quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Humor negro

(daqui)

Mau orçamento, mau governo, maus estadistas

O PS de Sócrates continua intransigente, teimoso e despudoradamente tacticista – como se a culpa fosse, não dos maus orçamentos, actual e anteriores e suas execuções, mas do PSD, que deveria aceitar este a todo o custo (leia-se: com custos irremediáveis para o país), até antes mesmo de serem conhecidas as suas linhas gerais. O único argumento relevante do governo para não aceitar o acordo que parecia estar “quase”, revela exactamente aquelas características completamente irresponsáveis – era o PSD que deveria, supostamente, apresentar medidas concretas para cortar mais na despesa, como se não fosse o governo que governasse, como se não fosse o governo a ter o poder executivo para, portanto, pensar e executar tais medidas concretas. (Estrategicamente, até há quem pense que «o melhor que o PS deve fazer neste momento é ir a correr aceitar as propostas do PSD», para ter com quem partilhar as responsabilidades do colapso!)

O PSD, apesar de ter optado por uma estratégia de risco (tanto para o partido, como para o país), ainda assim tem mais razões para continuar a pressionar o governo a negociar e esperar um orçamento menos mau.

Ninguém, de bom senso e com sentido de responsabilidade, aceitará este tipo de argumentação falaciosa e este jogo político sujo, sobretudo, da parte do governo e do partido que o apoia. Nem mercados, nem parceiros europeus ("Talks on Portuguese budget collapse", no Financial Times); nem mesmo, certamente, parte do próprio PS; nem, naturalmente, os eleitores, que já dão ampla maioria ao PSD nas suas intenções de voto!

Negócio da China

A China está interessada em comprar dívida portuguesa. A diplomacia diz que é para ajudar Portugal; a racionalidade diz que é para fazer um bom investimento. É claro que a China não fará qualquer favor a Portugal, por muito que nos seria favorável, pois acalmaria um pouco os mercados; trata-se, sejamos rigorosos, de um bom negócio para o Tigre da Ásia.

Seria, pois, um negócio da China e… uma vergonha para Portugal, já que atesta a incapacidade de um dos piores MF e teimosa irresponsável de um dos piores PM dos últimos tempos.

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

Fotografias



“Baía impressionista”
(Getxo, Bilbao, Abril 2009)
© Miguel Portugal


“Praia castanha”
(Getxo, Bilbao, Abril 2009)
© Miguel Portugal


sexta-feira, 22 de outubro de 2010

Poupar não poupa a economia

«The fallacy of composition misleads you into thinking that you can infer the property of the whole by the property you can observe in its parts considered individually. This fallacy leads you to think that what is true for the parts must be true for the whole.

In economics, one of the most popular examples of the fallacy of composition is the “paradox of thrift,” popularized by Keynesian economics. If thrift is good for an individual, it should be good for the economy as a whole. Wrong, because if everyone saves more, this will bring down consumption, cause aggregate demand to fall, hamper any economic growth and, paradoxically, a rise in individuals’ thrift would lead to less saving on the whole and harm the economy. Policymakers believing in the paradox of thrift, particularly in times of recession, would look in horror at people saving more while trying to find their way out of the hole.

Yet, despite what we can argue using curves that sometimes saving is equal to investment and sometimes is not, sound capital theory reminds us of the basic fact that an economy needs a boost in real saving for capital formation to bring about a real recovery (not a nominal or a statistical one).»

in: The Cobden Centre
(via A Arte da Fuga.)

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

No país de Sócrates

No país de Sócrates é assim: é o país da corrupção e do aliciamento para calar os inoportunos... É o país dos sete cargos e das sete ("mil") empresas públicas - que fazem falta é para estas coisas! Entre esta e outras histórias do género cinematográfico "fantástico", que por aí graçam e vão deformando o país, vai-se alimentando o espírito do povo, cada vez mais decadente, tamanha é a sua insensibilidade e inércia diante da realidade. No país de Sócrates é assim.

Grande lata!

No último episódio deste já conhecido como "folhetim" do orçamento, José Sócrates vem acolher com satisfação hipócrita a equipa de negociações do PSD, lamentando-se «que o país tenha perdido este tempo», insinuação clara de que o entendimento com o PSD devia ter acontecido há muito, atirando mais uma vez as culpas para o PSD, como se fosse Passos Coelho e não ele, Sócrates, o chefe deste governo.

Como se, entretanto, só o telefone de Teixeira dos Santos estivesse receptivo 24 horas por dia; como se o próprio Sócrates e o PS não tivessem feito outra coisa senão jogo político-partidário de recusa autoritária em mudar uma vírgula, sequer, à sua proposta de orçamento; como se nunca tivessem feito pressão alguma sobre Passos Coelho para este se precipitar no "chumbo" do orçamento e derrube do governo; como se Passos Coelho tivesse sido um implacável negociador, que nunca tivesse mostrado vontade de "conversar", como se fosse um simples estratega em busca do poder, sem ideias concretas sobre o futuro do país e deste tão fulcral orçamento.

Como se diz em bom vernáculo - que grande lata!

Novas oportunidades de luxo

Os ex-membros de governos, numa clara política de combate ao desemprego, são normalmente nomeados para outros cargos – EDP, Galp… e outras fundações utilíssimas – e com chorudos salários bem ao jeito de tão provinciano país, em que os governantes ainda se acotovelam uns aos outros para esmifrar mais uns milhões ao papalvo povão.

Mas claro está que as pessoas são nomeadas por mérito e competência inquestionáveis. Foi o caso da ex-Ministra da Educação, a dra. Maria de Lurdes Rodrigues, que foi nomeada para presidir o Conselho de Administração da Fundação Luso-Americana. Não se sabe quanto ganha, porque esta fundação privada, embora com nomeação de dirigentes para aquele órgão pelo PM, não tem nada que dar a conhecer esses pormenores a ninguém. Mas com o vasto curriculum de que dispunha Maria de Lurdes Rodrigues – professora universitária desde 1986 e ex-ME nos últimos 4 anos – , era difícil ter sido nomeada outra pessoa. Só o seu “inimigo” socialista Medeiros Ferreira (só pode ser inimigo, uma vez que não concordou com a nomeação…) é que discordou, alegando que havia outra pessoa bem mais competente, que tinha sido vice-presidente daquele órgão nos últimos anos e que, assim, merecia, mesmo a sério, o cargo.

Mas isso só pode ser maldade de Medeiros Ferreira. Porque Maria de Lurdes Rodrigues, para vir a ocupar o lugar, só teve que fazer um curso de inglês. Só espero que não tenha sido um inglês tão técnico e tão rápido, que tenha obrigado a boa senhora a deslocar-se à escola ao domingo para ir buscar o diploma.

Quem governa é o governo

Neste ping-pong infanto-irresponsável em que jogam PS e PSD em torno de um documento fundamental para um país em crise profunda (política, incluída), como é o Orçamento do Estado, o partido do governo lidera a irresponsabili-dade: aproveitando-se sempre magistral-mente da pressão, sacudindo-a, procura fazer crer que é o PSD, partido da oposição, que tem que convencer o governo que as suas propostas orçamentais são as melhores para o país, como se as suas, do governo, fossem dadas como adquiridas, como aprovadas. É esse, aliás, o significado das 24 horas de disponibilidade de Teixeira dos Santos e desta liderança das negociações agora (!) abertas pelo PS. Se isto fosse um jogo de cartas entre um grupo de atiçados machos com assistência feminina, numa dessas aldeias do interior profundo, até estava bem – havia emoções quanto baste e, a haver pugilato, só adoçaria a lide.

Mas trata-se de política – a arte de convencer os outros de que dispomos da melhor solução para os problemas comuns, do futuro de toda uma nação. Este PS de José Sócrates tem que ter paciência, porque quem governa é o governo – é o governo minoritário que tem que convencer os partidos da oposição de que a sua proposta de orçamento é a melhor, ao invés de se acantonar altiva e arrogantemente num jogo irritante de fisga oculta, quais criancinhas mimadas, a atirar ao adversário e a fazer passar a ideia de que é o PSD que tem de se “vergar” ao arbítrio do “grande timoneiro”. (Quem não sabe o que é a tão propalada, principalmente pelos partidos “socialistas”, ética republicana, aqui tem uma bela oportunidade para se esclarecer!)

Como Sócrates não vai ter paciência – porque, afinal, parece estar a actuar para o tal grupo de atiçados machos… –, está tudo nas mãos de quem não tem a mesma responsabilidade do governo, que é o PSD, que lá terá que aprovar este mau orçamento, com negociações ou sem elas. Só quem não quiser é que não vê esta brutal inversão das responsabilidades.

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Inventar a pólvora

Muitos economistas defedem que cortar 20% nas despesas dos cerca de 350 institutos públicos evitaria o aumento do IVA. Este aumento retrairá o consumo e levará a economia a uma recessão; aquele corte nos institutos, implicaria, por exemplo, racionalizar despesas com jantares e dispensar utilíssimos e competentíssimos quadros, que depois iriam para o desemprego. Esta última situação tornaria o nosso sistema político insustentável, já que diminuiria a moeda de troca para oferecer aos amigos dos partidos, que tanto e tão bem contribuem para a boa governação do país. Bem se vê como só existe uma alternativa: cobrar mais IVA ao povão e retrair a economia. Quem vier a seguir que resolva.

Estes economistas lembram-se de cada uma! Isto é inventar a pólvora!

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Fotografias

"Pombas ao pé #1"
(La Madelaine, Paris, Agosto 2010)
© Miguel Portugal

"Pombas ao pé #2"
(La Madelaine, Paris, Agosto 2010)
© Miguel Portugal


terça-feira, 12 de outubro de 2010

Filosofia politicamente correcta

A UNESCO parece querer celebrar o próximo Dia Mundial da Filosofia em... Teerão! No entanto, a polémica já estalou: Teerão é justamente uma cidade não é de todo possível uma discussão livre e plural de ideias, essência da filosofia. Como celebrar o dia mundial da livre discussão crítica num país onde não é possível uma livre discussão crítica?

Parece, pelo menos parece, um paradoxo. A não ser que seja um gesto de charme da UNESCO, que com esta iniciativa pretenda contribuir para uma inflexão de atitude por parte do regime fundamentalista iraniano. Os seus porta-vozes vão dizendo que nao têm razões para acreditar que não haverá liberdade de expressão de entre os pensadores iranianos... De qualquer modo, não deixa de ser, pelo menos também, um gesto politicamente correcto, embora filosoficamente discutível, senão contraditório.

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

Educação ao longo da vida - para o ME

O estado calamitoso em que sobrevive o nosso ME é confrangedor. Veja-se como um professor do ensino superior, da área das ciências da educação, Ramiro Marques, ensina os estrategas educacionais do ME nas coisas mais simples, como redigir um documento em que solicitam aos professores a elaboração de objectivos de aprendizagem, usando a velha taxonomia de Bloom. (Sobre como ensinar para a excelência, Ramiro Marques sugere também isto.)

Ramiro Marques esquece-se, contudo, que tal metodologia é demasiado "antiga" para atrair mentes tão modernas. É que o socialismo funcional orienta-se pela máxima religiosamente inquestionável de que "tudo o que é velho é mau e tudo o que é novo é bom"... desde que seja um socialista a inventar, claro!

Exames - ora sim, ora não!

O ME está em plena forma. Ao que parece, vem agora experimentar (ciência experimental, pois claro, e da boa; nada de citações de citações, isso é só para dissertações) mais um exame de filosofia no ensino secundário, através de um projecto de teste intermédio.

Claro que um exame de filosofia no final do ensino secundário parece-me ser um instrumento de avaliação de conhecimentos e competências do aluno, da forma como os programas estão a ser implementados e, portanto, de avaliação do sistema em geral, extremamente importante. É até um instrumento bastante natural e justificado sem dificuldades, até porque se aplicaria a todos os alunos de todos os cursos de seguimento de estudos e viria a servir de prova específica para acesso a alguns cursos universitários.

A questão de fundo é só esta: o exame já existiu, já desapareceu e agora parece querer voltar à existência e com coisas sérias não se brinca.

Primeiro, esta titubeação irresponsável e quase pueril demonstra uma grande falta de rumo na 5 de Outubro. (Em época de cortes orçamentais, o volume das possibilidades engrossa...)

Depois, quanto ao conteúdo das indicações do GAVE para hipotético exame, ainda ninguém sabe qual a verdadeira intenção do ME: quando será submetido, em 22 de Fevereiro? Mas nessa altura do ano, ainda não se leecionou todas as matérias nele previstas! A que alunos? Aos do 10.º ano (problema atrás referido)? Aos do 11.º ano?

Tirante tais dúvidas, o hipotético exame parece-me relativamente equilibrado, deixando de fora matérias importantes, como temas de filosofia política contemplados no programa, mas que pode não haver tempo para leccionar (?!).

Mas não deixa de estar marcado pela infantilização crescente, que vem orientando a pedagogia deste excelso ME: para além das sempre naturalmente controversas questões de resposta de escolha múltipla e verdadeiro ou falso, contempla também a possibilidade edílica deste tipo de questões poder aparecer sob a forma de "tarefas de completamento".

É uma pena que o ME pareça estar a aplicar no ensino secundário - aliás com uma originalidade oportuníssima e sentido de futuro irrepreensível - extensões conceptuais e metodológicas do lipmaniano projecto "philosophy for children", projecto que faz todo o sentido, naturalmente, quando aplicado a crianças, mesmo, e não a jovens adolescentes que se quer que cresçam, justamente com a própria ajuda de um ensino e aprendizagem da filosofia, adequadas à sua fase etária.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Fotografias


"Win on water"
(Mirandela, Agosto 2009)
© Miguel Portugal

"Yellowish water"
(Mirandela, Setembro 2009)
© Miguel Portugal

terça-feira, 5 de outubro de 2010

A República ou o longo caminho do poder popular

A República é um tipo de regime político, isto é, uma forma que o poder pode ter, um modo de organizar as relações entre os indivíduos e o estado. Desde a Política de Aristóteles (séc. IV a.C.), os Seis Livros da República (1576) de Jean Bodin ou O Espírito das Leis (1748) de Montesquieu, que a república foi definida como um regime popular, no sentido de que todo o povo participa no exercício do poder, normalmente contrastado com a monarquia, em que o poder é exercido por um só, ou com a aristocracia, em que o poder é exercido por alguns. Hoje é, sobretudo, entendida como um modo de designação do chefe de estado: ao contrário da monarquia – em que existe um chefe de estado hereditário –, a república é uma forma política em que ou não existe chefe de estado ou em que o chefe de estado não é hereditário; normalmente, trata-se de um Presidente (da República) eleito por período limitado.

Porém, o contraponto com a monarquia não é muito interessante, já que, em última análise, as diferenças entre regimes republicanos e modernas monarquias constitucionais acabam por não ser relevantes. A questão fundamental não é a de saber como se designa o chefe de estado, mas sim saber qual é a relação da população com o poder – existe ou não a possibilidade da população adulta ou seus representantes poderem participar directa ou indirectamente na tomada de decisões? Daí que hoje se dê mais atenção à distinção entre regimes ditatoriais ou aristocráticos e regimes democráticos.

Nos regimes ditatoriais ou aristocráticos somente uma fracção da população adulta participa na escolha e controlo governamentais, proveniente ou de um partido, de uma classe social, da administração central ou do exército. Enquanto nos regimes democráticos a totalidade da população adulta pode participar, directa ou indirectamente, nas tomadas de decisão e escolha governamentais.

No caso da participação directa – a democracia directa –, a população participa directamente nas tomadas de decisão, como acontece ainda hoje em três pequenos cantões da Suíça. Mas a democracia directa levanta alguns problemas, como a falta de tempo e qualificação técnica dos indivíduos para estudar os dossiers complexos antes da tomada de decisão ou a grande dimensão dos estados, que inviabiliza o debate e participação directa de todos na tomada de todas as decisões. Para além daquelas regiões suíças, a democracia directa existe apenas quando se usa o instrumento do referendo (um direito de iniciativa popular). Por isso, na esmagadora maioria dos regimes democráticos vigora e democracia representativa, na qual as populações elegem os seus representantes para, eles sim, virem a tomar decisões.

Mas a democracia representativa também não está isenta de problemas, dos quais se destacam o desinteresse da população pela vida pública (abstenção eleitoral) e o facto de serem efectivamente os partidos políticos (e não a população) a escolher os governantes. Claro que sempre se pode dizer que a abstenção eleitoral revela apenas um direito, que faz parte da liberdade individual, e não retira legitimidade à representação democrática. E quanto a serem os partidos a escolher os governantes, sempre podemos dizer que essa escolha é democrática, pois há eleições dentro dos partidos, e tal mostra também, mais uma vez, a liberdade das pessoas em não pertencerem a qualquer partido.

No entanto, isso não resolve os grandes problemas da democracia representativa. «A democracia é o governo do povo, pelo povo, para o povo», na frase lapidar de Abraham Lincoln. Mas como operacionalizar isso? Se olharmos para a história verificamos que, a partir dos anos 40 do séc. XX, os estudos apontaram para o papel fundamental que as elites políticas desempenharam na concepção dos interesses populares e na forma como fizeram com que tivessem peso nas tomadas de decisão. As vantagens para a existência dessas elites governativas eram claras: as pessoas podiam viver as suas vidas sem terem que participar constantemente nas tomadas de decisão e havia maior estabilidade, já que havia menos envolvimento popular («a política é a arte de ajudar o público a não tratar dos assuntos que lhe interessam», nas célebres palavras usadas por Winston Churchill para definir a própria política). Porém, a partir dos anos 60, surgiram as críticas: os baixos níveis de envolvimento dos eleitores foram apontados como uma resposta à sua falta de poder; e, no fundo, a igualdade política universal (iguais direitos de voto, livre acesso a cargos públicos, liberdade de reunião, expressão e organização) era vista como mais formal do que substancial.

Em resposta a estes defeitos da democracia representativa surge a proposta de uma democracia participativa. O objectivo é assegurar que os resultados dos processos políticos reflictam os verdadeiros interesses da população em geral, bem como dar efectiva substância aos direitos políticos, através de uma cidadania mais activa. Uma cidadania mais activa requer uma autonomia adequadamente desenvolvida, uma disposição para sacrificar interesses egoístas e uma preocupação genuína com o bem comum. Os adeptos da democracia participativa encaram estas exigências como uma forma de desenvolver as potencialidades do indivíduo. No entanto, esta aposta na democracia participativa levanta questões importantíssimas para a definição das relações entre indivíduo e estado: república formal ou república substancial? Cidadania formal ou cidadania substancial? Quer dizer: será suficiente o direito de participação política (usado livremente, quando o indivíduo assim o entender) ou será necessário um dever de participação política? Portanto: simples possibilidade de uma cidadania passiva ou terá que existir, necessariamente, uma mais constante cidadania activa? Não é difícil de ver como a democracia participativa pode desembocar em algumas das limitações da velha democracia directa.

É assim que surge, a partir dos anos 80/90, uma outra forma de encarar a democracia, tentando ultrapassar ou pelo menos minimizar estes problemas: a democracia deliberativa. A ideia é a de que não basta mais participação, mas é necessário que haja mais participação por aqueles que são mais afectados pelas tomadas de decisão. Além disso, a democracia é vista não só como um regime que assenta na votação e na regra da maioria, mas também (e sobretudo) na discussão de questões verdadeiramente importantes para as pessoas. A política não é, nesta perspectiva, uma simples competição entre interesses concorrentes, mas sim um processo deliberativo que envolve conversas racionais entre cidadãos, que visam produzir um acordo e, se possível, um consenso.

A república está, portanto, associada à ideia de democracia e a democracia é um processo exigente de tomadas de decisão. Exige uma formação séria e complexa dos cidadãos, que os coloque de frente para o mundo da vida pública, mas sem os privar das suas vidas privadas; exige autonomia suficiente para que o indivíduo possa evitar a manipulação por parte dos sempre atractivos grupos de interesses (partidos ou outros); e exige uma ética de especial entrega à comunidade, à “coisa pública” (do latim res-publica), que pode ser tão difícil quanto controversa, se limitar excessivamente a liberdade individual. Como gostavam de dizer alguns intelectuais franceses do final do século passado, a democracia está sempre, pois, por vir.

Publicado em: Jornal Terra Quente, 1-10-2010.

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

O povo paga!

1. O Presidente do Banco de Portugal, preocupado com a supervisão das finanças públicas, propõe a criação de uma entidade independente para supervisionar as finanças públicas. Afinal, nem Tribunal de Contas, nem o próprio Banco de Portugal (presidido pelo autor da proposta) dão conta do recado. E argumentou ainda que terá que ser uma entidade independente, de competência técnica capaz. Como as finanças do estado estão em baixo, não há como criar mais jobs for the boys – aumentando a despesa – para resolver o problema. O povo paga.

2. Numa escola básica, os pais, indignados, fecharam-na a cadeado. Razão: para benefício transcendental de alunos e famílias (na realidade, apenas e só para poupar dinheiro ao estado, mas falta coragem para o dizer), o governo encerrou escolas e fez deslocar os alunos para uma mega-escola; mas, as famílias têm agora que pagar os transportes dos filhos, já que as autarquias também têm mais onde gastar o dinheiro! Os iluminados não se aperceberam – lapso atendível, naturalmente (afinal, eles não estão lá para pensar nestas coisas) – que estas medidas prejudicarão os mais desfavorecidos, precisamente aqueles cujos filhos têm, em geral, mais probabilidades de vir a abandonar a escola. O mesmo governo que parecia querer inovar em educação e colocá-la no rumo (estatístico) certo, afinal está a tomar medidas contraditórias. Paga povo.

3. Em suma, o sr. Dr. Almeida Santos – socialista convicto – é que tem razão: não pode ser sempre o governo a esforçar-se; o povo tem agora que fazer o esforço de arcar com as dificuldades. Extraordinário! Os esforçados e sacrificados governantes – os do PS à cabeça, claro – não podem continuar a ser os únicos super-sacrificados; o povo que aguente. A doença espraia-se: não há dúvida que Almeida Santos também anda a beber da mesma água benta (abençoada pela democracia!) que o chefe Sócrates – a da embriagada arrogância, do despudor moral e da irresponsável falta de sentido de realidade. O povo paga.

domingo, 3 de outubro de 2010

Humor negro

O famoso filósofo da Grécia Antiga Diógenes de Sinope – que vivia numa ânfora e defendia que a natureza humana estava corrompida pelos costumes sociais – tinha um discípulo que o seguiu quase na perfeição: Crates de Tebas. Conta-se que um dia, um discípulo do próprio Crates, lhe terá perguntado até quando se devia filosofar, ao que ele lhe terá respondido:

– Até que vejamos os governantes como aquilo que são: condutores de asnos.

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

Despesas na educação

Para racionalizar as despesas na educação sugeriria à dra. Isabel Alçada e ao dr. Teixeira dos Santos a venda de alguns quadros interactivos, que vieram decorar algumas salas de aula, de todas as escolas por esse país fora, muitos colocados no lugar de aquecedores minimamente eficazes ou, coisa curiosa, de estores que minimizassem o impacto da luz solar nas projecções nesses mesmos quadros e noutros (já que além destes quadros interactivos também há projectores multimédia). A ideia era modernaça: atacar os problemas do insucesso na Matemática com tão eficaz instrumento pedagógico e didáctico.

Mas a genialidade pedagógica não se ficou por aqui. Os quadros interactivos (deve ter sido uma promoção) haverão de servir para o ensino do inglês, do português, da filosofia… até para a educação física. Quando o elixir é bom, dá para tudo!

E como o PS quando chegou ao governo achou – e na grande maioria dos casos, bem – que a formação contínua de professores estava uma calamidade (até acções de formação em arraiolos havia!), lembrou-se de substituir essa ausência formativa, por uma formação modernaça – claro está: em TIC. Agora, por exemplo, os professores de filosofia têm à sua disposição acções de formação em “quadros interactivos para o ensino da filosofia”. Muito bem. Os professores de filosofia estavam mesmo a necessitar de se distraírem um pouco, tão ocupados que andavam a pensar na situação calamitosa e deprimente em que se encontra a base antropológica essencial para a vida condignamente humana e para o desenvolvimento, que a educação em Portugal não proporciona aos nossos jovens.

Acções de formação específicas na área da filosofia e da didáctica da filosofia? Poucas e sempre apenas em algumas universidades (Braga, Porto e Lisboa). Lógica e teoria da argumentação? Epistemologia e Filosofia da Ciência? Ética e Filosofia Política? Pagar a generalização da formação contínua nestas áreas? Não, isso só interessa aos tolos dos anglo-saxónicos e outros que tais, povos atrasados e conservadores! A aposta do estado na formação contínua da generalidade dos professores de filosofia é a formação num instrumento tecnológico perfeitamente preterível por uma apresentação em Power Point (facilmente) bem feita. E mesmo a utilização deste instrumento informático ou outro numa aula de filosofia nunca determinou nem nunca vai determinar a eficácia do ensino da filosofia e do filosofar, em nenhuma parte do mundo, por muito útil que possa, por vezes, ser tal instrumento:

«Apesar de todas as proezas tecnológicas, não se observa em filosofia qualquer avanço que suplante a prática socrática de conversar frente a frente com outra pessoa.»
[Alexander George (Org.), Que diria Sócrates?, Gradiva, 2008, pág. 12.]

Bem, talvez noutra galáxia, quem sabe!

Das duas, uma, portanto: ou o governo socialista entende que não é necessário dar verdadeira formação contínua aos professores de filosofia (afinal, ela só serve para criar mentes críticas!) ou então não consegue aperceber-se do ridículo que é promover cursos de quadros interactivos para professores de filosofia, ainda por cima atribuindo a esta formação o epíteto de “formação específica na área científica”. Eis o cúmulo do ridículo, aliás muito comum à política socialista da educação: os professores de filosofia não precisam de actualizar a sua atitude filosófica e contactar eficazmente com abordagens actuais; basta saberem mover-se no jogo de sombras, que ilude e assim vai “alimentando” o espírito dos jovens.

Ora vendam lá uns quadritos interactivos empoeirados (mas ainda em bom estado), quiçá para a Venezuela, e vão ver que ajuda a pagar formação a sério, com efectiva mais-valia para os alunos e, portanto, para o desenvolvimento do país!

Surrealismo interrompido – regresso à terra?!

O discurso surrealista e irresponsavelmente optimista bacoco de José Sócrates, que já só iludia os mais desprevenidos, mas cuja acção subjacente tem delapidado o futuro de todos, parece ter sido interrompido. O orçamento para o próximo ano (e seguintes?) será austero – terá aumentos de impostos e, sobretudo, um pequeno corte nas despesas do estado. Tudo inevitável, tirando talvez a subida do IVA, que afectará sobretudo os mais desfavorecidos.

Podia ter sido mais tarde, caso a sua teimosia permanecesse; deveria ter sido mais cedo, caso tivesse assomado alguma réstia de sentido de realidade. Certamente, deveria ter sido mais contundente nas grandes despesas com o aparelho do estado – institutos, algumas direcções gerais, fundações, empresas municipais… todas elas canalizações para o clientelismo partidário, que não foram tocadas, mas deveriam ter sido. Os analistas nacionais e internacionais dizem todos o mesmo – está bem, mas são precisas reformas estruturais.

Foi agora, não por decisão autónoma e sapiencial de eminente estadista, como se julga Sócrates, que não é, mas porque a situação económica e, sobretudo, o maior partido da oposição assim o pressionou. Mas questionado ontem sobre o que correu mal para que houvesse necessidade destas medidas austeras, Sócrates voltou a fazer o mesmo que fez com o dinheiro dos contribuintes – em vez de usar o tempo para as devidas explicações, desperdiçou-o sem, mais uma vez, dizer a verdade aos portugueses.

Do mal, o menos – bem-vindo de regresso à terra; pelo menos para já, que tem que ser!