O contacto das crianças com o computador -- instrumento evidentemente importante na vida moderna contemporânea -- deve ser efectuado quando aquelas tiverem possibilidades desenvolvimentais para o fazer, o que poderá ser, tanto quanto se sabe, na idade escolar do 1.º ciclo.
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Mas a questão do "Magalhães" não é essa. A questão é que o computador tem funções diferentes em jovens de 5-9 anos (função lúdica) e em jovens na pré-adolescência (e adolescência), onde os chats, o messenger e outros serviços on line de grupos têm um papel importante. Portanto, primeira conclusão: um computador pessoal é importante para um pré-adolescente, mas não faz tanto sentido para uma criança em idade de 1.º ciclo.
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Mas, além disso, muito importante é a suposta omnipresença (que ainda ninguém sabe muito bem como aproveitar pedagogicamente!) do "magalhães" na escola, na sala de aula, quando a criança é, nesta idade, um utilizador de jogos (carácter lúdico) e a escola do 1.º ciclo, por muito lúdica que seja, é um espaço e um tempo, sobretudo, de aprendizagens básicas muitíssimo importantes -- ler, escrever e calcular. Ou seja, aprendizagens prévias às aprendizagens das TIC! Segunda conclusão: se é bom a criança ter contacto com o computador na escola (num determinado tempo) ou em casa, a posse de um computador pessoal (ainda por cima, portátil) pode desviá-la já -- desde cedo, portanto -- do essencial, que é apreender competências de leitura, escrita e competências matemáticas.
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Em suma, o "magalhães" pode ser, em certas circunstâncias, mais prejudicial do que benéfico, nesta fase etária. Para não ser prejudicial, requer uma utilização pedagógica muito bem estudada (ninguém conhece qualquer estudo!) e uma vigilância parental cuidada (em Portugal, impossível de generalizar a todos os lares, justamente por falta de conhecimentos e competências, não tanto informáticas, mas de literacia em geral de muitos adultos!).
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Quem viu/ouviu Steve Ballmer, o sucessor de Bill Gates na Microsoft, ontem entrevistado no "Expresso da Meia-Noite" (SIC Notícias), reparou que o argumento apresentado para defender o uso do "Magalhães" foi o de que Portugal é o primeiro (único até agora) país no mundo a introduzir um computador no 1.º ciclo do ensino básico! Fantástico! Mas é só isso -- fantástico! E é-o, sobretudo, para uma empresa que está, naturalmente, interessada em lucrar com o "Magalhães"! Mas também não é menos fantástico para um governo que tudo fará (nem que seja obscurecer o essencial com a distribuição destas maravilhas da técnica!) para ser reeleito. Ou seja, o pior é que o "Magalhães" é apresentado como se fosse uma solução ("modernaça", tanto ao gosto do nosso PM) para o problema das fracas competências básicas (matemática e língua materna!) evidenciadas pelas crianças portugueses quando comparadas com outras de outros países, quando os estudos científicos que existem mostram que não há nenhuma relação entre o uso e posse de PCs e o rendimento escolar!
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Choque tecnológico, sim; mas não é tudo. Há mais (e coisas mais substanciais) a fazer na educação em Portugal!
4 comentários:
Realmente não se encontra nenhuma relação pedagógica entre o Magalhães e o ensino primário. O 1º Ciclo é talvez a fase mais importante na educação de uma pessoa pois é lá q se realizam as bases essenciais do ensino. Que o Governos quisesse dar a possibilidade de as crianças terem um computador nao vejo mal nenhum, agora dar a um "puto" de 7 anos um portatil com banda larga é quase como dar uma pistola a um assassino. E como se nao bastasse anda o extremamente rico governo portugues a assinar contractos de (des)vantagens com a Microsoft! É de relembrar que um sistema operativo não é nada barato, e o mesmo ja disse eu dos computadores e.escola. Em Portugal temos o Linux Caixa Mágica, desenvovlido pelos estudants da Universidade de Évora (salvo erro), e que alem de ser caseiro e gratuito (como se nao bastasse) ainda faz tudo o q faz o da Microsoft. Como diz o ditado "O mais cego é aquele que não quer ver!". Falando do agora homem forte da Microsoft e da respectiva entrevista na SIC Noticias a que assisti só digo que concordo inteiramente com o que escreveu. A Microsoft quer dinheiro, o Governo quer protagonismo e ganhar o voto dos papas dos pequenitos. Agora compete aos cidadaos portugueses não serem cegos, ou seja, quererem ver. Cumprimentos
De facto, meu caro Rui, o progresso científico-tecnológico tem exercido sobre as pessoas um mega-fascínio, dada a eficácia explicativa da ciência e a imensidão de utilitários tecnológicos exponencialmente crescentes, o que já está a fazer do homem contemporâneo, como refere Paul Virilio (filósofo contemporâneo italiano, impulsionador da dromologia - "teoria da velocidade"), um deficiente carregado de próteses! A crítica do progresso científico-tecnológico desenfreado e acrítico teve um forte impulso na segunda metade do séc. XX, com o pensamento de filósofos da Escola de Frankfurt (Adorno, Horkeimer, Marcuse, Habermas) ou com filósofos da tradição hermenêutica como Gadamer ou Ricoeur, fazendo notar, em ambos os casos e embora partindo de pressuposto diversos, que o progresso científico-tecnológico tende a sobrevalorizar os aspectos positivos face aos negativos, de forma quase alienante, quando não permite pensar. Um pensamento crítico, sereno, esclarecido sobre algo tão omnipresente na vida quotidiana do homem civilizado e moderno das nossas sociedades ocidentais, como são as sempre renovadas inebriantes tecnologias, é apenas possível com uma formação filosófico mínima, coisa que a disciplina de Filosofia do ensino secundário pode proporcionar, designadamente ao nível do 11.º ano, mas que nem todos os cidadãos acabam por deter.
E se alguem (entre os alunos) nao encontra uma razao ou nao quer encontrar nenhuma razao para o porque da Filosofia o senhor acabou de dar uma boa razao que nos diz que a Filosofia vai ser importante ao longo das nossas vidas. E uma das virtudes que falta aos portugueses é o sentido critico e em muito casos nao existe por falta de formaçao! Perguntemos agora se este motivo nao é suficiente para Portugal estar como está! Claro que sozinho pode ser muito bem disfarçado mas com outros problemas que se têm vindo a revelar a politica portuguesa parece uma bomba relogio...falta saber é quando rebenta ou se temos a vontade de pensar um bocadinho e desactiva-la!Abraço
Pois, meu caro Rui, teremos que ter a paciência, a mestria, mas também a coragem para desarmadilhar a bomba... e estou convencido (e é esse um dos projectos/pressupostos filosóficos da modernidade) de que isso dependerá de uma maior formação cívica das pessoas, portanto de uma maior autonomização e liberdade intelectual generalizada (mais informação acerca do mundo, mas também melhores competências críticas para relacionar essa informação e retirar dela consequências seguras orientadoras da vida humana).
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