terça-feira, 10 de novembro de 2009

Avaliar o Ministério da Educação

Neste início de ano lectivo, os professores receberam, a par de legislação, uma proposta de conteúdos mínimos para a “área” de educação sexual nas escolas, lavrada pela Direcção-Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular. O capítulo referente ao ensino secundário começa assim:

«Sem prejuízo dos conteúdos já enunciados no 3.º Ciclo, sempre que se entenda necessário, tanto mais que a experiência demonstra as vantagens em que se voltar novamente a abordá-los e um número expressivo de alunos nesta fase de estudos já iniciou a respectiva vida sexual activa, devem retomar-se temas previamente abordados.»

Será admissível enviar para as escolas um texto com a frase «(…) a experiência demonstra as vantagens em que se voltar novamente a abordá-los (…)»? Mas mesmo abstraindo desta, no mínimo, incúria laboral, ainda assim cabe perguntar que tipo de acção é visada com a expressão directiva «sem prejuízo dos conteúdos já enunciados no 3.º Ciclo (…) devem retomar-se temas previamente abordados»? “Sem prejuízo” significa sem prejudicar, sem colocar em causa, sem contradizer os «conteúdos já enunciados no 3.º Ciclo». Faz algum sentido supor que se possam abordar novamente temas anteriormente abordados, prejudicando a abordagem inicial, colocando-a em causa, contradizendo-a?! Trata-se, pois, de um enunciado pedagogicamente sem sentido.

Ter-se-ia querido escrever qualquer coisa como «Sempre que se entenda necessário, devem retomar-se conteúdos enunciados para o 3.º Ciclo, uma vez que a experiência demonstra ser vantajoso voltar novamente a abordá-los, tanto mais que um número expressivo de alunos nesta fase de estudos já iniciou a respectiva vida sexual activa»? Como se sabe, a expressão “tanto mais que” utiliza-se, com verdadeiro sentido, depois de elencar alguma ou algumas razões e se pretende acrescentar, salientando-a, uma outra e não para começar a enumerar razões!

A linguagem tem a sua própria lógica (a sintaxe), que, caso não seja devidamente observada na construção frásica, promove a incompreensão e não, como é sua finalidade, a compreensão do discurso.

Ao invés de um texto com conteúdo verdadeiramente directivo, informativo e reflexivo – como a delicadeza do tema exigia –, a insigne delegação do ME faz chegar às escolas um texto frio, que se limita a elencar propostas programáticas, articuladas com erros de sintaxe, um “estilo” linguisticamente sofrível e com uma vaguidade característica de quem não se quer comprometer com uma programação séria e rigorosa de conteúdos nesta nova área disciplinar. Será uma peça de inovação educativa? Não. Ou é falta de competência linguístico-discursiva ou é falta de coragem para assumir uma posição clara acerca do assunto. Ainda assim, talvez seja mais provável a segunda hipótese: é mais fácil deixar na vaguidade algo de que não se sabe muito – os professores que resolvam o mais difícil, que é elaborar um programa para a educação sexual e implementar concretamente, de modo exequível, equilibrado e sem prejuízo do normal desenvolvimento das áreas curriculares disciplinares, o que não passa de belas intenções políticas, mais simplesmente copiadas (de outros países) do que verdadeiramente reflectidas.

Um texto oportuno, com verdadeiro sentido profissional de direcção educativa e com conteúdo prestimoso para os docentes seria um texto que enquadrasse as propostas programáticas num convite à reflexão, que incluísse, entre outros, tópicos (que até poderiam ser mais desenvolvidos) como:

a) a necessidade de atender às inúmeras nuances da educação sexual, para evitar que esta possa vir a ser contraproducente;
b) o cuidado necessário na escolha dos educadores, processo que, tratando-se de área tão sensível e íntima, pode erigir-se como um problema;
e mesmo, naturalmente,
c) a consciência de que os modelos de educação sexual aplicados nalguns países não têm mostrado os resultados teóricos esperados.

Os professores teriam, assim, na sua posse um documento de qualidade, que os colocaria em melhor posição para iniciar a sua árdua tarefa de construir projectos programáticos para implementar uma educação sexual séria e prudente.

Nos últimos quatro anos, a par deste documento qualitativamente insuficiente, outros têm chegado em catadupa às escolas. Tratando-se de documentos de trabalho, de teor directivo, requerer-se-ia mais rigor linguístico, mais clareza no discurso e plenitude de conteúdo. Afinal, o objectivo é comunicar directivas, orientações para a acção. Com o ímpeto avaliativo que se vive na nossa sociedade, qual sôfrego elixir salvífico para as nossas dores crónicas, talvez fosse conveniente (e consistente) começar por avaliar os serviços prestados e mesmo, em última análise, a pertinência de certas instituições estatais, como é o caso, por exemplo, das Direcções Gerais e Regionais de Educação, quando elas próprias fazem parte da cúpula responsável de onde dimanam as directivas. Até para dirigir é preciso saber.

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