O Estado é, na célebre e dramática definição de Max Weber, um conjunto de instituições que possuem o monopólio da violência legítima. Esse monopólio justifica-se, porque, em contrapartida, o Estado detém a responsabilidade de proteger os indivíduos contra a violência ilegítima.
Contudo, não há qualquer Estado que cumpra este desígnio -- não é possível ao Estado, qualquer que ele seja, garantir infalivelmente a segurança a todos os seus cidadãos. Nem por isso o Estado é dispensável. Mas obriga-nos a pensar que os indivíduos têm, irremediavelmente, que colaborar nesta tarefa utópica do Estado, designadamente prevenindo eventuais atentados à sua segurança e dos seus.
O drama do desaparecimento de crianças, designadamente com os contornos do caso de Madeleine, tem que ver com a sensação, ainda assim, de segurança, de que se nutrem os cidadãos das "repúblicas bem ordenadas", que são as democracias liberais modernas, a fim de viverem as suas vidas em liberdade, sem medos dilacerantes, que outrora fustigavam os nosos antepassados. Trata-se de uma sensação legítima, mas algo exacerbada e, por vezes, mesmo ingénua.
Em suma:
1. Não se pode pensar que o estado (não só o português, mas qualquer outro em que têm ocorrido tragédias deste tipo) assegurará, o que tem sido manifestamente impossível, a segurança de todos em quaisquer condições; a família tem um dever incontornável de vigilância. O anseio pueril não é outro, qualquer que seja a organização da sociedade: Please, don't leave us kids alone!
2. Mas também não devemos deixar de reflectir no papel do estado, designadamente nessa falibilidade crescente do estado securizante, no sentido de promover o aperfeiçoamento dos mecanismos do inevitável controlo da liberdade, pois, como escrevia John Stuart Mill, «tudo o que torna a existência valiosa para uma pessoa baseia-se na aplicação de restrições às acções das outras pessoas.» (No caso português, talvez haja reajustamentos a fazer, sem perder a coerência, no seio do paradigma jurídico vigente.)
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