quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

Poesia... para desanuviar!


«Os nós da escrita

Escrever é, para mim, tentar desfazer nós, embora o que na realidade acabo sempre por fazer seja embrulhar ainda mais os fios. A própria caligrafia é sufocada.
Há, todavia, um momento em que as palavras são cuspidas, saem em borbotões, e o sangue e a saliva empregnam o sentido. É impossível separá-los.
Por trás talvez não haja mesmo nada. São palavras que não estão ginasticadas, que secam e encarquilham como folhas por que a seiva já não passe.
Oprimem toda a página, através da qual deixa de ser possível respirar. Tapam-lhe os poros. A própria chuva que neles caia não se escoa.»

Luís Miguel Nava (1957-1995)
in: Poesia Completa (Lisboa, Ed. Dom Quixote, 2002)

terça-feira, 26 de fevereiro de 2008

Entretenimento sobre política educativa

Mais um "Prós e Contras". Desta feita, a intenção era discutir as reformas políticas na educação. Terá sido conseguido?
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1. A Ministra da Educação continua o seu périplo em tentar o impossível, que é explicar medidas reformistas mal fundamentadas, ideologicamente delapidadoras e pior implementadas, a um grupo profissional cuja imagem a própria Ministra tem vindo a denegrir desde o início, mostrando uma completa incompetência política para fazer política democrática (aliás, atitude consertada pelo próprio chefe de governo), que consistiria em apresentar medidas consistentes (o que em Educação é demasiado difícil, pelo menos para nós, portugueses, técnicos do ME incluídos!) e, depois de as explicar convenientemente, investir então num processo de persuasão e motivação das pessoas, no sentido de melhorarem os seus desempenhos em torno de um desígnio nacional claro e não apupar e destruir o auto-conceito e a auto-estima do grupo que era suposto estar convencido da validade das mesmas, que não está porque não pode mesmo estar - erro que terá obviamente consequências políticas (e não apenas eleitorais!) nefastas. Ainda assim, aguentou-se bem, pelo menos ao nível retórico. (Que outros conseguissem o mesmo desempenho e ganhassem na profundidade e na substância!)
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2. Do lado dos "professorzecos", a coisa foi bem conduzida para não terem sido suficientemente contundentes e consistentes na apresentação das suas razões, muitas delas incontestavelmente válidas para contestar estas medidas tresloucadas, dada a incompetência para as esquadrinhar e por em prática. Excepção feita talvez a Fernanda Velez, que pode muito bem ter representado ali uma quota (sublinhe-se: uma parte, infelizmente, apenas uma parte!) dos professores, que, além de bons profissionais, conseguem assumir uma cidadania informada e crítica, pelo menos na área que é a sua actividade profissional! Ainda assim, fica a sensação de que haveria algo bem mais significativo, aprofundado e intelectualmente e não apenas politicamente importante para se ter dito a propósito de coisa tão fundamental, como é a política educativa. Ainda assim, talvez tenha sido um pequeno avanço no esclarecimento das pessoas que estão de fora e que conseguiram aguentar a maratona própria deste tipo de espectáculos, mais emocionais que emocionantes. Mas é necessário mais!
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3. Mas o mais lamentável é que o tema merece mais do que um show televisivo, arquitectado pela televisão controlada pelo governo para agradar a gregos e troianos - leia-se: a portugueses, governantes e governados! Em Portugal não há cultura democrática verdadeiramente livre e aberta, nem esclarecimento suficientemente disseminado, para um debate intelectualmente mais aprofundado sobre educação, que reunísse especialistas nas áreas da filosofia da educação e das ciências da educação. (O especialista, João Formosinho, esteve, naturalmente, deslocado, num show que não era o dele!) Mas era tempo de uma empresa de comunicação social, de preferência um canal de TV, ter a coragem de o fazer.
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4. Nota final: Fátima Campos Ferreira acabou por deixar cair uma pequena pérola do ambiente quase totalitarista, que se vive também no órgão de comunicação social do Estado: foi o debate possível, mas talvez se venha a fazer outro, numa altura em que os ânimos estejam menos exaltados - quer dizer: quando já não for politicamente perigoso, que desta vez foi, ainda assim, muito arriscado...!

quinta-feira, 21 de fevereiro de 2008

Cheias de terceiro mundo!

(daqui)

As alterações climáticas são uma evidência. Os países governados por pessoas inteligentes, cultas e atentas à realidade, adaptam-se o melhor que podem. Os dirigentes políticos portugueses, ao invés, jogam o jogo - infantil - do "empurra"!

Mas é claro que quem sabe, sabe que há uma irresponsabilidade inadmissível do Ministro do Ambiente em afirmar que a responsabilidade é das autarquias, quando são visíveis e notórias as atropelias a um verdadeiro ordenamento do território, da responsabilidade do governo central. E quem sabe, sabe também que os próprios autarcas são - aliás, em igual medida - muito mais sensíveis à recolecção eleitoral, através de medidas mais visíveis aos olhos de quem não sabe muito bem ver o que há para ver, do que propriamente solucionar os problemas básicos das autarquias, como sejam os da manutenção e limpeza de estradas, efluentes e outros trabalhos "menores".

Não se faz o básico e quer-se ser um país moderno. Não há coragem política para assumir responsabilidades políticas, mas também não há uma cidadania suficientemente esclarecida e verdadeiramemnte exigente para escrutinar e penalizar politicamente. Neste como noutros aspectos da vida pública portuguesa é visível a nossa teimosa pertença a um profundo e interminável terceiro mundo!

segunda-feira, 18 de fevereiro de 2008

Rangel voltou a falar – e bem!

De certos políticos esperam-se discursos vazios, sem substância, carregados de armadilhas retóricas para manipular incautos. E há-os desta jaez em todos os quadrantes político-partidários, embora, vá-se lá saber porque razão, abundem nos partidos mais governamentalizáveis.

Paulo Rangel – o homem de o discurso comemorativo dos 33 anos do 25 de Abril – é um daqueles políticos que, a contrario, mostra substância discursiva e exibe qualidades éticas de serviço público (ao não se cuibir de criticar o seu próprio partido), que deveriam enformar todos aqueles que pretendem ganhar a confiança dos cidadãos para os representarem na assunção do poder político.

De facto, como afirmou hoje Rangel no programa da RR "Diga lá Excelência" é verdade que o Governo continua a controlar a agenda mediática, mas também é verdade (refere ainda Rangel) que, havendo ainda assim um espaço para oposição, haja um incompreensível «apagamento» no PSD, partido sem rumo, sem ideias nem estratégias e com um líder que navega à vista e que, quando não concorda com José Sócrates, discorda sem se saber muito bem porquê (note-se, por exemplo, o último caso da ameaça de quebra do pacto de regime sobre a justiça: não se percebe muito bem porque Luís Filipe Menezes discorda do novo parque judicial, a não ser porque não haja nada para se perceber, dado não existir qualquer política alternativa para a justiça!)

Rangel refere-se ainda a uma de muitas pérolas amargas – e, como outras, de consequências imprevisíveis, como já aqui referi – da política educativa deste governo, criticando a não reprovação de um aluno que falte às aulas, tal como previsto no novo Estatuto do Aluno: “há alguém que possa achar normal que um aluno não reprove e não seja sancionado por faltar às aulas, um aluno de 12 ou 13 anos? Mas que país vamos construir?”

Afinal, quando há qualidades e vontade política, nem mesmo diante de um governo liderado por um mestre de retórica, embora com algumas boas ideias e decisões já tomadas, é difícil fazer oposição. Necessário seria, pois, uma oposição verdadeiramente alternativa, com políticos e políticas de substância!

sexta-feira, 15 de fevereiro de 2008

A ética na política – a ver se nos entendemos!

Não vale a pena querer fazer crer que as suspeitas de falta de ética nalgumas acções passadas de José Sócrates são apenas uma orquestração difamatória sob a batuta do Público; como também não se trata de nenhum sentimento de superioridade dos cidadãos da capital contra quem vem da província, como sugeriu o politólogo José Adelino Maltez, na Visão de 7 de Fevereiro; como também não colhe dizer que esta atracção invulgar pelo passado do PM se deve ao facto de José Sócrates pertencer a uma nova (em Portugal!) classe de políticos profissionais, que não saíram das Faculdades de Direito de Lisboa ou Coimbra, nem da profissão de advogado, para a arena política, gerando assim desconfiança por tão “fracas” qualificações, como o faz, no mesmo artigo da Visão, o cientista social António Costa Pinto.

O que se trata é apenas do escrutínio da cidadania enformada de valores éticos, que exige a um político exigente (e talvez ainda bem que o é), que seja o primeiro a orientar a sua acção como pessoa, cidadão e político, justamente com base em tais valores. Aliás, como refere o mesmo António Costa Pinto, professor no Instituto de Ciências Sociais em Lisboa e especialista em elites políticas, o fenómeno do escrutínio da acção dos políticos é, em muitos outros países, perfeitamente comum e qualquer político tem consciência disso, integrando naturalmente o fenómeno na sua vida pública.

Assim, entre um vazio de poder, não elegendo ninguém por declarada incompetência e falta de carácter de todos os candidatos, e escolher o menos mau de entre os maus candidatos a desempenhar as importantes funções públicas (sem as quais não poderíamos viver enquanto sociedade organizada!), só mesmo os mais incautos ou insensatos optariam sistematicamente pela primeira alternativa.

Mas mesmo escolher o menos mau não é o mesmo que não fazer nada a seguir para que, ainda assim, se torne o menos mau possível! Ora, mesmo admitindo que José Sócrates seja o menos mau (e isso está ainda por determinar!) de entre os maus políticos, isso não faz dele um “bom político”!

A ver se nos entendemos, pois. O que está em questão quando se fala de ética na política é justamente o direito/dever de escrutínio da cidadania: se um político, que desempenha (ou deseja vir a fazê-lo) um cargo público, não tem em conta valores éticos na sua acção – fundamentais para se manter como um bom exemplo de exigência ética perante a sociedade, ainda por cima quando tais valores são cada vez mais tão profusamente exigidos ao comum dos mortais que compõe as nossas sociedades democráticas e liberais contemporâneas – então deve ser, no mínimo, criticado por tal. O objectivo é – caso estejamos na presença, como deveríamos estar, de homens humildes, com capacidade auto-crítica e espírito de serviço público – fazê-lo reflectir e, naturalmente, alterar atitudes e transformar crenças axiológicas, a fim de, assim, se adequarem melhor à nobre e importantíssima função social, que é governar.

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2008

Vem aí a verdade! Ou: política para papalvos!

(Boca da Verdade, Roma, Itália)


O Presidente da Câmara Municipal da Guarda, antigo colega de José Sócrates, mandou instalar uma comissão de averiguação da verdade sobre os projectos de engenharia assinados pelo actual PM (veja-se aqui), que, entretanto, afirmou, na sua eloquente retórica habitual, que é ele o responsável pelos projectos! (Quem sabe, sabe que isso é verdade, pois é a sua assinatura que lá consta; mas sabe também que o que está em causa é se foi ele que, efectivamente, elaborou os projectos, coisa que não foi, nem será, afirmado pelo PM!). O objectivo da comissão é, supostamente, apurar a verdade e, assim, desdizer, num ápice, as calunias e manobras políticas de suposto mau-gosto. E claro, a comissão técnica que analisará os projectos, será uma comissão independente...

Pois bem, assim não será de todo: a comissão é constituída por juristas e directores departamentais da própria Câmara, a priori, como é fácil de supor, já condicionados na decisão final (mas quem, destes senhores, teria coragem para confirmar improbidade à pessoa do PM?!), não dando assim suficiente prova de isenção (até já as comissões de averiguação de verdades não são independentes!); e o próprio Presidente da Câmara (ele próprio também envolvido na polémica!), já alertou (afinal é uma pessoa veritativa!) que o processo de análise de tanto projecto é árduo e, portanto, durará... alguns anos!

Vem aí, pois, a verdade... que se saberá quando José Sócrates for candidato a... Presidente da República! Nessa altura (daqui a 9 anos?!), será muito útil aos exigentes, esclarecidos e virtuosos cidadãos da República, saber que tudo isto, bem como outras minudências académicas, não passou de uma feia orquestração difamadora. Tudo mérito, claro, deste magnânimo apuro de verdade!

segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

(Quase) "Fantochada"!


O ME alargou o prazo intermédio para implementação do novo regime de avaliação dos professores.

Sensato, por ter ouvido as escolas. Mas revelador também de uma preocupante incompetência política em arquitectar convenientemente uma reforma tão fulcral para o sistema educativo e para toda a sociedade portuguesa, como é a avaliação dos agentes mais importantes no futuro das vidas de tantas crianças e jovens.

Sublinhe-se: é necessário um verdadeiro sistema de efectiva avaliação de desempenho dos professores, coisa que, a ser bem programada, resolverá alguns problemas de que padece há muito (demasiado!) o sistema de ensino em Portugal, embora não vá resolver todos os problemas centrais; por isso, há que arquitectá-lo convenientemente; e já que no essencial talvez assim não tenha acontecido, espera-se que, pelo menos agora nos pormenores de implementação, os sábios arquitectos -- quais heróicos e solitários salvadores da pátria -- mostrem estar à altura de o fazer!

Toda esta trapalhada de reformulação do ECD, com a avaliação de desempenho à cabeça, começa a desesperar os mais optimistas e desejosos de ainda poderem vir (nesta vida!) a trabalhar verdadeiramente como professores numa efectivamente bem organizada escola!
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Que não se substitua, pois, uma fantochada por outra, ainda que mais sofisticada!

O enigma da ética na política

Agir em prole do interesse público e -- para chegar a poder exercer alguma influência e, portanto, poder político -- fazê-lo ainda e só com o interesse público em mente, parece ser não só difícil, mas, sobretudo, uma ideia profundamente enigmática! Talvez não valha mesmo muito a pena mostrar o significado antropológico da perspectiva ética e muito menos -- qual monstro incómodo! -- quando aplicada à acção política! Para quê sermos "bons", se podemos perfeitamente -- impunemente, aos nossos olhos e aos dos nossos concidadãos -- ser apenas "políticos"?!
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Leia-se, por obséquio, aqui e aqui, alguns dos (muitos?!) bons textos críticos sobre a utopia dos homens melhores, que pensam ser possível levar a sério a coisa séria de os políticos nos representarem no poder a nós, cidadãos, e não aos seus mais particulares e desinteressantes interesses.
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A antropologicamente benfazeja cidadania bem formada e informada vai sendo só para alguns -- daí os políticos que temos. Que custa, custa! Mas será impossível?!

Fotografias...


“Pôr de sol em árvore”
(Mirandela, 2007)
© Miguel Portugal

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2008

Memórias da "política educativa"

Texto importantíssimo para relembrar o trajecto de uma nefasta, certamente por alguns anos mais, ausência de verdadeira (exigente) política educativa em Portugal (via De Rerum Natura).

sábado, 2 de fevereiro de 2008

Mais suspeitas ou mais política sem ética

O Público volta a levantar suspeições sobre a actuação de José Sócrates, agora alegadamente por ter exercido a sua actividade profissional em período relativamente ao qual declarou à Assembleia da República a dedicação exclusiva como deputado, recebendo indevidamente o subsídio correspondente (aqui), e por ter assinado projectos de engenharia civil, que teriam sido efectuados, não por si, mas por técnicos da Câmara em que vieram depois a ser aprovados (aqui). (A este propósito, o Público solicitou 1000 projectos, seleccionados aleatoriamente, de entre os 4000 que deram entrada na Câmara Municipal da Guarda durante a década de 80 e constatou que 27 tinham a assinatura de José Sócrates.)

A ser verdade o publicado hoje pelo Público, o que está mais uma vez em questão é a atitude de muitas pessoas face ao “incómodo” de ombrear com o humano-ético modo de ser e agir. Porque devemos ser éticos e o que é que isso significa?

A perspectiva ética é a perspectiva segundo a qual um acto é correcto quando é desinteressado e imparcial: quando, ao avaliarmos uma acção, o fazemos a pensar não apenas no nosso interesse mas no interesse de todos e quando não temos em conta a identidade de quem a praticou. Um acto eticamente correcto é, pois, assim, um acto universalizável: se é correcto (ou incorrecto) em determinadas circunstâncias também o será em todas as outras significativamente semelhantes.

Agir com preocupações éticas implica, pois, agir, por vezes, contra os nossos próprios e mais directos interesses e, de qualquer modo, implica não permitir que sejam as vantagens pessoais o critério decisivo de avaliação do acto. Mas, ainda assim, é perfeitamente razoável pensar que devemos agir eticamente, isto é, agir tendo em conta de igual modo os interesses dos outros, pela simples razão de que os interesses dos outros são válidos pelas mesmas razões que os nossos próprios interesses o são. A ética exige, pois, igualdade e a igualdade implica tratar os interesses dos outros como tratamos os nossos.

Ora, o que acontece na vida pública, notavelmente em Portugal, é uma profunda e, quantas vezes pseudo-fundamentada, fuga face à perspectiva ética. Muitos políticos e até pensadores actuam e pensam como se a acção política não fosse uma acção, que muito contundentemente implica a vida de outras pessoas, que, em larga medida, depende das ideias, decisões e, portanto, dos actos políticos!

Independentemente da veracidade de mais esta suspeição levantada contra o carácter de José Sócrates, o problema é a falta de confiança que isso gera nas pessoas, que são necessariamente obrigadas a pensar no conjunto de actos eticamente (pelo menos) duvidosos, que muitos políticos protagonizam ao longo das suas vidas de ascensão ao poder. Assim, a falta de ética na política tem, desde logo, duas consequências graves: afecta o nível de confiança dos cidadãos perante os seus representantes políticos (não há política, sobretudo democrática, sem confiança); e tende a afastar cada vez mais da (desta!) vida pública as pessoas de elevadas competências, mas com uma natural indisposição para se deixarem apanhar por estas teias amordaçantes da “má política”.

O problema é avolumado quando tal atitude refractária face à ética se espraia por largos sectores da sociedade e tende a minar todos os protagonistas, não deixando esperança para excepções. Ainda assim – apesar de muito disseminada por vários estratos sociais e profissionais –, quando se ocupam certos lugares ou desempenham certas funções, o nível de exigência aumenta necessariamente.

E na mesa linha atitudinal, a resposta de Sócrates (como seria, com certeza, a de muitos outros!) à acusação só podia ser altamente falaciosa (falácia é um argumento incorrecto que parece correcto): ao invés de comprovar a falsidade das suspeitas, ataca o autor das mesmas, no caso, o jornal Público, descredibilizando-o, fazendo supor que é já habitual fazer alinhar um conjunto de inverdades contra a sua própria pessoa, com o único objectivo político de o fragilizar! Em Lógica, chama-se a isto argumento ad hominem – em vez de se atacar as ideias, ataca-se a própria pessoa; mas não é pelo facto de ter sido esta ou aquela pessoa a ter defendido certa ideia, que faz dela uma má ou falsa ideia; se for falsa ou uma má ideia, haverá verdadeiras razões que o demonstram. O que se espera de um PM de um estado moderno de cidadãos esclarecidos é que mostre (comprovando clara, inequívoca e serenamente) a falsidade das acusações que lhe possam fazer.

Mas quando a retórica (altamente sofisticada) absorve completamente o exercício político, não resta mais espaço para a ética e, portanto, para o humano.