«Ode Triunfal
(…)
Ó fazendas nas montras! Ó manequins! Ó últimos figurinos!
Ó artigos inúteis que toda a gente quer comprar!
Olá grandes armazéns com várias secções!
Olá anúncios eléctricos que vêm e estão e desaparecem!
Olá tudo com que hoje se constrói, com que hoje se é diferente de ontem!
Eh, cimento armado, beton de cimento, novos processos!
Progressos dos armamentos gloriosamente mortíferos!
Couraças, canhões, metralhadoras, submarinos, aeroplanos!
Amo-vos a todos, a tudo, como uma fera.
Amo-vos carnivoramente,
Pervertidamente e enroscando a minha vista
Em vós, ó coisas grandes, banais, úteis, inúteis,
Ó coisas tantas modernas,
Ó minhas contemporâneas, forma actual e próxima
Do sistema imediato do Universo!
Nova Revelação metálica e dinâmica de Deus!
Ó fábricas, ó laboratórios, ó music-halls, ó Luna-Parks,
Ó couraçados, ó pontes, ó docas flutuantes –
Na minha mente turbulenta e encandescida
Possuo-vos como a uma mulher bela,
Completamente vos possuo como uma mulher bela que não se ama,
Que se encontra casualmente e se acha interessantíssima.
Eh-lá-hô fachadas das grandes lojas!
Eh-lá-hô elevadores dos grandes edifícios!
Eh-lá-hô recomposições ministeriais!
Parlamentos, políticas, relatores de orçamentos,
Orçamentos falsificados!
(Um orçamento é tão natural como uma árvore
E um parlamento tão belo como uma borboleta).
Eh-lá o interesse por tudo na vida,
Porque tudo é a vida, desde os brilhantes nas montras
Até à noite ponte misteriosa entre os astros
E o mar antigo e solene, lavando as costas
E sendo misteriosamente o mesmo
Que era quando Platão era realmente Platão
Na sua presença real e na sua carne com alma dentro,
E falava com Aristóteles, que havia de não ser discípulo dele.
Eu podia morrer triturado por um motor
Com o sentimento de deliciosa entrega duma mulher possuída.
Atirem-me para dentro das fornalhas!
Metam-me debaixo dos comboios!
Espanquem-me a bordo de navios!
Masoquismo através de maquinismos!
Sadismo de não sei quê moderno e eu e barulho!
(…)»
Álvaro de Campos, Ode Triunfal (Junho de 1914/Orpheu, n.º1, 1915)
4 comentários:
«- Olha, um senhor!
- O que está a fazer o senhor?
- ...está a pensar!»
Francisca (3 anos)
O orgulho de um pai babado!=)
Se F. Pessoa "só" nasceu à 125 as suas puras e psicadélicas palavras serão eternas. Se Pessoa utilizou as suas obras, em certa parte como registo autobiográfico penso que que ele nao queria "autoradicar" a sua face e pensamento naquelas frases mas sim deixar naquelas palavras a atitude de um grupo de pessoas, de uma nação, de um Mundo! Aconselho a compra de um cd/dvd/livro dos wordsong! Banda que se dedica a unir as mais belas artes da poesia e da musica! Em WordSong Pessoa a banda junta palavras do poeta portugues com algumas das mais belas e artisticas musicas de sempre...compostas por pessoas como o fantastico Lou Reed e passando obviamenta pelos fantasticos acordes nacionais! A obra original tambem traz um dvd onde se junta a arte da pelicula à da musica e palavras! Uma boa compra para apreciadores de boa arte! Abraço
Agradeço as curiosas sugestões, meu caro Rui! Abraço!
Fernando Pessoas nao é dos poetas portugueses que eu mais aprecie, mas claro, dou-lhe o devido reconhecimento... José Mario Branco, Ary Dos Santos encontram-se entre as minhas preferencias...
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