segunda-feira, 12 de fevereiro de 2007

Referendo – The day after

1. Eis, desafortunadamente, realizada a profecia: não foi verdadeiramente efectuado um amplo e público debate ético em torno do problema ético do aborto. Desconheço qualquer debate havido, por exemplo, na comunicação social em que tenham participado académicos expertos na matéria, designadamente filósofos e investigadores (que os há em Portugal!) nas áreas da ética aplicada, da bioética, da embriologia e da biologia em geral. Esta é, pois, uma característica, não só da política portuguesa, mas também da sociedade portuguesa, ainda social e culturalmente pouco exigente, rigorosa e, pois, pouco desenvolvida e civilizada!
E isto, paradoxalmente, a arrepio de uma situação – louvável – de incremento da cidadania efectiva, que se verificou no empenho com que muitas pessoas se dedicaram a reflectir, a debater e a propagandear livremente as suas ideias. De qualquer modo, não podemos deixar de lamentar que, mesmo neste âmbito da participação política da sociedade (com que também se tece a sã cidadania), não tenha havido, ainda assim, um nível de participação reflexiva e um empenho na preparação colectiva para o referendo – como a matéria em questão exigia –, ainda mais elevados. Seria de esperar mais de certas pessoas com responsabilidades políticas, mas também culturais e educacionais no envolvimento nesta aventura argumentativa, que culminou num acto de democracia directa de grande importância, como é um referendo.

2. Apenas nos distritos do Norte, à excepção do Porto, e nas ilhas houve maior número de votos no NÃO.
Mas cuidado com as generalizações precipitadas! É que vai sendo muito fácil argumentar, embora de modo despudoradamente falacioso, que a penalização do aborto era uma característica conservadora, anti-moderna, que distanciava a nossa sociedade da vanguarda civilizacional europeia e ocidental! E que, portanto, as pessoas “cultas”, “civilizadas” votaram SIM e as menos cultas (dizia o Ministro Alberto Costa – as que sofrem o efeito da analfabetização e da iliteracia [mas estes problemas não se resolvem com referendos!]) teriam votado NÃO! (No mesmo sentido, aliás, dizia Francisco Louçã, o campeão da demagogia e da argumentação falaciosa neste referendo, talvez só ombreando [ainda assim, aquele uns degraus acima deste] com Marcelo Rebelo de Sousa: “eis-nos chegados ao séc. XXI!”)
É preciso saber que esses países, justamente tão citados como civilizacionalmente paradigmáticos, têm sido prolixos no pensamento rigoroso e aprofundado (pensamento ético académico) também em defesa da vida intra-uterina, fragmentando assim, por via do pensamento filosófico (“coisa” que nos países civilizados é culturalmente valorizada!), a sociedade culta em torno de uma problemática, por ora, insanável.
É claro que muitas pessoas que habitam o Norte e interior do país estão ainda manipuladas no seu pensamento pela influência religiosa e baixa formação escolar, o que não lhes permite um pensamento livre sobre matérias desta jaez. Mas é também não menos verdade que muitas pessoas que habitam fora destes nichos ecológicos(!), como nas grandes cidades do litoral, se libertaram desse jugo religioso, mas para se aprisionarem – não sejamos simplórios nas análises! – a outras fontes de manipulação do pensamento: os órgãos de comunicação social e os opinion makers, o exibicionismo consumista, o emotivismo espontâneo, os partidarismos, clubismos e outros bairrismos.
O que seria civilizacionalmente bom, não acontece – esse liberalismo é só aparente!

3. Agora sim! Sim, eu escrevi SIM! É que agora, sim, estamos finalmente a discutir os problemas políticos que realmente estão subjacentes ao problema do aborto: o planeamento familiar para todos, a educação sexual e, saliente-se, a EDUCAÇÃO tout court! Mas agora, são necessárias medidas políticas concretas para resolver estes problemas e, essas sim, são tão urgentes quão difíceis de implementar. O que seria agora de esperar, num país verdadeiramente democrático e civilizado, era um empenho igualmente forte da sociedade civil para exigir verdadeiras e derradeiras medidas executivas, nacionais e locais, e resultados na resolução efectiva destes problemas estruturantes.

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