2007

A tentação do controlo ou o “Big Brother” à espreita!

O totalitarismo espreita a cada esquina. Ou: há cada vez mais esquinas em que o totalitarismo espreita! Um totalitarismo moderado, disfarçado, talvez mesmo inconsciente – mas, de qualquer modo, uma tentação.
Um pouco no sistema de ensino – por muito que a intenção não seja essa, as políticas educativas, fazendo baixar o nível de exigência, produzem a perversa consequência do real empobrecimento das aprendizagens, afectando sobretudo os mais desfavorecidos, que mais dependem de um ensino de qualidade (confronte-se, em baixo, o slogan-mentira orwelliano «ignorância é força»!). Agora na criação de uma base de dados pessoais dos funcionários públicos... Eis a tentação – desta feita, socialista – de controlo dos cidadãos através de um poder político mais omnipotente e omnipresente, que se vai revelando, paulatinamente.
Talvez não fosse má ideia reler um pequeno excerto da obra “1984”, onde George Orwell (pseudónimo de Eric Blair, 1903-1950) põe a nu, numa sátira terrífica, o terror do poder político totalitário (mesmo antes de Hannah Arendt o ter feito), que, justamente através do poder manipulatório da linguagem, da informação, da comunicação social, pode exercer sobre o indivíduo um poder avassalador, sugando-lhe toda a liberdade.

«Lá em baixo, na rua, o vento sacudia o cartaz descolado e a palavra SOCING aparecia e desaparecia caprichosamente. SOCING. Os princípios sagrados do SOCING. Novilíngua, duplopensar, a mutabilidade do passado. Winston sentiu-se como se errasse pelas florestas do fundo do mar, perdido num mundo em que o monstro era ele próprio. Estava só. O passado estava morto, o futuro afigurava-se inimaginável. Que certeza podia ter que de que um único ser humano hoje vivo estivesse do seu lado? E como saber se o domínio do Partido não duraria para sempre? Á guisa de resposta, vieram-lhe ao espírito as três palavras de ordem inscritas na fachada branca do Ministério da Verdade:
GUERRA É PAZ
LIBERDADE É ESCRAVIDÃO
IGNORÂNCIA É FORÇA.
Tirou do bolso uma moeda de vinte e cinco cêntimos. Também aí, em pequenas letras nítidas, estavam inscritas as mesmas palavras de ordem e, na outra face, a efígie do Big Brother. Até na moeda os olhos perseguiam uma pessoa. Nas moedas, nos selos, nas capas dos livros, no invólucro dos maços de cigarros – em toda a parte. Sempre aqueles olhos a fitar-nos e aquela voz a envolver-nos. Na vigília ou no sono, a trabalhar ou a comer, em casa ou na rua, no banho ou na cama – não havia fuga possível. Nada nos pertencia, excepto os poucos centímetros cúbicos dentro da nossa cabeça.»

(George Orwell, 1984, Lisboa, Antígona, 1999, 3.ª edição, p. 32)

A boa literatura pode ser de uma clarividência arrebatadoramente reveladora!

2 comentários:

pedro disse...

(Sobretudo) no caso dos livros, por vezes as pessoas vêem determinada obra como algo tão clássico e 'cliché' que o rotulam de 'importante', desprezando a verdadeira razão pela qual a obra se tornou 'clássica'.

"Mil Novecentos e Oitenta e Quatro" é de um poder arrebatador, e coloca-nos perante o derradeito terror político perpétuo. E tudo menos a Sala 101 (que por acaso já foi "reproduzida" num programa chamado "Fear Factor" que teve uma cópia no nosso próprio país, não me recordo é do nome).

De facto, e tal como o que se passava no livro com o Partido, hoje em dia sinto que cada vez mais os líderes e os demais protagonistas perdem relevo. O Partido é o que importa. Tudo o resto é mortal. E é uma realidade que assusta e revolta, no mínimo.

Cumprimentos

^_^

Miguel Portugal disse...

É justamente esta atitude de revolta, quando não de inquietude e crítica atenta, que poderá impedir, e talvez mesmo serena e naturalmente, qualquer tentativa totalizadora ou centralista de gorvernos fracos, que, por isso, e por meio de ataques à liberdade individual, se querem perpetuar no poder.