quarta-feira, 22 de julho de 2009

.
.
Dar a pensar
.
.
«O primeiro que traçando uma vedação à volta de um terreno se decidiu a dizer isto é meu e deparou com gente suficientemente simples para lhe dar ouvidos, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil. Quantos crimes, guerras, assassínios, misérias e horrores teria poupado ao género humano quem, arrancando as estacas ou tapando a vala da cerca, tivesse então gritado aos seus semelhantes: Não deis ouvidos a este impostor; estais perdidos se esquecerdes que os frutos são de todos e que a Terra não é de ninguém!»
(Jean-Jacques Rousseau, Discurso Sobre a Origem e o Fundamento da Desigualdade entre os Homens)
.
«(...)Os homens não extraem prazer algum (mas antes, pesar de monta) de estarem juntos onde não haja poder capaz de lhes impor respeito a todos. (...) Nessas condições não há lugar para a indústria; porque o fruto da mesma é inseguro. E por conseguinte tão-pouco há cultivo da terra; nem navegação, nem uso dos bens que podem ser importados por mar, nem construção confortável; nem instrumentos para mover e remover os objectos que necessitam de grande força; nem conhecimento da face da Terra; nem cálculo do tempo; nem artes; nem letras; nem sociedade; mas somente, o pior do pior, medo constante, e perigo de morte violenta; e para o homem uma vida solitária, pobre, desagradável, brutal e breve.»
(Thomas Hobbes, Leviatã)
.
«Dos fundamentos do Estado desduz-se evidentemente que o seu fim último não é dominar os homens nem silenciá-los pelo medo ou submetê-los ao direito de outrem, mas pelo contrário libertar cada um do medo para que, na medida do possível, viva seguro, ou seja, para que conserve o direito natural que tem à existência, sem prejuízo para si próprio ou para os outros. Repito que o fim do Estado não é converter os homens de seres racionais em autómatos ou animais, mas antes visar que o espírito e o seu corpo se desenvolvam em todas as suas funções e que eles usem livremente da razão sem rivalizarem entre si através do ódio, da cólera ou do engano e sem se fazerem guerra sob a inspiração da injustiça. O verdadeiro fim do Estado é, pois, a liberdade.»
(Bento Espinosa, Tratado Teológico-Político)

3 comentários:

MCF disse...

Intressante o excerto de Jean-Jacques Rousseau...

Por outro lado nao sei se num mundo onde os frutos eram de todos e a terra de ninguém, nao existiriam crimes, guerras, assassínios, misérias e horrores.

O Humano gosta de possuir, gosta de ter alguma coisa que é só dele.

Acho mesmo que é essencial ao ser humano o poder sobre alguma coisa.

Quando tudo é de todos, mas nem todos pensamos da mesma forma, surgem conflitos... alguns podiam querer comer a maçã e outros podiam querer fazer sumo de maçã.
Os apoiantes da ''Maçã'' iam chocar com os apoiantes do ''Sumo de Maçã'', e daí ás guerras, crimes e horrores era só um passo.

O mesmo se passava numa terra de ninguém, uma pessoa queria fazer lá um lago e outra queria fazer um parque de estacionamento. A única solução para isto era dar o poder a quem chegasse primeiro, e aí entramos num círculo lógico já que afinal, alguém ia mandar.

Resumindo, crimes, guerras, assassínios, misérias e horrores vão sempre existir num mundo com humanos, no fim de contas... somos humanos.

Miguel Portugal disse...

A pena de Rousseau sempre foi capaz de exaltar o espírito humano! É, de facto, fantástico. Mas pode muito bem ser fantasioso - é esse o problema. De facto, MCF, a liberdade humana - talvez a característica maior e simultaneamentente mais controvertida do humano - implica possuir propriedade suficiente para alimentar uma vida justamente de decisões livres. Todos os esforços político-filosóficos de anular o direito à posse de alguma coisa por parte do indivíduo ou de anular a diferenciação crescente dessa posse provocada pelas capacidades individuais diversas, apesar de filosoficamente atractiva, parece dificilmente sustentável. Talvez nos reste... aprender a sermos livres!

MCF disse...

E o humano até tem a capacidade de aprender, mas a liberdade faz-nos tão mal por nos fazer tão bem.