domingo, 15 de novembro de 2009

Ignorância, Tua! Interesses... deles!

O belíssimo documentário de Jorge Pelicano, “Pare, escute, olhe”, sobre a linha do Tua, ontem visto por uma sala cheia, em Mirandela, mostra, magistralmente, algumas das questões centrais que estão em jogo na apressada e monológica construção da barragem do Foz-Tua:

1. A beleza da paisagem que se poderia desfrutar do comboio que serpenteava aquele vale magnífico é, de facto, uma experiência humana plena de sentido e única (apenas quem teve a fortuna de ter feito tal viagem o poderá, efectivamente, compreender);

2. A potencialidade turística da linha muito bem contrastada com o que se faz, por exemplo, nos Alpes suíços (que envergonha os mais conscientes), que traria uma mais valia económica para o país (mais turistas a entrar em Portugal) e, sobretudo, para o interior transmontano há muito perfidamente esquecido pelo poder central, dinamizando a economia local a vários níveis (se juntarmos a isto a ligação de Mirandela a Bragança e o facto de, assim, se ficar a 30 kms. de uma linha de alta velocidade espanhola…!);

3. Trata-se de uma decisão política que, apesar de, naturalmente, parecer ter em conta o interesse público, o bem comum, faz, no entanto, tábua rasa de um conjunto de pessoas que, de facto, viviam as suas vidas empobrecidas em torno daquela linha férrea, o que, eticamente, é, no mínimo, discutível;

4. Os acidentes trágicos sucederam-se apenas no último dos 120 anos da sua existência, o que levanta fortes suspeitas de grave crime por negligência;

5. A construção da barragem é de supremo interesse para a EDP e para as grandes empresas de construção civil e servirá ao país, quando muito, para contribuir para um aumento de apenas 3% de produção de energia e para as populações locais irem à pesca (a irrigação de uma agricultura em agonia, abandonada, não será vantagem de monta);

6. As grandes contradições que assombram o pensamento da generalidade dos nossos políticos, que, nos últimos anos, se têm pronunciado acerca da linha do Tua.

O documentário é uma excelente introdução aos problemas sociais, políticos e culturais que teimam em marcar o Portugal contemporâneo. A opção estética algo hiperbolizada de “filme negro” acaba por mostrar a inevitabilidade da decisão política e a inoperância e falta de poder efectivo das populações num regime democrático mal interpretado pelos seus protagonistas de uma forma autoritarista, falsamente elitista e que remete, em última análise, para o facto dos eleitores terem a responsabilidade última -- afinal, talvez fosse bom não votar, abstermo-nos, e requerer uma transformação em mandatos (de cadeira vazia) na Assembleia da República dessa intenção de voto!
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São, pois, os interesses económicos das grandes empresas, os interesses eleitoralistas dos decisores políticos que lideram o país e, obviamente também, a sua ignorância acerca de uma estratégia de médio e longo prazo para o país (porque não lêem, não se informam e, qual tique totalitarista e autoritarista de outros tempos, não ouvem quem sabe) que estão na base da decisão política de pensamento unilateral, pobre e de vistas curtas da construção desta, como doutras, barragens.

Até o grande único bom argumento para construir a barragem – que obviaria ao problema de escassez de água, por não termos em Portugal grandes nascentes de rios, ao contrário de Espanha –, está a ser impugnado pela Comissão Europeia, por o plano português de barragens não estar a salvaguardar a futuramente vital qualidade da água com a construção das barragens projectadas!

É incompetência, é ignorância, Tua! São interesses… que não, efectivamente, os nossos!

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