terça-feira, 15 de março de 2011

Dar a pensar...

[Sobre finalidades da educação]

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«Em terceiro lugar, a predisposição à inovação. Se há competências que têm vindo a ser valorizadas nas últimas décadas, são aquelas que sustentam atitudes favoráveis à inovação em contextos culturais de gestão de mudança. Trata-se de uma consequência das alterações profundas operadas nos sistemas de produção e de criação cultural, especialmente na busca incessante de novas soluções, quer de carácter tecnológico, quer organizacional, quer mesmo na concepção do produto.

(…) A pressão sobre a inovação tende a ser cada vez mais intensa, contínua e necessariamente planeada.

Inovar para competir, desde a escala local à escala global, parece ser o sentido do desenvolvimento das sociedades modernas.

Como nos preparamos para estes desafios?

A educação tem um contributo a dar, mas não através de uma pseudocultura de inovação educacional que dominou a reflexão pedagógica nas últimas décadas. O entusiasmo acrítico pela inovação educacional, porque não reflectido em função dos problemas de base e não processada pelo conhecimento, conduziu ao mimetismo de experiências estranhas, à adopção voluntarista de experiências não avaliadas e à replicação no ensino de práticas e lógicas de inovação tecnológica e organizacional que pouco ou nada tinham que ver com a educação.

O experimentalismo voluntarista, mas descontrolado, generalizou-se a muitas escolas portuguesas, sem que se avaliassem os efeitos directos sobre as crianças – que não são “produtos” – e sem que se monitorizassem os resultados e os efeitos. Desde a distribuição dos lugares na sala de aula, ao “aprender, brincando”, tudo eram “boas práticas” e confesso que nunca tive a oportunidade de ver alguém dizer, por exemplo, que esta experiência falhou, que foi um erro, ou seja, que foi uma “má prática”. É mais útil difundir uma má prática como forma de alertar e dissuadir a sua replicação do que banalizar a inovação e as boas práticas. Por isso começo a defender, sem grande sucesso, diga-se, e realização de “seminários de más práticas”.

(…) A inovação educativa é algo de enorme delicadeza porque estamos a trabalhar com crianças, requer reflexão aturada e não a adesão entusiástica, a monitorização dos processos e a avaliação comparada dos resultados. Sem isso, o risco de ficar tudo na mesma é bem menor que o insucesso.

O que precisamos de desenvolver nas novas gerações são as atitudes favoráveis à inovação e à capacidade empreendedora associadas à afirmação da autonomia reflexiva e responsável. Isso requer recentrar as aprendizagens na capacidade de formular e resolver problemas, sem prejuízo do domínio prévio, por exemplo na Matemática, dos algoritmos e dos conceitos fundamentais. Essa particular maneira de pensar não pode ficar confinada à Matemática, vai muito para além dela para estar presente nos mais variados domínios, desde o ambiente à história, da literatura às ciências.

Muitos educadores dão uma especial ênfase ao desenvolvimento da capacidade criativa junto dos seus alunos, nomeadamente nos primeiros anos de escolaridade. Esse é um bom exemplo do que não se deve fazer. Ninguém cria a partir da ignorância, ninguém inova sem conhecimento adquirido. Tal como o ensinar, criar e inovar dá muito trabalho e requer muito conhecimento. Por isso falamos em desenvolver atitudes favoráveis à criação e à inovação e não da pretensa prática precoce de o fazer.»

David Justino, Difícil é Educá-los (Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2010) 97-9.

1 comentário:

acl disse...

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